O Cais Mauá e o Mercado Público, em Porto Alegre, ambos centenários, estão entre os prédios históricos atingidos pelas enchentes de 1941 e 2024. Na região, um prédio com 116 anos também chamou atenção por ter resistido à força da água – a Casa do Peixe, em Arroio do Meio.
Em Vila Mariante, considerada o ‘berço’ de Venâncio Aires e que foi duramente impactada pela cheia do rio Taquari, ao mesmo tempo em que o cenário é de destruição de centenas de casas, chama atenção que algumas estruturas muito antigas resistiram, preservando, assim, um pedaço da história da localidade e do município.
Um exemplo é uma casa construída em 1928, em Linha Chafariz. A residência foi erguida por João Antônio Labres, natural daquela região e que, curiosamente, nasceu em 1891, ano da emancipação de Venâncio Aires. Conforme a aposentada Mara Luci Labres, 62 anos, neta de João, o avô construiu duas casas, unidas por uma passarela: uma serviu como residência, com estrutura mais alta, e a outra era um armazém de secos e molhados. A casa fica bem em frente da estrada de Linha Chafariz, na ERS-130, cujo trajeto corre em paralelo ao rio Taquari. “Tinha o Porto Labres, porque os barcos paravam lá”, relata Mara, que é atual proprietária da casa, junto com a irmã, Tânia.
A aposentada, que mora em Cruzeiro do Sul, explica que o espaço está desabitado há quatro anos, depois do falecimento da mãe dela, Suely, que viveu até os 92 anos. “A mãe e o pai [Thomaz] me contavam que, na enchente de 1941, abrigaram os moradores de Linha Chafariz lá, na parte alta. Mas agora a água cobriu tudo. É uma casa que resistiu às duas maiores enchentes, mas é muito triste ver o que aconteceu na vila.”
Próximo da casa, em direção à ponte do arroio Castelhano, está a igreja e o salão da comunidade São Cristóvão, que também resistiram à enchente. A igreja foi construída em 1966, numa área de terra doada pela família Labres.
Cais
No antigo cais do Porto Mariante, também resistiram dois grandes prédios históricos e que atualmente eram uma fábrica de pedras. Segundo o vereador Clécio Espíndola, o Galo (MDB), que é de Vila Mariante, uma das estruturas serviu como depósito de grãos que eram embarcados e depois levados a Rio Grande. Já o outro prédio era da Trierweiller, um engenho de arroz. “Esses prédios têm uns 90 anos”, estima Galo.
Restaurar o que ficou
A professora aposentada Maria Lucia de Campos, 64 anos, é natural de Cruzeiro do Sul e foi morar em Vila Mariante em 1977. Ela entende que muitas pessoas que perderam as casas precisarão recomeçar em outro lugar, fixando moradia em lugares seguros. Mas, entre aqueles cujas residências e prédios resistiram, haverá um movimento para que a vila não seja abandonada. “São investimentos de uma vida inteira e permanecer lá, nem que seja em temporadas de veraneio, é uma forma de preservar o que restou. Isso vale para os prédios históricos.”
Maria Lucia, que mora na cidade mas tem casa e familiares em Mariante, foi diretora da Escola Estadual Mariante por mais de 20 anos. Ela trabalhou no prédio principal do educandário [interditado desde 2022] e o qual resistiu à enchente. Esse prédio foi construído em 1950, por João Gomes Mariante, o primeiro médico da localidade e que idealizou um grande centro de saúde regional. “A escola sempre foi um ponto central e acredito que poderia se discutir com a comunidade qual o melhor destino para ele. Tem 74 anos e aguentou a enchente de agora. Quem sabe se, houver políticas públicas de preservação, ele poderia ser mantido. Assim como outros casarões e o prédio onde era o cais do porto.”
“Acredito que, restaurando a história que ficou, aliado ao movimento da vila durante o veraneio, será uma forma de preservar a memória de Mariante. Sempre há esperança de um novo recomeço, principalmente no lugar que é a origem de Venâncio.”
MARIA LUCIA DE CAMPOS – Professora aposentada
160 anos em escombros
No fim do asfalto da ERS-130, em direção à Linha Itaipava das Flores, uma casa era ponto de referência para a comunidade e um dos prédios mais antigos de Vila Mariante. ‘Era’, porque infelizmente a estrutura, que já estava em ruínas nos últimos anos, dessa vez sucumbiu à força da água. Nos escombros, ainda é possível ver restos da escada e do corrimão.
De acordo com o livro ‘Abrindo o Baú de Memórias’, a casa pertenceu a Manuel Gomes Junqueira e Maurícia Mariante Junqueira e foi construída entre 1863 e 1865. Com cerca de 160 anos, também era uma das construções mais antigas de todo o município, junto com a chamada ‘casa dos escravos’, em Linha Taquari Mirim. Bem perto da casa dos escravos, está o arroio Taquari Mirim, que atualmente é limite, ao sul, com Vale Verde, e sobre ele passa a chamada ‘ponte de zinco’. Vestígios originais dessa travessia seguem lá e datam de 1876.
A ponte do Taquari
Durante os dias mais críticos da enchente de 2024, quando o rio Taquari atingiu 34 metros em Estrela, houve grande apreensão em Venâncio Aires sobre a condição da ponte em Vila Mariante. Felizmente, a estrutura resistiu.
A travessia também é uma estrutura histórica e foi inaugurada em 1958. Ela facilitou o acesso do município a Porto Alegre, por via terrestre. Por outro lado, para os moradores mais antigos, foi a decadência da vila que, até então, era o ponto central de movimentação e de comércio de Venâncio, por onde tudo passava quando só existia o transporte fluvial.