A partir da colonização germânica no município de Venâncio Aires e na região, diversos aspectos culturais foram perpetuados e seguem até os dias atuais. Um deles é a gastronomia típica alemã, com ingredientes e pratos específicos. Quando se fala em culinária alemã, não é possível esquecer o tradicional café colonial: uma mesa farta com pães, bolos, cucas, salgados, frios, e acompanhamento com schmier, melado e bebidas como chá e café.
Na Capital do Chimarrão, são diversos locais que oferecem o café colonial e agroindústrias que comercializam produtos relacionados à colonização alemã. Um dos pontos conhecidos pelo café colonial está em Linha Arroio Grande, interior de Venâncio Aires, na agroindústria de Ledi Teresinha da Silva Maggioni, 57 anos, que atende desde 2018, quando passou a integrar a Rota do Chimarrão. O local foi pensado, segundo ela, para ser um espaço rústico e com louças elegantes. O atendimento é feito no primeiro sábado útil do mês e em um domingo à tarde, sempre mediante reservas.
Ledi, que é confeiteira há 30 anos, também vende seus produtos na Feira da Cooperativa dos Produtores de Venâncio Aires (Cooprova), nos fundos da Prefeitura, e participa de eventos como a Expoagro. Ela conta com a ajuda do marido Arno e da filha Sabrina na preparação dos produtos.
O café colonial da Ledi é composto por mais de 40 opções, incluindo pães e bolos sem lactose e sem glúten, cucas, embutidos, salgados, doces e acompanhamentos. “Sempre busco ter novas ideias para implementar”, afirma. Entre os pratos oferecidos no café colonial está o pudim de laranja, que Ledi aprendeu com a vó Celina e, conforme ela, também desperta memórias nos clientes. “Procuro ter e fazer todos os produtos de forma colonial e os que não faço, compro de outras agroindústrias locais”, destaca.
A ideia de abrir o café colonial começou com a participação no projeto Bergamoteando – colha e pague de frutas. “Achei fantástico. As pessoas, quando vinham, pediam algo para comer algo aqui, como bolachas, então comecei de forma simples”, relembra ela, que hoje integra a Associação de Turismo Rural Rota do Chimarrão (Aturrchim) e recebe muitos turistas na propriedade e no café colonial.
- 24 – é o número de agroindústrias ativas em Venâncio Aires pelo Programa de Agroindústrias Familiares da Emater/RS-Ascar. São cinco de aipim, quatro de conservas, três de mel, três de panificados e massas, uma de embutidos, duas de melado, duas de nozes e derivados, duas de leite e duas de ovos.
Sabores e saberes alemães
Coordenador do curso de Gastronomia e Turismo da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), o professor Everton Simon explica que os núcleos coloniais foram de significativa importância na culinária regional a partir da incorporação e adaptação de saberes e técnicas na produção de alimentos tradicionais dessas culturas, como, por exemplo, pães com outros tipos de cereais, como milho, centeio e aveia, assim como bolos e biscoitos.
Outra característica ligada à colonização alemã destacada por Simon, que é professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Educação (PPGEdu) da Unisc e se dedica a pesquisas sobre questões relacionadas à alimentação e à culinária no Vale do Rio Pardo e no estado do Rio Grande do Sul, é a utilização do leite. “Não só o consumo do leite tornou-se recorrente, como também a aplicação de outras formas de transformação, beneficiamento e conservação, em queijos e manteigas.”
Outro aspecto é a criação de suínos – destinada ao consumo e comercialização da carne, dos embutidos e da banha – e de aves, como as galinhas, que forneciam carne fresca nos almoços de finais de semana e ovos para a elaboração de omeletes e bolos, também se destacou.
O professor reforça que a manutenção dessas preparações culinárias é resultado de saberes transmitidos de geração em geração, especialmente pelas mulheres, que desempenhavam um papel central na manutenção dessas práticas. “Em muitas famílias, a cozinha era vista como um espaço feminino, onde as mães e avós ensinavam suas noras, filhas e netas a preparar os pratos tradicionais. Este processo de transmissão de saberes não apenas mantinha viva a culinária alemã, mas também reforçava os laços familiares e comunitários.”
Apesar das mudanças com o passar dos anos, Simon enfatiza que muitos aspectos das receitas originais foram preservados, principalmente devido à valorização da identidade cultural e dos sabores tradicionais. “A resistência à homogeneização alimentar, especialmente nas áreas rurais, ajudou a manter viva a essência dessas práticas culinárias”, afirma. O professor também cita que as festividades gastronômicas locais, quermesses e Festa das Cucas ainda desempenham um papel importante na preservação e na celebração da culinária alemã, promovendo o consumo, apreciação e manutenção de preparações culinárias tradicionais.
Além dos ingredientes, as técnicas de preparo também sofreram influências e adaptações. O uso de fornos a lenha, por exemplo, é uma prática que se manteve devido à abundância de madeira e à facilidade de construção desses fornos nas propriedades.
“A culinária dessas colônias reflete a miscigenação de culturas e a capacidade de adaptação dos imigrantes, consolidando um patrimônio cultural. A influência da cultura e gastronomia alemã é extensa e significativa, refletindo-se em vários pratos e hábitos alimentares locais.”
EVERTON SIMON
Professor da Unisc