A Folha do Mate conversou com o professor Rafael Henn, atual presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) e reitor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). No formato de entrevista ‘pingue-pongue’, confira o que disse Henn sobre assuntos gerais relacionados ao momento do Ensino Superior e também da expectativa dentro das universidades.
Folha do Mate: O Ensino Superior registrou, nos últimos anos, momentos de queda em relação às matrículas para cursos presenciais, o que foi potencializado pela pandemia de Covid-19. Passado o período mais crítico, já é possível identificar um cenário de crescimento novamente nas matrículas? Se não, o que tem impedido essa retomada?
Rafael Henn: O Ensino Superior brasileiro teve uma redução significativa no número de alunos do ano 2015 e até os anos de 2022 e 2023, considerando ainda que durante a pandemia alguns alunos evadiram. No entanto, nós, da Universidade Santa Cruz do Sul, já no ano de 2023, tivemos uma estagnação na queda e um pequeno crescimento na casa de 2% a 3%. Em 2024 no início do primeiro semestre, observamos um crescimento ainda um pouco maior, na casa de 5%. Ele é pequeno, mas temos que comemorar porque não há mais a queda e, a partir de agora, essa estabilização ou um pequeno crescimento a cada semestre nos dá esperança para crescer nos próximos anos e voltar a ter uma universidade, talvez, cheia nos próximos anos.
Em paralelo, também tem crescido a procura pelos cursos não presenciais, no formato Educação a Distância (EAD). O tempo de duração dos cursos, valores da mensalidade e a facilidade do on-line são os principais atrativos do EAD em relação a um curso presencial? Se sim, os cursos presenciais têm condições de ‘competir’ com o EAD? De que forma isso preocupa as universidades comunitárias?
O ensino a distância tem crescido de forma descontrolada no Brasil nos últimos anos, e não há dúvida nenhuma que isso preocupa as universidades comunitárias. Mas, veja bem, aqui tem um detalhe muito importante: as instituições comunitárias do Rio Grande do Sul não são contra o EAD, muito pelo contrário. A grande maioria de nós também oferta a modalidade. O que somos contra é realmente a baixa qualidade, a falta de estrutura disponibilizada, a pouca qualificação dos professores. Um professor dando aula para mais 1,5 mil alunos a distância; alguns cursos, como por exemplo, as licenciaturas, obrigatoriamente precisam ter as suas práticas, os seus estágios dentro das escolas, e isso não vem ocorrendo. A qualificação dos profissionais no ensino a distância na maioria das instituições, principalmente as mercantilistas, é muito baixa e é isso que nos preocupa. Então, realmente, nós estamos fazendo um trabalho muito forte junto ao Ministério da Educação. O Comung, através dos seus reitores, realizou três audiências em 2023 sobre esse tema e o Ministério foi muito sensível. Neste ano, já foram duas ações, a primeira delas alterou a legislação, que prevê a necessidade de ter, no mínimo, 50% de presencialidade. Recentemente, o MEC tomou uma segunda ação muito importante com a criação de um grupo de trabalho que está analisando toda a legislação do EAD, e deve concluir até dezembro de 2024. O objetivo é exatamente ter vistas à qualidade dos cursos, à estrutura, do projeto pedagógico, a relação aluno-professor, enfim, ter um olhar criterioso sobre a qualidade da formação desse aluno que está saindo no ensino a distância aqui no Brasil. Portanto, neste momento está proibida a abertura de cursos ou de novos polos em todo país.
De acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil 2024, divulgado em maio, o índice de evasão da educação superior no Brasil chega a 57,2% entre redes pública, privada e ensino presencial e a distância. Na sua opinião, o que tem contribuído para o abandono dos alunos?
Para analisar esse dado nós temos que fazer dois recortes. O primeiro recorte é educação pública, de universidades públicas e de educação privada e comunitária. O segundo recorte é em relação ao ensino a distância e o ensino presencial. A evasão é muito alta, na casa de 50% no presencial e 40% na educação a distância. O aluno inicia um curso em algum momento e, ao longo dessa jornada, abandona os estudos. Se analisarmos as questões voltadas às universidades públicas, a maior delas que tem envolvido a evasão são questões financeiras. Porque nós sabemos que na inexistência de uma política pública de financiamento adequada e que boa parte da população não consegue ter o pagamento efetivo de uma instituição privada de Ensino Superior, ele entra com o sonho de conseguir avançar nos seus estudos, mas, ao longo do tempo, pelas questões econômicas familiares, acaba desistindo. Um outro ponto importante, que também influencia as instituições privadas e as instituições públicas, é que muitos alunos saem do Ensino Médio com uma bagagem de educação muito baixa, principalmente em algumas áreas chaves, como português, matemática e raciocínio lógico. Ao ingressar no Ensino Superior, ele tem muita dificuldade em avançar nos seus estudos e acaba evadindo. E, no EAD, este recorte é muito importante, o aluno tem que ter o perfil autodidata, um perfil de ‘estudo sozinho’, se cobrando de seus trabalhos, seus estudos, enfim. E o aluno que não tem, em grande parte, essa disciplina, acabando por evadir.
O estudante que hoje sai do Ensino Médio ainda tem vontade de fazer um curso superior? O que precisaria ser feito (seja na escola ou como política pública), para que o interesse pela formação superior não acabe antes mesmo de começar?
Essa é uma ótima questão. O que fazer para despertar no aluno do Ensino Médio a necessidade de estudar no Superior? Novamente temos que fazer dois recortes, o ensino privado e o ensino público. No privado o que nós temos feito é mostrar para o aluno que está no Ensino Médio. A Universidade Santa Cruz do Sul faz muito isso, nós vamos em cerca de 200 escolas antes do período dos vestibulares, mostrando que existem linhas de financiamentos, linhas de programas de bolsas integrais, como por exemplo Prouni [Programa Universidade para Todos, com bolsas a partir da nota do Enem]. Na nossa universidade 20% dos nossos alunos possuem Prouni. Então, mostrar que não é tão distante o sonho do aluno de ingressar na Unisc. O outro ponto ele precisa entender que o salário das pessoas que têm uma formação no Ensino Superior é maior na média daquelas pessoas que não têm. E hoje, no Brasil, apesar da falta de mão de obra em várias áreas, como engenharias, tecnologia da informação e outras tantas, as universidades estão com a sua capacidade ociosa, existem lugares sobrando nas universidades. Então isso é um paradoxo. É porque o aluno não percebe que o Ensino Superior vai lhe dar melhores condições de vida e, por consequência, melhores condições de renda na sua vida profissional.
Quais as consequências da evasão universitária para o estudante e, naturalmente, para a qualificação profissional e sociedade brasileira como um todo?
Quando há evasão universitária significa que o aluno não vai ter o título de Ensino Superior. Não terá sua formação profissional. E, portanto, não conseguirá trabalhar em muitas profissões que são exigidas essa formação e acaba trabalhando em outras atividades onde a qualificação exigida é menor. Isso vai influenciar diretamente na sua renda, no seu desenvolvimento social e no seu desenvolvimento familiar. Ter Ensino Superior qualifica muito a sociedade brasileira, porque precisamos de qualificação para ter um maior desenvolvimento social e econômico e um percentual maior de jovens formados no Ensino Superior.
E quanto aos professores universitários? Atualmente, há interesse pela carreira docente ou há dificuldade para encontrar profissionais para ensinar nas universidades?
Infelizmente, nos últimos anos, em especial de 2015 a 2023, as universidades do Brasil tiveram que reduzir muitos os seus quadros em virtude do número de alunos matriculados. E, por isso, muitos professores foram, ao longo desse período, demitidos e o mercado de trabalho possui vários profissionais em muitas áreas. Portanto, hoje, para as universidades, não está difícil de encontrar professores universitários para contratações. É só olharmos os concursos públicos existentes, tanto na área privada quanto na área pública, sempre há muita procura. E boa parte desses profissionais já atuava como professores e foram desligados e hoje estão no mercado de trabalho. Portanto, não há dificuldade de conseguir repor na educação superior.
As enchentes, que tanto prejudicaram os mais diversos setores gaúchos, também podem impactar negativamente dentro das universidades?
Essa é uma grande discussão que o Comung, que sou o presidente, está discutindo diretamente com o Governo Federal e depende também de cada região. Se nós olharmos na grande Porto Alegre, com instituições como Unisinos, La Salle e a própria PUC [Pontifícia Universidade Católica], todas foram fortemente atingidas. Um percentual acima de 30% dos seus alunos foram diretamente atingidos nas enchentes. E se o aluno perdeu a casa, perdeu sua condição de renda, acaba evadindo. Ele não consegue se manter na universidade. Então nós estamos dialogando com o ministro da Reconstrução, Paulo Pimenta, para que esse aluno tenha, de uma forma emergencial e rápida, uma bolsa de estudos que lhe garanta continuar na universidade e não ter a necessidade de abandonar ou de evadir. Não há dúvida nenhuma que um percentual muito grande dos nossos alunos não está retornando agora, no segundo semestre, porque foi fortemente atingido nas enchentes. Mas temos que fazer a ressalva: que as diferentes regiões do estado foram atingidas de formas distintas. Por exemplo, na Unisc, o percentual de alunos diretamente atingidos é baixo (abaixo de 1%) e a nossa evasão, por consequência disso, é muito menor do que as outras instituições.
O Comung buscou apoio do Governo Federal para uma bolsa-permanência aos alunos prejudicados pela enchente. Já houve alguma sinalização da União para isso?
Sim, nós entramos com esse pedido junto ao Governo Federal, através do ministro Pimenta, quando estávamos no meio da crise, na segunda quinzena de maio e estamos discutindo fortemente com o Governo Federal. No dia 7 de agosto, tivemos uma reunião com o Ministério da Educação e estamos formatando os critérios necessários para que os alunos que foram atingidos possam comprovar essa necessidade e receber a bolsa. Estamos tramitando, a questão está avançando, realmente não é tão rápido esse tipo de política pública, porque precisa ser criada e acompanhada, dentro de todo o regramento. Acreditamos que, em breve, teremos a formatação para que o Ministério da Educação consiga criar a política e fazer as aprovações dentro dos ministérios para, a partir daí, o aluno comprovar que está efetivamente dentro da “mancha” da enchente [indicador do Governo Federal], e começar a receber este recurso.
“Hoje, no Brasil, apesar da falta de mão de obra em várias áreas, como engenharias, tecnologia da informação e outras tantas, existem lugares sobrando nas universidades. Isso é um paradoxo. É porque o aluno não percebe que o Ensino Superior vai lhe dar melhores condições de vida e, por consequência, melhores condições de renda na sua vida profissional.”
RAFAEL HENN – Reitor da Unisc e presidente do Comung