Crianças são curiosas por natureza. É algo inerente a todos os pequenos. Quem não se lembra de, em algum momento da infância, se encantar com algo? Querer saber mais? Querer tocar? Algo que mexeu muito com a curiosidade? Pois bem, a história a seguir começou na década de 1950, no interior de Venâncio Aires, quando um menino se encantou por um caminhão estragado. Um veículo que deu pane exatamente na frente de casa. O guri, com o pretexto de levar água aos mecânicos que trabalhavam sob o sol para resolver o problema, não saiu de perto, atento aos movimentos, às ferramentas e à estrutura do caminhão. Nascia, ali, um gosto que viraria profissão por cerca de 40 anos. Essa é a história de Edmar Willms, mecânico que passou pela Auto Geral e pelo Expresso Cruzador, duas grandes empresas do passado de Venâncio Aires.
Da vassoura às ferramentas
Edmar Willms é natural de Linha Arroio Grande e cresceu literalmente do lado do arroio, nas proximidades do campo do Palmeiras. A mãe, Wilma, era costureira, e o pai, Baldwin, cobrador da antiga Cooperativa de Arroio Grande, fundada nos anos 1920 e que foi um importante centro de compras e vendas na metade do século XX. Baldwin era amigo de longa data de Armando Schmidt, proprietário da Auto Geral, antiga revenda da Chevrolet de Venâncio Aires (atual esquina das ruas Osvaldo Aranha com 15 de Novembro, onde tem uma farmácia).
E foi Armando Schmidt quem deu a primeira oportunidade de trabalho para Edmar, quando ele tinha 17 anos e se mudou para a parte urbana da cidade. “Comecei varrendo a oficina, mas sempre fui interessado, queria aprender. Daí decidiram investir neste guri”, lembra o aposentado, hoje com 83 anos. Assim, surgiu a oportunidade de fazer inúmeros cursos de mecânica em Porto Alegre, como o feito na Escola Técnica Boró, em 1958, que lhe garantiu o grau ‘ótimo’ ao término do curso. “Com 18 anos eu já era mecânico. Meu pai tinha um acordo com o Armando: dizia que não era para me dar salário, apenas me dar oportunidade de aprender. Mas gostaram tanto de mim que já no segundo mês ganhei um aumento.” Foram sete anos na Auto Geral e, em 1965, começou a trabalhar para Odilo Müller, proprietário de uma frota de caminhões que transportavam combustível. Foi nessa época que um grave acidente poderia ter acabado em fatalidade. Numa noite, descendo a ‘Estrada da Serra’ em Vila Deodoro, um problema nos freios fez Edmar perder o controle e o caminhão tombou numa ribanceira. Preso às ferragens, quebrou as pernas. “Naquela noite poderia ter dado um desastre maior. O caminhão carregado de gasolina e as pessoas vinham perto para ajudar, mas usavam lampiões para enxergar. Foi um momento de muito nervosismo.”
Na metade da década de 1960, conheceu Marly Therezinha Costa, hoje com 79 anos, com quem casou em 1967. O casal comprou um terreno (onde mora até hoje) próximo ao primeiro pavilhão da antiga Fumossul, altura da rua Coronel Agra. “Era meia dúzia de famílias e a rua Duque de Caxias era só um trilho.”
A relação com Ottmar Schultz e a trajetória no Cruzador
Em julho de 1976, Edmar Willms começaria a trajetória em uma das maiores transportadoras que Venâncio Aires já teve. Era uma sexta à noite, quando Ottmar Benno Schultz (1925-1996), proprietário do Expresso Cruzador, bateu à sua porta pedindo ajuda para socorrer um caminhão. O serviço foi bem executado e aí veio uma proposta de trabalho. Ainda naquele fim de semana, Willms fez o exame médico e começou oficialmente a trabalhar na segunda-feira, dia 19 de julho de 1976. A partir dali, também desenvolveu uma relação que ia além de patrão e empregado com Schultz. “Ele vinha conversar todo dia comigo na oficina. Viramos amigos.”
O trabalho na transportadora, que ficava na rua 15 de Novembro, entre a Osvaldo Aranha e a Júlio de Castilhos, começava às 7h30min, mas não tinha hora para acabar. Com uma frota gigantesca, Willms e mais dois mecânicos davam conta dos caminhões, que percorriam diversos estados brasileiros e países da América do Sul. Ele próprio foi, inúmeras vezes, ao Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e até Argentina para consertar veículos que ficavam pela estrada devido a algum problema. Naquela época, os Mercedes-Benz, Scania e Volvo do Cruzador transportavam tabaco e produtos da Venax, por exemplo. “Um dia, eu saí às 7h, almocei em Curitiba e jantei em São Paulo”, lembra Willms, destacando que também era bom motorista e que assumia o volante dos caminhões quando era necessário.
O motor do ‘Mackão’
Um dos veículos que Willms fez a manutenção foi o Mack A40, o caminhão que Ottmar Schultz comprou em 1953, dando início à transportadora. Com esse nome, talvez muitos venâncio-airenses não o identifiquem de imediato, mas se falar em ‘Mackão’, é mais fácil de associar. Trata-se do caminhão que nos últimos anos puxa o desfile dos motoristas no município, em julho. “Consertei ele muitas vezes. Fui eu que adaptei o motor”, conta o mecânico aposentado, que também participou de dezenas de desfiles nos tempos do Cruzador.
Churrasqueiro oficial e uma carona de Opala
Além da grande responsabilidade de garantir a manutenção dos caminhões, todo fim de ano, na festa de Natal da firma, Edmar Willms tinha outra incumbência: era o assador oficial, o responsável por cuidar dos galetos distribuídos em longas churrasqueiras.
Como não podia tirar o olho do assado, muitas vezes Ottmar Schultz buscava a família do funcionário. Assim, as filhas de Willms, Rosmeri e Eveline, tiveram oportunidade de andar no Opala Comodoro azul marinho de quatro portas do patrão. “Nós éramos crianças e achamos o máximo aquela carona. Chegamos em grande estilo na festa”, lembra, entre risos, Rosmeri, hoje com 54 anos.
Sobre outras paixões
Mecânico dos tempos em que as oficinas não tinham equipamentos digitais e era tudo ‘no olho’ e literalmente desmontando peças, Edmar Willms destaca que, para ser um bom profissional, tem que gostar do que faz e não se importar com mãos sujas de graxa. “Fui um apaixonado pela minha profissão, desde quando era novo e aquele caminhão quebrou na frente de casa no Arroio Grande.” Willms gostava tanto do que fazia, que continuou trabalhando mais algum tempo depois da aposentadoria, até o encerramento das atividades do Expresso Cruzador, nos anos 1990.
Curiosamente, o mecânico não fazia a manutenção dos próprios carros, praticamente fazendo jus ao ditado popular ‘Casa de ferreiro, espeto de pau’. “Eu gostava mesmo é de mexer em caminhão. Meus carros, sempre mandei fazer”, revela Willms, que já teve um Chevrolet Bel Air azul, um Fusca laranja, uma Brasília verde, um Chevette marrom e um Corcel 2 branco. Atualmente, tem um Santana, comprado zero quilômetro em 2000.
Enquanto a paixão pela oficina mecânica manteve por quase 40 anos, Edmar Willms também criou gosto por outras coisas: caçar, pescar, mexer na horta e ler. A leitura, aliás, é um hábito diário e geralmente começa com a Folha do Mate (é assinante do jornal desde 1989). Também gosta de livros com assuntos históricos e coleciona gibis do personagem Tex, clássico dos quadrinhos criado na década de 1940, na Itália, e publicado em diversos países.
Sobre seu maior orgulho, o ‘Willms do Cruzador’, como ficou conhecido na cidade, diz que é a família. “Tudo que tenho e conquistei, foi com meu trabalho, que me possibilitou ter uma família e ver que todos estão bem.” O aposentado tem três netas: Marina, Mariana e Maria Eduarda e é bisavô da Antonella e do Antoni.