O Ford 1929 de Inar: uma relíquia quase centenária

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As curiosidades sobre um modelo de Ford 1929, um dos veículos mais antigos ainda em circulação em Venâncio e que abre a série de reportagens ‘Relíquias sobre Rodas’.

Não é sobre status, nem sobre idade. Não é por capricho ou simplesmente por ‘modinha’. Quando envolve paixão, as coisas simplesmente não se explicam. Elas apenas são assim. Isso vale para qualquer coisa que carrega o sentimento de um apaixonado. Para o brasileiro, em sua maioria, o futebol é uma paixão. Mas, por aqui, um outro ‘universo’ faz o coração de milhares bater mais forte: os carros.

Não importa o modelo, todo mundo tem alguma história relacionada a algum automóvel, porque essa relação faz parte da memória afetiva de muitos. Um passeio em família, uma lembrança da infância, o ronco do motor, uma música no rádio do painel, o caminho até a igreja para casar… E quando o carro é antigo, o sentimento parece ser ainda maior. Por isso, a partir de hoje, a Folha do Mate vai contar algumas dessas histórias. Pessoas que, apaixonadas como são, resgatam o objeto e as lembranças que ele carrega, conservando as memórias de verdadeiras relíquias sobre rodas.

Foto: Débora Kist/Folha do Mate

Antes do filho, um pai apaixonado por Ford 1929

Inar Luiz Sulzbacher é o segundo na ordem de oito filhos que tiveram Ervino e Luiza, casal que mantinha um comércio na década de 1950 em Monte Alverne, distrito do interior de Santa Cruz do Sul e que faz divisa com Venâncio Aires. Ele ainda era um guri de calça curta quando o pai comprou um Ford 1929, que pertencia a Waldemar Konrad, dono de uma distribuidora da cerveja Antarctica em Venâncio. “Meu pai sempre gostou de carros e aquele Ford 29 era uma paixão dele”, lembra Inar, hoje com 74 anos.

Foi nesse mesmo carro que Ervino, Luiza e parte dos filhos rumaram para Santa Catarina, no início da década de 1960, para tentar a vida lá e chegaram a abrir um comércio. Inar, então adolescente, ficou no sul, porque já estudava no seminário São Francisco de Assis, em Taquari. Os Sulzbacher ficaram pouco tempo entre os catarinenses e decidiram voltar em 1966, novamente a bordo do 29, quando fixaram residência em Venâncio. Com uma família grande e sendo um dos irmãos mais velhos, naturalmente Inar logo começou a trabalhar, para ajudar no orçamento da casa.

No início dos anos 1970, ele conseguiu um emprego na antiga Auto Peças Leonel, na esquina das ruas General Osório e Júlio de Castilhos. “Era uma oficina e chapeação e lá aprendi tudo sobre carros. E lá também fui tomando cada vez mais gosto por automóveis”, lembra Inar. O primeiro carro ele comprou em 1974: era um Simca Rallye Tufão, ano 1966.

Veículo também tem a capota para proteger da chuva ou do sol (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Um Tempra 0 km pelo Ford 1929 octogenário

Depois do Simca Tufão, Inar Sulzbacher chegou a ter outros veículos e nunca escondeu o gosto por aqueles que ele considera clássicos, com modelos de Opala e Galaxie. Com os anos de oficina e a experiência que adquiriu, também começou a trabalhar com restauração de carros antigos.

Em 1997, quando um carro que tinha estava numa oficina especializada em restauração em Teutônia, um rapaz que também tinha uma ‘relíquia’ para restaurar naquele local, lhe ofereceu. “Quer ficar com meu 29?” Inar diz que nem pensou duas vezes e foi uma troca simples: para comprar o Ford 1929, ele deu o valor de um Tempra zero quilômetro que tinha comprado.

Assim, o veículo com quase 80 anos chegou na vida de Inar, um ano depois de Ervino falecer. “O pai sempre dizia que queria ter um carro assim de novo. Talvez a vida se encarregou de trazer um pra mim”, comenta o aposentado.

Placa ao pé da porta. Antigamente, com a maior parte das estradas com barro e pó, era uma forma de limpar os calçados antes de entrar no veículo (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Originalidade

Inar Sulzbacher explica que o Ford 1929 mantém cerca de 90% de toda sua originalidade. Houve algumas adaptações no painel, para ignição, e foi feita a troca de estofados e do volante. As rodas são de um Ford 1934 e o motor é de Opala, porque foi o que melhor se adaptou. “Um carro com a idade que tem, infelizmente algumas partes que não duram para sempre. Mas toda a estrutura externa é original”, destacou.

O passeio das noivas

Inar Sulzbacher já participou de muitos encontros de colecionadores de carros antigos, inclusive foi dirigindo o Ford 1929 até Foz do Iguaçu, no Paraná, para um desses eventos. Hoje, não costuma sair tanto com o veículo, mas, quando isso acontece, diz que é comum ‘parar o trânsito’, já que o carro chama atenção e desperta curiosidade.

Como o veículo é considerado um clássico, ‘casa’ bem com decorações de festas de casamentos, por exemplo, as quais, nos últimos anos, vêm explorando cada vez mais os cenários vintages. Sulzbacher explica que, há cerca de 20 anos, começou a ser procurado para participar de casamentos, levando noivas para a igreja no seu Ford 1929. “Já fiz casamentos em Venâncio, Lajeado, Santa Cruz do Sul, Estrela e Vera Cruz. E sempre eu dirijo.”

Numa dessas, o aposentado revela que passou um episódio inusitado. “Foi num sábado de tarde, fazia muito calor e o carro simplesmente apagou no meio da rua, no Centro de Santa Cruz. Eu passei uma grande vergonha, mas a noiva achou aquilo o máximo, dava risada e todo mundo parava para cumprimentar ela. Me disse que foi a maior diversão e que eu fui a pessoa mais importante no casamento dela, porque garanti uma emoção que não esperava”, relata, entre risos.

Inar Sulzbacher levou Fabiane Watte para a igreja São Sebastião Mártir, em 28 de julho de 2007 (Foto: Rafael Costa)

Uma surpresa inesquecível a bordo de um Ford 1929

Entre as muitas noivas que Inar já levou para a igreja está a empresária Fabiane Inês Watte, 42 anos, que casou dia 28 de julho de 2007 (neste domingo completaram 17 anos), com Jacson Luiz Ternus, 45 anos, que trabalha como gerente comercial.

Fabiane conta que sempre foi o sonho dela chegar na igreja num carro antigo, o que já tinha visto em revistas, mas não fazia ideia de quem teria. Foi aí que o ex-chefe lhe fez uma surpresa. “Comentei com meu ex-patrão [Sérgio Estraich] que ia ser padrinho. Aí ele falou que também não sabia ninguém, mas me levava com o carro dele. Mas chegou o dia do casamento e, em frente ao salão na hora de ir pra igreja, estava estacionado o Ford 1929 e o seu Inar, muito atencioso, me levou até a Igreja São Sebastião Mártir e depois para o Parque do Chimarrão, onde foi a festa.”

Os registros desse momento estão eternizados no álbum de fotos. Segundo Fabiane, até hoje, quando alguém vê as fotografias, pergunta sobre o momento e o carro em especial. “Foi mágico, estava me sentindo muito feliz, foi uma surpresa que nunca vou esquecer. E o Inar desceu o Centro bem devagar e quem estava na rua parava pra olhar.”

Da união de Fabiane e do marido Jacson, nasceu Lara Isabel, hoje com 12 anos.

Fabiane e o marido Jacson, recém-casados, também foram com o Ford 1929 até o Parque do Chimarrão, onde foi a festa (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Um pouco mais de história sobre o Ford 1929

A Ford Motor Company foi fundada em 1903, nos Estados Unidos, por Henry Ford. A companhia foi responsável pela popularização do automóvel a partir da produção de carros em massa e a baixo custo.

Segundo o site da Ford no Brasil, com a chegada do Modelo T em 1908, o primeiro veículo norte-americano com direção do lado esquerdo, a Ford conquistou a preferência dos consumidores brasileiros. No Brasil, mais especificamente em São Paulo, se instalou em 1919, tornando-se a primeira fabricante de automóveis no país.

Em 1927, o Modelo A, criado para suceder o Modelo T, com diversos aperfeiçoamentos, começou a ser produzido nos Estados Unidos e chegou ao Brasil em 1928. Além de motor mais potente e transmissão deslizante, tinha um design inspirado no Lincoln, que lembrava carros mais caros. Ele foi produzido até 1931 (o que inclui o 29), quando foi substituído pelo Ford V8.

Os carros pioneiros da Ford ajudaram a impulsionar a abertura de novas estradas no Brasil. A pedido do então presidente Washington Luiz, a Ford incluiu em todos os anúncios a frase “Boas estradas encurtam distâncias, unem os povos e trazem progresso” para estimular o desenvolvimento rodoviário nacional.

Um veículo da Ford também foi instrumento de trabalho de Marechal Cândido Rondon no desbravamento dos sertões de São Paulo a Rondônia, passando pelo interior de Mato Grosso e da Amazônia para o assentamento de postes telegráficos, isso na década de 1920. O carro que pertenceu a Rondon foi depois restaurado e está no Museu dos Correios e Telégrafos, em Brasília.

A série Relíquias sobre rodas tem o patrocínio de Ark Impressão Digital, Posto Schmitz Ipiranga, Tiago Pneus e Via Som Auto Center.

Veja também outras reportagens da série Relíquias sobre Rodas:



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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