A Rota de Santa Maria, empresa do Grupo Sacyr responsável pela administração da RSC-287, entre Tabaí e Santa Maria, completa no dia 31 deste mês três anos como concessionária da rodovia. Neste período, muitas foram as dificuldades enfrentadas no que se refere à infraestrutura da estrada – basta lembrar, especialmente, a catástrofe climática que desconectou a rodovia em vários pontos -, mas há também uma preocupação muito grande em relação à violência no trânsito.
Entre tantas ocorrências registradas ao longo dos 204 quilômetros de extensão da RSC-287, salta aos olhos a informação de que, em um ponto específico, dentro do território de Venâncio Aires, os acidentes têm se repetido e, inclusive, deixado vítimas fatais.
Um levantamento da Rota de Santa Maria, divulgado a pedido da Folha do Mate e Terra FM, mostra que nestes quase três anos de concessão, foram registrados 30 acidentes nos quilômetros 79 e 80, no trecho das proximidades do Restaurante Casa Cheia e posto Santa Lúcia.
Em dois deles, segundo a concessionária, houve vítimas fatais. Considerando os dados da empresa que administra a rodovia, é possível afirmar que praticamente todos os meses um acidente grave é atendido no local. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e Corpo de Bombeiros são acionados com frequência para ocorrências no trecho. E, geralmente quando ocorre uma colisão neste ponto, há congestionamento até o trevo de acesso a Venâncio.
O frentista Danilo da Rosa, de 68 anos, trabalha no Posto Santa Lúcia, às margens da RSC-287, há mais de quatro décadas. Neste período, já presenciou muitos acidentes e, de acordo com ele, vários acontecem porque os motoristas tentam ultrapassagens em pontos de pista dupla que, na sequência, passam para pista simples. “Quando notam que a pista está acabando, muitas vezes é tarde para que façam a manobra de correção”, comenta.
O acidente que mais marcou Rosa, nestes mais de 40 anos de trabalho no posto de combustíveis, foi registrado às 4h45min do dia 4 de março de 2009, quando um micro-ônibus que partiu de Sobradinho para Porto Alegre bateu em um caminhão e foi atingido por uma carreta. Oito pessoas, entre elas uma criança de 3 anos, morreram na hora. Em 9 de março, um nono passageiro veio a óbito.
“O acidente com o micro-ônibus foi ali na entrada para Linha Estrela, bem pertinho de onde morreu também uma menina muito jovem”, lembra o frentista, ao se referir a outra vítima da rodovia, Joice Stumm, de 19 anos, que teve a trajetória interrompida no dia 20 de julho de 2018. Ela conduzia uma motocicleta que colidiu contra um carro com placas de Novo Hamburgo, que saiu da pista e vitimou também o motorista Pedro José Schmidt, de 50 anos.
O filho dele, com 15 anos na época, ficou dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), até ser liberado. Joice era moradora de Linha Estrela e acadêmica do curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Danos materiais
Os acidentes com vítimas fatais, por terem maior repercussão, estão vivos nas lembranças de Rosa. O que ele não tem nem noção de quantas já presenciou ou ficou sabendo são as colisões com danos materiais e feridos com menor gravidade. “Olha, diria que, praticamente, duas vezes por semana. É um trecho muito movimentado e com diversos acessos”, constata.
O frentista espera que com a obra de duplicação da 287, o trecho ganhe em segurança. “A gente torce para que melhore. Mas depende de como vão ser feitas as entradas e também precisamos que os motoristas se conscientizem e não corram tanto. Parece que estão sempre com pressa, em alta velocidade. Tem um trevo aqui que tem que ser respeitado”, diz.
*Também participaram desta reportagem Leonardo Pereira, Ismael Stürmer e Alvaro Pegoraro.
“Não é querer amedrontar ninguém, é uma questão de prevenção e prudência. Este é um lugar bastante perigoso e, por isso, quem passa por aqui tem que estar com os dois olhos bem abertos e muito atento.”
DANILO DA ROSA
Frentista
A RSC-287 teve edital de concessão homologado pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) no dia 11 de fevereiro de 2021. Após o certame licitatório, foi assinado o contrato de concessão com a Rota de Santa Maria, do Grupo Sacyr, em 22 de julho de 2021. A concessionária assumiu a operação da rodovia em 31 de agosto de 2021.
Mortes no trecho
• Priscila Portela Soares, de 30 anos, foi uma das vítimas neste trecho da RSC-287. Ela morreu no dia 25 de junho deste ano, ao colidir o Toyota Corolla que conduzia (com placas de Passo do Sobrado) contra uma carreta (com placas de Nova Bréscia), justamente na rótula de acesso ao Restaurante Casa Cheia. O acidente ocorreu por volta das 19h30min. Priscila era dentista, trabalhava em uma clínica na região central da Capital do Chimarrão e residia na localidade de Cerro da Boa Esperança, no interior de Passo do Sobrado. Ela deixou dois filhos.
• Lauro Orides Severo, de 59 anos, também está entre as vítimas dos quilômetros 79 e 80 da RSC-287, em Venâncio Aires. Ele morreu no dia 25 de fevereiro deste ano, quando o veículo que conduzia colidiu contra uma caminhonete. Severo era morador de Linha Estrela, no interior da Capital do Chimarrão. Um casal e a filha de 2 anos que estavam no outro automóvel envolvido no acidente precisaram ser socorridos para a Hospital São Sebastião Mártir (HSSM). Eles foram atendidos e liberados para recuperação em domicílio.
“Perdi uma parte da minha alma”
O dia 15 de abril de 2019 não sai da cabeça da advogada Alexandra Silveira, de 50 anos, ela que é a atual diretora da Câmara de Vereadores de Venâncio Aires. Nesta data, ela recebeu a triste notícia do falecimento da filha, Vitória Rosa Silveira, na época com 20 anos. Aluna do curso de Gastronomia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), ela desembarcou de um ônibus nas proximidades do Restaurante Casa Cheia, na RSC-287, para seguir ao ensaio da invernada artística adulta do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Chaleira Preta. Mas, ao fazer a travessia da rodovia, foi atropelada por uma carreta.
“Perdi uma parte da minha alma”, afirma Alexandra. Em virtude das relações políticas, a advogada está acostumada a ouvir pedidos de providências para o trecho, mas ao longo do tempo não houve medidas práticas. “Aquele lugar é amaldiçoado, muitas pessoas boas faleceram ali. Perder um filho é uma coisa que não dá para explicar. Nunca mais seremos os mesmos. Estamos preparados para a morte de todos ao nosso redor, mas os filhos não”, lamenta.
Concessionária
- A Rota de Santa Maria, concessionária da RSC-287, informou que vem implementando melhorias na rodovia e estudando alternativas para tratamento dos pontos mais críticos para colisões, “o que resultou em uma redução de 36% nos acidentes com vítimas fatais nos dois primeiros anos da concessão”.
- Conforme a empresa do Grupo Sacyr, “o local em questão será objeto de obras de duplicação nos próximos dois anos, o que resolverá os principais fatores de risco que contribuem para a ocorrência de acidentes”.
- Enquanto isso, a concessionária garante que continuará estudando medidas para aumentar a segurança do local, assim como campanhas informativas e de educação no trânsito, com o objetivo de conscientizar os motoristas com os cuidados na direção e respeito aos limites de velocidade.
- A Rota de Santa Maria informou ainda que monitora as ocorrências em toda a extensão da rodovia RSC-287, entre Tabaí e Santa Maria. “Trabalhamos para reduzir o número de acidentes, realizando reuniões mensais com o Comando Rodoviário da Brigada Militar e ações com os usuários, bem como ampla divulgação na imprensa e nas redes sociais, informando sobre o atendimento gratuito oferecido, as obras programadas e ocorrências”, comunicou a concessionária.
“Já tivemos de tudo neste trecho”
Coordenador do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o emergencista, ortopedista e traumatologista Michael Berger Schmidt destaca que a RSC-287 precisa de providências não apenas no trecho dos quilômetros 79 e 80, mas também em relação ao trevo de acesso à Capital Nacional do Chimarrão. Ele ressalta que, antes de a Rota de Santa Maria assumir a rodovia, participou de reunião em que foi sugerido o fechamento das vias centrais, obrigando dessa forma que os veículos fizessem o contorno lateral para retomarem o fluxo normal na sequência. “Sem dúvida, reduziria o número de colisões”, argumenta. De acordo com ele, nos dois pontos, a sinalização deveria passar por uma revitalização.
Schmidt comenta ainda que, para pessoas que não são de Venâncio Aires ou regiões próximas, mas passam pelos locais eventualmente, a situação é mais delicada, porque normalmente não sabem dos riscos e histórico de acidentes. “A gente já teve, inclusive, ambulância envolvida em acidente, mas que não foi grave, graças a Deus. Estou há quase 12 anos no Samu e já tivemos de tudo neste trecho da 287, desde situações de embriaguez, tanto de condutores quanto de pedestres, até as ocorrências com registro de óbito”, relata. Em muitas ocasiões, recorda o médico, o Samu precisou do apoio do Corpo de Bombeiros, principalmente nos casos em que as vítimas ficaram presas às ferragens e foi preciso o uso de desencarcerador.
“Embora tenha vivenciado muitas situações neste trecho da RSC-287, sou leigo em relação ao assunto trânsito. Mas acho que deveria ser feito um estudo para melhorar o fluxo nestes pontos, tanto no sentido de prevenção, quanto de mais segurança. O trajeto ali, me parece, teria que ser mais evidente. Talvez isso aconteça com a duplicação da rodovia.”
MICHAEL BERGER SCHMIDT
Médico coordenador do Samu