Estudo divulgado pelo Serviço Social da Indústria (Sesi-RS) estima que o Rio Grande do Sul terá um déficit de 10 mil professores na Educação Básica em 2040. A constatação é fruto de um trabalho realizado pelo Observatório Sesi da Educação, a partir de dados sobre a relação aluno-professor e projeções demográficas, o que permite estimar a demanda futura de docentes com base nas matrículas previstas.
Os resultados foram apresentados durante o Sesi Com@Ciência Debates, evento que encerrou no dia 11, no Instituto Sesi de Formação de Professores, em Porto Alegre. Conforme as projeções, o estado terá um quadro de 83.783 docentes em atividade em 2040, mas a demanda de alunos exigirá que esse contingente seja de 94.137 professores – o que configura um déficit de 10.354 profissionais nas redes pública e privada.
Para o superintendente do Sesi-RS, Juliano Colombo, o estudo traz um importante alerta para a sociedade gaúcha, em razão do papel dos educadores para o desenvolvimento socioeconômico. “Este é um dos primeiros estudos divulgados pelo Observatório da Educação e tem como objetivo fomentar a discussão sobre as políticas públicas voltadas à formação de professores e à atratividade da carreira. O cenário de déficit de docentes em um futuro próximo vai demandar o envolvimento de todos os atores sociais na construção de soluções”, afirmou.
Em 2022, considerando-se o total da população gaúcha em idade escolar e as estimativas de oferta e necessidade de docentes, houve um saldo positivo de 37,4 mil. De acordo com os dados do estudo, o ponto de virada se dará em 2035, quando a demanda estimada de professores será, pela primeira vez, superior à oferta. Para efeito de comparação, o volume de docentes apresenta uma redução quatro vezes maior do que o número de estudantes na Educação Básica.
Possíveis causas
Os pesquisadores do Observatório Sesi da Educação apontam, no estudo, possíveis razões para a progressiva redução no número de docentes no Rio Grande do Sul. Entre elas, estão o desinteresse na carreira – amparado por dados que mostram redução de 59% no número de concluintes em cursos de licenciatura (que formam professores), entre 2010 e 2021 – e o envelhecimento dos profissionais da categoria (houve aumento no contingente acima de 40 anos e diminuição naqueles da faixa dos 25 aos 29 anos).
Outros fatores são a taxa de evasão dos cursos de licenciatura, correspondente a 59% das matrículas no Brasil, em 2021, e a remuneração docente. Segundo dados de 2021 da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), os professores gaúchos ganham, em média, um salário de R$ 4.024. Na comparação com profissionais de áreas semelhantes, mas que não atuam como docentes, fica clara a diferença salarial. Em exatas (físicos, químicos e matemáticos), a média salarial é 67% maior do que a dos professores.
Fonte: AI Sistema Fiergs
Caminhos sugeridos
- Ofertar espaços de experimentação.
- Formar professores que formam outros professores.
- Qualificar os profissionais sem formação adequada para a docência.
- Focar na formação em serviço.
- Qualificar a matriz curricular da formação inicial.
- Criar programa de iniciação para novos professores.
- Há também sugestões relacionadas à atratividade da carreira docente, como promover a valorização da carreira de magistério, instaurar um programa de orientação e realizar pesquisas sistemáticas com professores.
- O estudo está disponível para download em https://instituto.sesirs.org.br/
A discussão nas redes municipal e estadual
Em Venâncio Aires, na rede municipal de Educação, o secretário da pasta, Émerson Eloi Henrique, afirma que este assunto é bastante discutido, não só por municípios e estados, mas também pelas universidades que estão com seus cursos de Pedagogia e licenciaturas esvaziados. Ele ressalta que, no município, se procura oferecer condições favoráveis de trabalho, como boa estrutura física nas escolas, equipamentos modernos, assessoria pedagógica e formação continuada. Também a questão salarial e de carreira é importante. “Venâncio Aires tem salário acima do piso nacional e implanta tempo para planejamento. Em três anos de gestão, já estamos oferecendo o terceiro concurso público com vagas para a área da Educação”, reforça.
Nas questões para resolução deste problema, o que mais preocupa, segundo ele, é a inércia do Governo Federal sobre o tema. “É necessário um programa de valorização da carreira do magistério e ajuda e incentivo às universidades”, comenta. Henrique explica que os municípios já estão aplicando quase ou 100% do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em folha de pagamento de seus profissionais da Educação. “A crescente necessidade de professores e monitores é constante e outro fator que preocupa é o índice da Lei de Responsabilidade Fiscal com o percentual comprometido pela folha de pagamento”, diz.
Na rede estadual, o coordenador da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Luiz Ricardo Pinho de Moura, evidencia que para trazer soluções para este problema, o Governo do Estado já lançou o programa Professor do Amanhã. O projeto é inédito no Brasil e concederá mil bolsas mensais de permanência de R$ 800 aos alunos, além de outros R$ 800 para a instituição comunitária de ensino superior como forma de custeio da vaga. A previsão é de que o programa receba R$ 57,6 milhões em investimentos até 2026. Os cursos serão oferecidos em áreas estratégicas. No início do mês, o governador Eduardo Leite sancionou a lei de criação do programa.
Curso normal
“Temos trabalhado bastante incentivando principalmente os jovens a ingressarem no curso normal, porque a profissão já começa ali, estimulando eles para serem futuros professores”, diz o coordenador. Atualmente, ele destaca que existem três escolas que oferecem o curso normal: o Instituto Ernesto Alves, em Rio Pardo; a Escola Padre Benjamim Copetti, em Sobradinho; e a Escola Gomercinda Dornelles da Fontoura, de Encruzilhada do Sul. Pinho evidencia também o trabalho em parceria com a Unisc, que é a única da região a oferecer todas as licenciaturas. “Na época de vestibular, divulgamos bastante nas escolas, com ênfase nas licenciaturas, maneiras que temos encontrado para minimizar a situação”, comenta.
O empenho das universidades da região
O reitor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Rafael Henn, que também é presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), destaca que esta questão é uma realidade há muitos anos, e que infelizmente os jovens não enxergam mais a profissão de professor como algo em que valha a pena investir. “Não há valorização e, por consequência, os alunos não têm a atratividade que existia no passado na nobre missão de ensinar”, comenta.
Na rede do Comung, onde participam 14 universidades comunitárias, muitas estão fechando os cursos ou estão na modalidade à distância, devido à baixa procura. Ele enfatiza que há três anos a questão foi discutida de forma interna na Unisc, mas foi definida a manutenção de todos os cursos de licenciaturas, uma das duas universidades do estado que ainda os mantêm de forma geral. Henn dá como exemplo, no último vestibular, a licenciatura de Física, que teve o interesse de apenas um aluno. “É uma questão que, por hora, estrategicamente, dá um grande prejuízo, já que o número mínimo em sala de aula, não é atingido”, lamenta.
Desde o ano passado, as universidades do Comung vêm mantendo um contato próximo com o Governo do Estado, principalmente com o vice-governador Gabriel Souza, que reconhece o problema do apagão de professores, que já acontece. “Muitas regiões, como a 6ª CRE, não conseguem contratar o número de professores que precisa. E o problema vai se agravar nos próximos anos, já que o número de professores aposentados é maior do que o número de professores que estão ingressando, é uma equação que não fecha”, afirma.
Henn cita ainda o projeto Professor do Amanhã, que beneficia os alunos que, em contrapartida, precisam assumir a responsabilidade de trabalharem dois anos na rede pública estadual. Segundo ele, é um projeto importante, mas que precisa ter continuidade, pois somente as mil bolsas não serão suficientes para o efeito desejado. “Junto com a questão financeira, que também é importante, precisa ter uma campanha de valorização e reconhecimento do professor na sociedade”, destaca.
Univates
Na Universidade do Vale do Taquari (Univates), a vice-reitora e pró-reitora de Ensino, Fernanda Storck Pinheiro, diz que entende a questão como uma preocupação constante, afinal, se trata da educação das próximas gerações. Na universidade, que teve o curso de Letras como o primeiro a ser ofertado, há 54 anos, diversos movimentos têm sido feitos, no intuito de atrair e incentivar a permanência de estudantes interessados em ser professores. A vice-reitora cita que desde 2017 se trabalha com um programa de bolsas específico para os cursos de licenciatura na modalidade presencial, chamado Bolsa Licenciatura, que possibilita o pagamento de uma parcela fixa por mês, independentemente da carga horária contratada no semestre, o que pode gerar uma economia de até 50% no valor total do curso.
Desde 2018, é feita a incrementação de oferta dos cursos de licenciatura também na modalidade EAD, segundo Fernanda, por ser uma tendência nacional, que possibilita mais acesso ao Ensino Superior. Além disso, ela evidencia a participação da Univates em diversos fóruns estaduais e nacionais voltados à formação de professores, o que oportuniza articular políticas públicas de incentivo à formação docente.
“Nossas pesquisas de acompanhamento de egressos têm demonstrado alta empregabilidade para os diplomados nos cursos de licenciatura, o que ratifica a informação de que existe mercado e espaço para aqueles que querem seguir este ofício. Penso que divulgar e destacar as belezas da profissão, assim como as possibilidades de se construir uma carreira profissional sólida na área, são desafios constantes”, afirma.
Fernanda destaca também que entre os dias 6 e 8 de dezembro de 2023, a Univates promove o IX Encontro Nacional das Licenciaturas (ENALIC), evento que hoje conta com mais de 6 mil inscritos. Serão estudantes e professores de todo o país, envolvidos em reflexões sobre o fazer docente, seus desafios e suas potencialidades. Mais informações podem ser conferidas no site www.enalic.com.br/.