Mickey chegou à casa da família Nicolay em 2019. Na propriedade em Linha Arroio Bonito, interior de Mato Leitão, o cãozinho vira-lata de pelo caramelo protagonizou uma história de amizade digna de filme. Por mais de quatro anos, foi o companheiro inseparável do agricultor aposentado Erno Nicolay. “Eles faziam tudo juntos. Quando o pai terminava o almoço e ia tirar a soneca, o Mickey ia com ele”, relata uma das filhas, Loinir Teresinha Nicolay, 55 anos.
E se no início se cogitava que o cão dormisse “no máximo, na sala”, aos poucos, ele se integrou tanto à rotina da família e estreitou o laço de amizade com seu Erno, que passou a dormir no quarto dele. Do início da manhã à hora de dormir, à noite, o cachorro era fiel escudeiro do idoso. A rotina começava com o mate doce – sempre com erva-mate Ximango e açúcar refinado, como gostava seu Erno.
Na roda do chimarrão, na hora de assistir à televisão – em especial, o programa do Datena, ao qual o idoso sempre assistia – ou enquanto o aposentado fumava o palheiro, o cachorrinho estava sempre ao redor. “O pai tinha companheiros indispensáveis, que eram o Mickey e o rádio. Toda madrugada, ele acordava por volta das 2h, comia um chocolate e ligava o rádio. Quando ele levantava, já estava totalmente informado das notícias”, comenta Loinir. Também era muito comum encontrar seu Erno sentado no degrau da varanda, na frente da casa. O Mickey, claro, ao lado. Uma almofada para o idoso, outra para o cachorrinho.
No hospital, demonstração de afeto
No auge dos 87 anos de Erno Nicolay, a rotina tão bem estabelecida, entre cuias de mate e chimarrão, o convívio com os filhos, as pescarias, umas caminhadas na grama para levar o cachorro para passear e o pilates uma vez por semana – atividade que o idoso adorava e à qual se referia como “física” –, foi interrompida com a internação hospitalar.
Após o pai urinar sangue, Loinir e os irmãos o encaminharam para consulta médica. Com a suspeita de problema no rim, na próstata ou uma infecção, ele internou no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) de Venâncio Aires. Nos dias que seguiram, entre altos e baixos, exames e medicações, o idoso não conseguiu mais se alimentar e passou a utilizar sonda. Alucinações e fraqueza também agravaram o quadro. Em meio a isso, a saudade do amigo de quatro patas se sobressaia. “Ele sentia falta, chamava pelo Mickey. Então buscamos informações para ver como levá-lo”, comenta Loinir.
Por meio de ação do Grupo de Humanização, o hospital promove as visitas pet. Com a documentação organizada e o encontro autorizado, coube ao filho Délcio Nicolay preparar o cãozinho para o encontro. A previsão era de que a visita acontecesse no sábado, mas, como já estava autorizada, a família resolveu antecipar para a sexta-feira, no início da tarde.
No corredor do hospital, Délcio até errou o quarto, mas Mickey, na coleira, seguiu em frente, decidido, em busca do amigo. Quando finalmente encontrou seu Erno, a alegria foi instantânea, manifestada no rabo mexendo sem parar e no focinho curioso, cheirando o rosto do paciente. “Mesmo que o pai já estivesse muito debilitado, eles trocaram amor e afeto. Foi um momento muito emocionante”, conta a filha Loinir. Na madrugada seguinte, Erno faleceu. “Ele esperava o Mickey, pois chamou muito por ele. Fomos intuídos por Deus para que a visita fosse naquele dia”, considera ela, que junto dos irmãos, cuida com todo carinho do fiel escudeiro do pai. Mickey, inclusive, segue dormindo no quarto que antes dividia com o amigo.
“Só temos a agradecer por ter tido o privilégio de conviver com nosso pai até esta idade, lúcido, tranquilo, com tanta mansuetude, uma pessoa que nunca levantou a voz para ninguém, alguém que, junto com a minha mãe, conseguiu deixar sementes muito boas, de valores, que os seis filhos vão perpetuar com muita união.”
LOINIR TERESINHA NICOLAY – Filha do Erni