Polícia procura integrante de célula neonazista em Venâncio Aires

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“Maior ofensiva da Polícia Civil do Rio Grande do Sul contra as células neonazistas e neofascistas mais extremistas do estado”. Assim Tatiana Bastos, titular da Delegacia de Combate à Intolerância, classificou a operação deflagrada pela Polícia Civil, na terça-feira, 13, que resultou em sete detidos em cumprimento de nove mandados de prisão e 23 de busca e apreensão em municípios gaúchos e de São Paulo, Paraná e Ceará.

Entre os investigados pelas autoridades, um venâncio-airense que não estava em casa no momento das diligências. Segundo a delegada Tatiana, o homem é “uma peça central da organização, pois é ator extremamente importante no que se refere ao objetivo destes grupos aceleracionistas, cujo interesse é estabelecer o caos e colapsar o sistema”. O nome do suspeito, que não tinha prisão decretada, não foi divulgado.

A Delegacia de Combate à Intolerância teve o auxílio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), na chamada Operação Accelerare, nome escolhido em função da busca desenfreada por operadores, integrantes e recrutadores de células neonazistas. Segundo a Polícia Civil, os grupos têm conexão no Brasil e no exterior. “Não encontramos o alvo de Venâncio Aires e nada foi apreendido na casa dele”, comentou a policial, acrescentando que “ele continua sendo procurado, para que possamos ter a oitiva do suspeito”.

Fique por dentro

• De acordo com a delegada Tatiana Bastos, a Operação Accelerare teve origem em uma denúncia anônima. No dia 6 de junho, foi deflagrada a primeira etapa, com quatro mandados de busca e apreensão, “já focando nos principais alvos, que são lideranças destas células gaúchas e que fazem a distribuição de conteúdo nazista, fascista, racista e também misógeno”.

• A partir do material apreendido, foi inaugurada uma nova etapa da operação, em Pelotas, uma semana depois. Lá, a Polícia Civil descobriu ameaças de ataques a agentes políticos e professores universitários judeus, “com esta questão do antissemitismo bem forte e muito presente nos conteúdos disseminados por estes grupos”.

• O trabalho das autoridades levou à operação de terça-feira, 13. Dos nove mandados de prisão expedidos pela Justiça, sete foram exitosos. Tatiana Basta disse que as diligências terão sequência até que dois alvos de São Paulo, não encontrados inicialmente, sejam capturados.

Saiba mais

• Neonazismo: Está associado ao resgate do nazismo, ideologia política propagada por Adolf Hitler, a partir do começo da década de 1920. O movimento neonazista tem suas origens assentadas na intolerância e em preceitos racialistas, primando sempre pela ‘raça pura ariana’ ou pela ‘superioridade da raça branca’.

• Neofascismo: É uma ideologia pós-Segunda Guerra Mundial que inclui elementos significativos do fascismo. O termo neofascista pode ser aplicado a grupos que expressem uma admiração específica por Benito Mussolini e pela Itália fascista. O neofascismo geralmente inclui nacionalismo, nativismo, anticomunismo e oposição ao sistema parlamentarista e à democracia.

• Misoginia: Tem por definição o ódio às mulheres. A origem desse termo é grega e vem dos vocábulos miseó, que significa ‘ódio’, e gyné, que tem como tradução ‘mulher’. Esse conceito abarca os sentimentos de desprezo, preconceito, repulsa e aversão às mulheres e ao que remete ao feminino.

• Antissemitismo: É o termo que se dá ao preconceito contra populações de origem semita, como os árabes e os judeus. O antissemitismo pode ser definido como o ódio às populações de origem semita, com destaque para os judeus.

• Transfobia: É uma gama de atitudes, sentimentos ou ações negativas, discriminatórias ou preconceituosas contra pessoas transgênero (que não se identificam com o gênero a qual foram designadas, baseado em seu sexo biológico). A transfobia pode ser repulsa emocional, medo, violência, raiva ou desconforto sentidos ou expressos em relação a esse grupo.

• Homofobia: É caracterizada por uma série de atitudes e sentimentos negativos, discriminatórios ou preconceituosos em relação às pessoas LGBTQIA+. Anteriormente, o termo se referia especificamente aos preconceitos direcionados a indivíduos que sentem atração pelo mesmo sexo ou gênero.

• Pedofilia: Trata-se de um transtorno, de um desvio sexual, onde uma pessoa adulta sente atração por crianças e adolescentes. A pedofilia é uma doença com tratamento e, apesar de ser de longo prazo, é possível, segundo a Psicologia, alcançar um certo tipo de ‘cura’.


“É o que chamamos de terrorismo estocástico”

Tatiana Bastos, titular da Delegacia de Combate à Intolerância

Folha do Mate – Qual é o perfil buscado por estes grupos criminosos?

Tatiana Bastos – Na maioria, são jovens e adolescentes envolvidos. Este é um dos modus operandi deles: arregimentar e aliciar colaboradores a partir de redes sociais e, depois, em fóruns e conversas mais fechadas ou reservadas, em aplicativos de mensagens.

Afinal, o que querem estas pessoas?

Querem disseminar o caos, colapsar o sistema, isso se vê muito nas conversas deles. É o que chamamos de terrorismo estocástico. Chama a atenção que apreendemos muitas armas brancas e simulacros de armas de fogo. Temos imagens e vídeos provando que eles promovem ameaças e intimidam todos estes grupos sociais que atacam, principalmente judeus e negros, que são os que a gente mais constata. A gente encontra de tudo: transfobia, homofobia e até pedofilia.

Na primeira etapa da operação, em junho deste ano, Polícia Civil apreendeu livros com ideologia nazista (Foto: Polícia Civil/Divulgação)

Quem são os presos nesta terceira etapa da operação?

Todos os sete presos são lideranças importantes na operação destas células, que têm duas grandes inspirações. São grupos internacionais, um europeu e outro norte-americano, extremamente radicais. Eles seguem este movimento aceleracionista e, por isso, nossa preocupação e importância desta operação para a sociedade como um todo, ainda mais neste cenário que vivemos, de pré-guerra.

Há muita dificuldade para chegar a estas pessoas?

A gente precisa de apreensão de materiais, especialmente telefones, daí se consegue dissecar e chegar a algum conteúdo, pois trabalhar com análise é algo extremamente complicado. A maioria da comunicação entre eles circula em grupos extremamente fechados, que a gente não consegue acessar. Eles se utilizam de meios como perfis e e-mails fakes, que a gente não consegue identificar a autoria.

Como estes grupos fazem o contato inicial com possíveis integrantes?

A grande maioria inicia as buscas em redes sociais, principalmente por adolescentes e jovens que simpatizem ou possam simpatizar pela ambiência política com estes grupos. Começam a acompanhar postagens e dão preferência para rapazes jovens, normalmente que estejam servindo o Exército ou tenham alguma experiência militar. Convidam, se relacionam e começam a avançar para a distribuição de conteúdo. Alguns grupos trabalham com o método de execução de tarefas, cujo cumprimento leva estas pessoas a galgar espaço nas organizações.

Quais são os sinais de alerta e como prevenir?

Devemos ter atenção para adolescentes e jovens que ficam muito tempo oceosos, fazendo uso de celulares e equipamentos eletrônicos. Destacamos a importância de os pais terem este controle ou, pelo menos, fiscalizarem o que os filhos estão acessando. Mas o principal é o comportamento destes jovens. A maioria parte para o isolamento social. Muitos já sofreram ou praticam bullying, ficam no confinamento e têm dificuldade de socialização. Normalmente, são jovens mais agressivos e que disseminam este tipo de ódio contra qualquer minoria. É preciso ficar alerta, pois eles dão sinais. Seja em casa, na escola ou em outro ambiente, geralmente vão manifestar o que a gente chama de pessimismo exagerado. Contra tudo, contra todos e contra o sistema.

Recentemente, tivemos um caso trágico em uma escola de Santa Catarina. Logo depois, mensagens em grupos de WhatsApp apavoraram pais de Venâncio Aires, que inclusive não mandaram seus filhos para a escola. É possível afirmar que esta situação tenha alguma relação com a célula da qual este venâncio-airense faz parte?

Não dá para afirmar que todos os casos guardam relação com estes grupos, mas este movimento relacionado às escolas, basta a gente ver qual foi o Dia D, 20 de abril, aniversário de Hitler. A gente sabe que estas células estão incitando. O que eles queriam não era necessariamente o ataque, mas gerar o caos, colapsar o sistema, fazer com que as autoridades todas ficassem alertas e a postos para eventual necessidade. Todo mundo mobilizado e os pais não queriam mandar as suas crianças para as escolas. Eles atingiram o objetivo quando causaram o terror e o caos. Causaram transtorno para um sistema que está organizado e é de rotina, com uma cultura supremacista e separatista. Mas é claro que a gente sabe também que alguns acabam surfando nesta onda, se aproveitando do momento. São ações muito semelhantes às registradas em outros lugares do mundo, realizadas por integrantes destes grupos.

Como a Polícia Civil trabalha a continuidade destas investigações e quais são as tipificações destes crimes e penas previstas?

Quanto mais apreensões, mais trabalho. Com certeza, teremos muito mais trabalho agora. São muitos equipamentos apreendidos e a gente segue investigando para identificar outros envolvidos. Também temos que individualizar, ver qual é a conduta de cada um destes atores. Contra todos eles já temos o crime de apologia ao nazismo, na forma qualificada, por conta do uso desta simbologia nazista, e associação criminosa. Apologia ao nazismo já dá uma pena de cinco anos, é um crime inafiançável.

Qual é importância de reforçar o fato de que toda esta operação teve origem em uma denúncia anônima?

Realmente, toda esta investigação se origina de uma denúncia anônima. Isso reforça a necessidade de cuidar dos filhos em casa e no ambiente escolar, onde muitas vezes temos visto se propagar este material de cunho nazista. Temos muitas outras simbologias, que ultrapassam a cruz suástica, a ‘ss’ ou a cruz gamada. A gente não quer estar dando palco pra estes movimentos, mas é muito fácil de achar na internet.

32 mil

É o número de grupos, no mundo todo, só de células das quais estes investigados fazem parte.

“Ver esta nova geração de jovens e adolescentes reproduzindo este tipo de discurso de ódio assusta, e assusta bastante. Estão negando, inclusive, o holocausto e as mortes de mais de seis milhões de judeus, além de todas as atrocidades e barbáries que aconteceram nos campos de concentração. Estão defendendo a higienização da sociedade, o que nos dias de hoje, é algo realmente preocupante.”

TATIANA BASTOS

Delegada de Polícia

De acordo com a delegada Tatiana Bastos, o neonazismo e o neofascismo não estão apenas no Brasil, mas muitos ambientes neste sentido são encontrados no país. Ainda conforme ela, o Rio Grande do Sul é o terceiro estado da Federação com o maior número de células neonazistas, atrás apenas de Santa Catarina e de São Paulo.



Carlos Dickow

Carlos Dickow

Jornalista, atua na redação integrada da Folha do Mate e Terra FM.

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