O que queremos deixar de legado para a próxima geração, diante do que estamos vivendo, na maior catástrofe climática do Rio Grande do Sul, e com o que temos à disposição de tecnologia? O que escreveríamos em uma carta, como orientação, para alguém que fosse enfrentar uma situação semelhante à inundação registrada no fim de abril e no início de maio, que afetou Venâncio Aires e tantos outros municípios gaúchos?
Essa foi uma das reflexões realizadas na manhã desta quarta-feira, 29, durante o primeiro painel Gente & Negócios de 2024. Com o tema ‘Pós-enchente: reconstrução e prevenção de eventos climáticos extremos’, o evento promovido pela Folha do Mate e Terra FM reuniu lideranças políticas e empresariais do município na sede da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB).
O debate, mediado pela jornalista Letícia Wacholz, contou com a participação do engenheiro ambiental e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Marcelo Kronbauer; da engenheira ambiental e doutorando em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, Sofia Royer Moraes; e do prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa.
“Temos que falar de soluções regionais, de como melhorar essa relação com o rio. A solução passa por um conjunto de ações dos municípios da bacia hidrográfica.”
SOFIA ROYER MORAES – Doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental
Entre os principais pontos defendidos pelos painelistas está a importância de sistemas de monitoramento e alerta do nível da água para que a população tenha tempo de se organizar e deixar locais de risco. Organizar e centralizar informações que já são monitoradas – como o volume de chuva registrado por produtores rurais, em diversos pontos da região – e reverter isso em alertas, a partir de parâmetros já conhecidos, foi uma das sugestões abordadas. “Esse ‘vazio’ de dados fez com que esse desastre ganhasse conotação de tragédia”, observou Kronbauer.
“Faltam dados básicos de medição, que possibilitem saber com antecedência a chance de inundação”, ressaltou Sofia, ao citar a necessidade de prever a chuva e ter projeções a partir da saturação do solo (o quanto já está encharcado) e como isso reflete no nível do rio. “É preciso organizar o que já se tem à disposição e trabalhar de forma regional”, pontuou a professora da Universidade do Vale do Taquari (Univates).
Outro aspecto observado pela pesquisadora, que se dedica ao estudos de eventos extremos na Bacia Hidrográfica do Rio Taquari-Antas, é que, embora essa bacia tenha milhões de anos, a urbanização no entorno dela é de cerca de 150 anos a 200 anos. “Não temos conhecimento de mais de 200 anos, embora o rio tenha tido altos e baixos ao longo dos períodos históricos. Se tem pesquisas sobre uma enchente em 1873, há registros da grande cheia de 1941 e as registradas em 2023 e 2024”, comentou, ao explicar o impacto do aquecimento global – influenciado pelas emissões de gás carbônico – em uma maior frequência de chuvas e eventos extremos no Rio Grande do Sul.

“Não existe solução mágica”
Além da necessidade de mais estudos e monitoramento da chuva e do nível da água, durante o painel Gente & Negócios, foi evidenciada a necessidade de ações coletivas e integradas, abrangendo os municípios de toda bacia hidrográfica. “Não é uma solução sozinha que vai resolver o problema. É um debate que precisa envolver vários setores, para conjugar soluções. É preciso conhecer a fundo a área, olhar o mapa de Venâncio, até onde chegou a inundação, onde aconteceram os deslizamentos, analisar cada aspecto. Saber que a situação do arroio Castelhano é uma e que a do rio Taquari, em Mariante, é completamente diferente”, observou a pesquisadora Sofia Royer Moraes.
A partir desse estudo aprofundado, podem ser definidas estratégias como construção de diques, lagos de retardo ou estratégias de absorção da água, como o conceito de cidade-esponja, para amenizar os impactos de cheias, já que evitá-las não é possível.
“Existem soluções clássicas de engenharia e outras baseadas na natureza que podem contribuir. Não existe solução mágica. E é importante lembrar que toda estrutura precisa ser executada e depois mantida”, comentou o professor Marcelo Kronbauer, que é mestre em Tecnologias Ambientais e subcoordenador do curso de Engenharia Ambiental da Unisc.
“O grande ponto é organizar nosso território para esses eventos extremos, repensar o ordenamento territorial que naturalmente foi se criando, ocupando áreas de risco.”
MARCELO KRONBAUER – Mestre em Tecnologias Ambientais e professor da Unisc
Recursos: o principal desafio
Presidente da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat), o prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa, reiterou o que vem defendendo, ao longo das últimas semanas: a importância dos recursos por parte do Estado e da União, para a reconstrução das cidades e para investimentos. “Dinheiro e vontade política é o que precisamos. É assim que se resolve as coisas.” Segundo ele, os prejuízos previstos são bilionários, que vão surgir em semanas, meses e até anos. “Essa conta ainda não chegou”, afirmou Jarbas.
Com relação a ações preventivas, que poderiam ter evitado consequências tão graves, o professor Marcelo Kronbauer citou que já existem diversas pesquisas e projetos, mas falta investimento por parte do Estado. “O Estado não repassa recursos para os comitês das bacias hidrográficas, que estão sendo mantidos pelas universidades, pela sua relevância. A hora de cobrar isso é agora. Precisamos fortalecer o sistema estadual de recursos hídricos”, salientou ele, que preside a Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo.
“Diferente da pandemia, as famílias estão sem casas para onde voltar, as empresas sem matéria-prima, sem local. Por isso esse retorno é mais difícil, mas com o trabalho integrado dos governos, da sociedade civil, de universidades e empresas, vai ser possível fomentar a economia, fazer a roda girar.”
JARBAS DA ROSA – Prefeito de Venâncio e presidente da Amvat
Universidades: conhecimento científico local à disposição
O papel das universidades comunitárias no contexto da catástrofe climática vivenciada no Rio Grande do Sul, no auxílio à população, e especialmente no planejamento de estratégias para prevenir e amenizar efeitos de novos eventos extremos, foi destacado durante o painel Gente & Negócios. “O Governo Estadual não conhece o patrimônio intelectual das universidades comunitárias do interior do estado, que são 14 instituições, com abrangência em 400 municípios. São cientistas competentes que conhecem a realidade do Rio Grande do Sul e podem contribuir muito”, enfatizou o reitor da Unisc, Rafael Henn.

Presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), Henn criticou a contratação de consultoria de uma empresa dos Estados Unidos, pela Prefeitura de Porto Alegre. “Temos mantido um diálogo importante com o Governo do Estado, reforçando o trabalho das universidades comunitárias. As ações a médio e longo prazo têm que ser por meio da ciência, não há como repetir os erros que cometemos ao longo do tempo”, ressaltou.
Empresas e entidades participantes do evento
Afubra, Airoana Soluções Ambientais, Arcido Autopeças, Caciva, Câmara de Vereadores, China Brasil Tabacos, Condusvale Distribuidor Elétrico, CTA Continental, Deputado Airton Artus, Folha do Mate, Fundição Venâncio Aires, GRA Máquinas, Grupo Sacyr, Heissler e Dutra Sociedade de Advogados, Kist Imóveis, Lucamo Contabilidade, ONG Alphorria, Ordem dos Advogados do Brasil, Prefeitura, RB Poços, Sicredi, Tabacos Marasca, Terra FM, Traço D, Transportadora Augusta, Unisc, Univates, Venax Eletrodomésticos e Viva Consultoria Ambiental.