Sai um fenômeno, mas já entra outro e o clima pode continuar com seus extremos. O El Niño, que elevou as temperaturas do Oceano Pacífico Equatorial e, consequentemente, impactou na região sul do Brasil, já enfraqueceu. Por outro lado, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) destaca que o La Niña está chegando, fenômeno que é o oposto. Ou seja, se tivemos enchentes históricas em maio, no maior desastre por inundação no Rio Grande do Sul, a partir de agora, com o La Niña, as chuvas podem ser mais escassas e aí a palavra estiagem deve voltar à pauta.
Isso já é motivo de preocupação entre agricultores de Venâncio Aires, que ainda se recuperam dos estragos causados pelo excesso de chuva no mês passado, mas estão apreensivos com os indicativos climáticos de pouca chuva para os próximos meses.
É o caso de Amalia Agnes, 37 anos, e o marido Jhonatan Funari, 38, que cultivam hortaliças em Linha Sapé. O casal está entre os 12 contemplados no município em 2023 com a escavação de açudes para irrigação, por meio do programa Supera Estiagem, do Governo do Estado. O novo açude (de 2,7 mil metros cúbicos) foi aberto entre fevereiro e março de 2024 e deve garantir água para as lavouras onde crescem mudas de alface, repolho, brócolis, couve-flor, rúcula, chicória e temperos, de janeiro a janeiro, além de milho, aipim e feijão em determinadas épocas do ano. “Ele já encheu e agora precisamos fazer as ligações para irrigação. Pelo jeito que o clima está indicando, vamos ter que agilizar isso já nos próximos dias”, comenta Amalia.
“O La Niña já está vindo aí, então se ficar muito seco, provavelmente vamos ter que fazer essas instalações ainda no inverno. Esse açude vai ajudar com 80% nossa produção. Aí tem 10% de Deus ajudar e os outros 10% são nosso trabalho”, destaca Jhonatan. Para dar conta da lida, são sete pessoas envolvidas, entre lavoura e entrega.
Prejuízos com chuva
A preocupação do casal é sobre milhares de pés de verduras que precisaram ser replantados nas últimas semanas. Com o excesso de chuva entre o fim de abril e início de maio, eles perderam toda a produção: 100 mil pés de verduras, com prejuízo estimado de R$ 80 mil. Nas beiradas da lavoura ainda há resquícios desses estragos, como cabeças de repolho que nem chegaram a se desenvolver. Agora, novas mudas de alface, repolho e couve-chinesa, por exemplo, já estão crescendo.
Cerca de 90% do que o casal cultiva em Linha Sapé vão para cozinhas industriais em dezenas de municípios gaúchos. Eles também fornecem para supermercados e fruteiras e, para este setor, Amalia destaca que houve em torno de 80% de aumento na procura dos supermercados da região, devido à escassez de hortaliças e às dificuldades de logística para chegar à Ceasa.
A importância de pensar estratégias para eventos extremos cada vez mais frequentes
A engenheira ambiental Priscila Pacheco Mariani, que é professora, pesquisadora e coordenadora do curso de Agronomia na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), também alerta sobre a previsão climática para os próximos meses. “Temos uma previsão que é o oposto do que tivemos na primeira metade do ano. Tivemos um desastre climático, com excesso de chuva. Já para os próximos meses e verão no Rio Grande do Sul, teremos entrada do La Niña, o qual vai intensificar os processos de estiagem e teremos um período de falta de chuva”, explica Priscila, que é doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo Instituto Pesquisas Hidráulicas (IPH) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Para ela, é importante que se pense em estratégias e ações, considerando o processo de mudança climática e eventos extremos que tendem a acontecer de forma mais frequente e mais intensa. “Essas estratégias envolvem análise, em armazenar em cisternas, reservatórios e açudes. São possibilidades que fazem com que a gente consiga conviver com esses efeitos que estamos vendo, tanto com excesso de chuva como também da falta de chuva. Também é preciso pensar estratégias mais globais, em nível de bacia hidrográfica, de municípios e estado.”
Para o caso da agricultura, sempre um dos pontos mais impactados pela estiagem, além da reservação, Priscila destaca que outras técnicas devem ser observadas. “Para os agricultores, além dos açudes, tem outras medidas que podem ser feitas. Então além da captação de água da chuva e o armazenamento em cisternas, tem as práticas de conservação de solo, cobertura de solo e rotação de cultura, proporcionando que a água infiltre no solo e reduzindo a evaporação dessa água.”
A pesquisadora entende ainda que o fato de as pessoas terem passado por eventos climáticos extremos, faz com que já estejam mais conscientes. “Às vezes não é uma questão de convencer as pessoas dessa importância, porque elas já estão conscientes. Mas muitas vezes não se tem condições financeiras para se preparar isso. Ainda assim, pequenas ações como uso consciente de água fazem diferença, além de se buscar incentivos governamentais para ajudar a viabilizar.”
Por fim, Priscila observa que várias ações já têm sido trabalhadas por universidades e entidades, buscando preparação para inundações e estiagens. “Nesse contexto, tem o sistema de macrodrenagem na região, ações em nível de bacia hidrográfica, formas de atender o produtor rural e de se buscar recursos. A Unisc já trabalha nisso e conta com parceria para ações com SindiTabaco, Cisvale e a empresa CTA, por exemplo.”