Após mais uma cheia histórica do rio Taquari, que afetou diretamente os distritos de Vila Mariante e de Vila Estância Nova, o medo dos moradores é que, com duas das três maiores cheias da história sendo registradas em 2023, o fenômeno se torne cada vez mais comum. Pensando nisso, a Folha do Mate entrevistou o professor Marcos Leandro Kazmierczak, doutor em Desastres Naturais, para explicar as causas das últimas enchentes, os planos possíveis para contornar o problema e, também, a projeção para o futuro.
Folha do Mate – Qual o motivo das cheias recentes do rio Taquari e mananciais próximos? É exclusivamente resultado de um El Niño intenso?
Marcos Leandro Kazmierczak – Não. O El Niño agravou o problema, associado às altas temperaturas do Atlântico Norte. É uma conjunção de fatores, como a maior emissão de gases de efeito estufa, utilização de combustíveis fósseis, dinâmica do uso do solo, aumento do desmatamento e número de queimadas em 2022 e falta de governança. Associados a uma ocupação, em geral desordenada, a intensificação das chuvas acontece devido ao avanço de um sistema de baixa pressão para o oceano, combinando o fluxo de umidade do oceano ao da Amazônia e formando uma frente fria. O ano de 2023 foi o mais quente em 125 mil anos. O planeta está mais quente, os oceanos mais quentes e o El Niño está em evolução. Assim, diante de um cenário de aquecimento global e formação de El Niño com classificação ‘forte’, o que aumenta a umidade na região sul do país, há mais probabilidade de que um ciclone extratropical cause desastres.
Este é o ano mais quente em tanto tempo assim? Quais os motivos para isso? Esse recorde deve seguir sendo quebrado nos próximos anos?
A tendência é de que, com o acréscimo de gases de efeito estufa na atmosfera, estes recordes possam ser quebrados nos próximos anos. Todavia, estão associados a ocorrerem em maior ou menor grau, em função de ocorrência de El Niño ou La Niña (ou da neutralidade), do aumento do uso de combustíveis fósseis, do aumento do desmatamento, etc. Tudo isso depende de decisões políticas, que podem impactar em diferentes dimensões e magnitudes.
O que falta para que estes eventos não resultem em desastres de maior impacto?
Falta a conscientização da sociedade em geral (ocupação de áreas de risco), a ação direta e efetiva dos órgãos públicos encarregados do planejamento e da ocupação territorial. Falta a instalação de equipamentos de monitoramento e de sistemas de alerta que possam ter maior previsibilidade, dando tempo hábil para que os alertas atinjam as pessoas localizadas em áreas de risco. Falta a elaboração de instrumentos de gestão de planejamento de risco de desastres, ferramentas indispensáveis para a gestão do uso do solo. Elas precisam ser elaboradas para todos os municípios que apresentem um histórico de escorregamentos. Mas não basta elaborar estes instrumentos: é preciso que eles sejam aplicados, e constantemente atualizados.
Quantos municípios têm plano de redução ou contenção de desastres? Venâncio Aires é um deles? Quais seriam os principais pontos desse plano?
Com base em pesquisa realizada pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2020 e que deve ser atualizada em 2024, no Brasil, 2.645 dos 5.570 municípios (47,5%) afirmam ter algum instrumento de planejamento de gestão de risco de desastres. No Rio Grande do Sul, 252 dos 497 municípios, ou 50,7%, afirmam ter algum instrumento de planejamento de gestão de risco de desastres. Venâncio Aires tem apenas um dos 10 instrumentos previstos, o Plano Diretor, que contempla a prevenção de enchentes, inundações e enxurradas. Ainda que seja preciso verificar se realmente é utilizado.
Pensando na reconstrução dos locais atingidos, quais deveriam ser os planos do poder público?
O mais importante é evitar a reconstrução nas áreas de maior risco. Logicamente, cria-se um problema social, de remoção das famílias. Mas é preciso ter em mente que o Taquari vai registar eventos cada vez mais recorrentes, e com tendência de maiores volumes de chuva em 2040. Entre as limitações para a definição de áreas para a realocação das pessoas atingidas, está a disponibilidade de áreas públicas ou privadas para esta destinação; outras áreas de risco; em áreas de APP (margens dos rios e córregos, declividade com mais de 45 graus, topo de morro); e numa distância superior a 1,5 quilômetro do local de origem.
Ocupação em Vila Mariante
• Utilizando a distância de 500 metros do rio Taquari, a imagem mostra que boa parte da área urbanizada de Mariante localiza-se dentro desta ‘margem de risco’. Segundo Kazmierczak, a situação ideal seria remover as pessoas das áreas de risco, que devem ser definidas localmente, e que podem variar em função da declividade e do porte dos rios envolvidos.
• “Isso pode gerar um problema social, tanto pela remoção quanto pela omissão, deixando-as continuar a residir ou ocupar aquela área. É preciso definir para onde elas serão movidas e criar planos habitacionais, que não podem ficar apenas no papel, criando expectativas na população afetada.”
Projeção para Venâncio Aires em 2040
• Acréscimo de 1º C na temperatura, o que deve impactar diretamente na produção agrícola.
• Aumento em até 100 milímetros anuais de chuva.
• Ocorrência de dias muitos quentes deve subir 10%, chegando de 20% a 30% dos dias.
Nomenclaturas corretas, segundo Marcos Leandro Kazmierczak
• Enchente (ou cheia): temporária elevação do nível d’água normal da drenagem, devido ao acréscimo de descarga. Não afeta as edificações.
• Inundação: o volume de água não se limita à calha principal do rio e extravasa para áreas marginais, habitualmente não ocupadas pelas águas.
• Enxurrada: escoamento superficial concentrado e com alta energia de transporte ocasionando em eventos chuvosos intensos ou extremos. Geralmente, quando ocorrem, não há tempo hábil para os moradores tomarem os devidos procedimentos para se protegerem ou salvarem os seus bens. Também denominada de inundação brusca.
• Desastres naturais: terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis e semelhantes. São eventos geológicos ou climáticos naturais.
• Eventos extremos: Consequência da atividade humana e resultam da conexão entre áreas susceptíveis à ocorrência de eventos naturais e a ocupação, ou uso, dessa mesma área para a implantação de qualquer tipo de atividade humana.