Profissionais alertam para os efeitos da catástrofe climática na saúde mental

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As enchentes do arroio Castelhano e do rio Taquari e os estragos causados pela chuva no interior de Venâncio Aires, fazem parte do contexto de calamidade vivido em todo Rio Grande do Sul. A tragédia climática que assola o estado deixou milhares de pessoas desabrigadas, devastou cidades, causou prejuízos econômicos em diferentes segmentos e marcou a história dessa geração.

Em meio a tantas perdas materiais, as pessoas buscam encontrar uma direção para recomeçar. O emocional ainda está muito abalado e é necessário olhar com atenção para a saúde mental de todos, que de alguma forma se sentem devastados por essa tragédia. “É uma situação catastrófica e que ninguém esperava que acontecesse”, define a psicóloga venâncio-airense Gabriela Anita Sterz.

De acordo com ela, a dimensão que esse episódio tem intensifica o sentimento de catástrofe e impacta a todos, mesmo aqueles que não foram diretamente atingidos pelas cheias. Nesse sentido, ela reforça a necessidade dos acolhimentos cuidadosos e carinhosos e dos recomeços.

“Isso é muito importante. Se não voltarmos a viver e a fazermos o que estávamos acostumados, na medida do possível e do que é necessário, também vamos desestabilizar.” Para ela, esse é um caminho para que a comunidade tente se reerguer. Além disso, a ocorrência de três grandes enchentes em menos de um ano é considerada um agravante.

“Não tivemos tempo de reconstruir o que foi perdido em setembro. É pouco tempo para as pessoas se reestruturarem e já perderem tudo de novo.” Outro ponto mencionado por ela é o pertencimento. “Cada casa tem a personalidade da pessoa. Não são apenas objetos, são sentimentos, itens que se lutou para conquistar”, observa.

Futuro

O momento atual ainda envolve muita ajuda humanitária, com atenção a quem foi atingido e doações de itens de necessidade básica. Mas para o futuro, a psicóloga Gabriela Sterz acredita que os diagnósticos de depressão e ansiedade devem aumentar. “A pandemia foi um marco e ainda estávamos nos recuperando dela”, comenta.

A profissional também acredita que vão acontecer muitos casos de estresse pós-traumático, especialmente associados à chuva. “O barulho da chuva não acalma mais, ele traz medo. Se antes tínhamos o sentimento bom de descansar e ficarmos tranquilos ao ouvi-la, agora temos receio de que se chover muito vai alagar novamente”, analisa.

Em relação ao sentimento de impotência relatado por muitas pessoas diante da catástrofe, Gabriela lembra que ele é coletivo e que por ser uma situação nova para a atual geração – a última enchente desta magnitude aconteceu em 1941 – é preciso aprender a lidar com toda essa situação. “Aconteceu no Rio Grande do Sul inteiro. Não tem como não ter sido tocado com isso. Vamos aprender juntos”, salienta.

Além disso, a psicóloga reforça que a pausa é necessária. “É muito importante, até mesmo para os voluntários, descansar tanto a saúde mental quanto a física. Vai chegar uma hora que ele vai se esgotar e não vai mais conseguir ajudar. Não somos de ferro e não vamos conseguir dar conta de tudo”, ressalta.

Maneiras de ajudar

  • Toda a ajuda é bem-vinda. Essa é uma frase muito comum em situações de calamidade pública como a que está sendo vivida. E segundo a psicóloga Gabriela Sterz, o mínimo que for feito já vai ajudar muito o outro. Seja um compartilhamento de informações importantes nas redes sociais até a doação de produtos e de mão de obra.
  • “As pessoas também podem ajudar voltando à normalidade e movimentando a economia. Não vamos conseguir abraçar o mundo, mas o que os voluntários estão fazendo já é muito grandioso e vamos aprender a lidar com esse sentimento. Todos vão precisar de apoio. Os voluntários também, que estão na ponta ajudando.”

“É o momento de olhar para o outro e cuidar dele, de saber que ninguém está bem. Mesmo quem não foi atingido não está bem. É muito importante ter empatia.”

GABRIELA ANITA STERZ
Psicóloga

Voluntários auxiliam em ações de acolhimento

Nesta semana, um grupo de voluntários da área da psicologia iniciou, por meio de uma escala, ações de acolhimento nos três abrigos de Venâncio Aires. De acordo com a coordenadora de Saúde Mental do Município, a enfermeira Priscila Reginatto, esse trabalho será realizado de forma mais efetiva a partir de agora.

Nas primeiras semanas após as enchentes, já aconteciam atendimentos com voluntários da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e servidores do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e da assistência social. Além disso, as equipes de saúde estavam mobilizadas em auxiliar pacientes que perderam medicamentos e receitas médicas.

O atual formato de atendimento nos abrigos envolve quatro professores da Unisc, dois alunos dos últimos semestres do curso de Psicologia do campus sede da universidade e psicólogos voluntários de Santa Cruz do Sul, além de cinco profissionais da área que são da Capital do Chimarrão e atuam voluntariamente. “Estamos realizando, primeiro, um apanhado geral, um levantamento dos casos mais graves. São realizados trabalhos em grupo e quem precisa de uma conversa individual pode solicitar”, explica Priscila.

Também há atendimento com psiquiatra da rede. Priscila lembra que os moradores de Vila Mariante e localidades próximas foram atingidos por grandes enchentes do ano passado e, por isso, muitas pessoas já vinham sendo acompanhadas. No ano passado, inclusive, a Prefeitura contratou uma psicóloga que atendeu, no posto de saúde de Vila Mariante, exclusivamente os moradores desta região. O serviço foi oferecido entre o início de outubro e o fim de dezembro.

Serviços da rede

Para o futuro, Priscila observa que será necessário organizar uma estrutura para atender a demanda de pacientes. Uma das alternativas para, pelo menos, os próximos três meses, envolve a formação de uma equipe multiprofissional com recursos enviados pelo Governo do Estado. “Não temos como prever todo o efeito rebote, então essa equipe será essencial”, avalia.

Hoje, o Município conta com sete psicólogas vinculadas à rede, além de 10 profissionais que são credenciadas ao Município. De acordo com a coordenadora de Saúde Mental, são viabilizados 300 atendimentos por mês através desse credenciamento, a partir de um investimento de R$ 17 mil por mês em recursos próprios da Prefeitura.

O tempo médio de espera para conseguir a consulta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é de seis meses. “Temos uma lista muito grande desde a pandemia e percebemos um aumento expressivo desde o ano passado”, avalia a enfermeira. Para Priscila, o período de desestabilização dos atingidos está na fase final. “Eles já estão olhando a realidade com outros olhos e os profissionais estão aqui para ajudar nesta transição”, destaca.

Coordenadora de Saúde Mental, Priscila Reginatto, explica como funciona o atendimento aos atingidos pelas enchentes (Foto: Taís Fortes/Folha do Mate)

Orientações

  • Segundo a coordenadora de Saúde Mental de Venâncio, Priscila Reginatto, as pessoas que foram atingidas pelas enchentes e não estão em abrigos também podem ir até esses locais para receber esse acolhimento psicológico.
  • Os pacientes também são orientados a buscar por atendimento no posto de saúde mais próximo do local de residência, onde ele poderá passar por um espaço de escuta com a equipe. “A Atenção Básica é a porta de entrada. Os casos mais graves já estão sendo atendidos pelos Caps”, observa a enfermeira.
  • Para os moradores do interior que foram impactados, a indicação é que também procurem as unidades de saúde mais próximas. Segundo Priscila, nesses estabelecimentos de saúde já são realizadas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), que têm reflexo importante na saúde mental. Os encaminhamentos para atendimento especializado também são feitos a partir desses postos.


Taís Fortes

Taís Fortes

Repórter da Folha do Mate responsável pela microrregião (Mato Leitão, Passo do Sobrado e Vale Verde) e integrante da bancada do programa jornalístico Terra em Uma Hora, da Terra FM

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