Conheça Osmario Mees, um apaixonado por carros antigos, e a relação especial com um Chevrolet Opala de Luxo 1978.
No fim da década de 1960, a General Motors do Brasil, até então famosa por fabricar caminhões, lançou aquele que foi seu primeiro carro de passeio. Elegante, a exemplo dos modelos Ford Galaxie da época, o Chevrolet Opala também tinha traços esportivos, o que logo caiu nas graças dos brasileiros. Inclusive, figuras populares como o ex-jogador de futebol Rivelino e o cantor Jair Rodrigues foram garotos-propaganda em comerciais ainda em preto e branco.
O sucesso comercial do Opala seguiu até o início da década de 1990, quando deixou de ser fabricado. Coincidentemente, na mesma época, um venâncio-airense resgatou um modelo De Luxo 1978, que definhava, abandonado, ao lado de uma oficina. Com aquela atitude, há mais de 30 anos, Osmario Mees não recuperou apenas um carro, mas começou ali uma nova história para um Opalão.
Da carpintaria à mecânica: a oficina do Arthulino
Essa história é sobre uma relíquia de 1978. Mas também é a história de uma família de mecânicos, hoje espalhados por Venâncio Aires. O começo de tudo foi lá década de 1960, em Vila Palanque, quando o carpinteiro Arthulino Olmiro Mees (1924-2016), já na casa dos 40 anos, decidiu investir tempo e dinheiro em algo que sempre lhe atraiu: mecânica de carros.
Arthulino, até então, fez de um tudo com madeira, desde carroças, importantes para o trabalho dos agricultores e um meio de transporte para muitos que moravam no barro vermelho, até caixões, feitos com as medidas de cada falecido. Entre a encomenda e a entrega, o trabalho precisava ser rápido, para não atrasar o velório.
Curso de mecânico
No início da década de 1940, Arthulino descobriu um curso de mecânico em Santa Cruz do Sul, município o qual ele eventualmente visitava levando a bebida produzida pelo pai, João Mees Filho, que tinha alambique. Ainda que já tivesse certificação de mecânico, há mais de 80 anos carro e caminhão não eram tão comuns em Venâncio. Mas, nos anos 1960, a coisa já tinha mudado. Assim, em 1965, abriu oficialmente a Oficina Mees. Naquele ano, Arthulino e a costureira Noemia (1934-2023) já tinham 8 filhos – foram 10 ao todo, sete homens e três mulheres.
Entre eles, Osmario Oto, o segundo mais velho, um rapazote de 12 anos quando o pai abriu o negócio. “Eu ajudava a lavar os carros e vivia embaixo deles. A gente gostava de se engraxar e foi tomando gosto por tudo aquilo”, conta Osmario, hoje com 71 anos.
Ele lembra que o primeiro carro que chegou para conserto foi uma Rural 1962, que precisava ‘fazer’ o motor. Osmario também recorda que o pai, apaixonado por carros como era, teve os seus próprios. Um deles foi uma caminhonete Chevrolet 1964, que Arthulino pintou de verde e amarelo. O patriarca, naqueles tempos, também manteve outras relíquias, como um Ford V8 1938 (chamada de barata preta) e um caminhão Ford 1946 que, para pegar, se tocava à manivela.
Família de mecânicos
Com os filhos criados em meio a motores e peças de carros, seria natural que todos aprendessem muito sobre mecânica. Mas, além de saber, todos os homens seguiram com o ofício na vida adulta, caso do próprio Osmario.
Também trabalharam ou ainda trabalham com oficina mecânica Ilton (até hoje na Oficina Mees, de Vila Palanque), Mário (com oficina em Mato Leitão), Nelson, o Melão (na Vila Estância Nova), Adriano (no bairro Gressler) e Clari (já falecido, mas cuja mecânica é mantida pelo filho, Júlio, no Distrito Industrial). Outro irmão, Sérgio, teve chapeação em Palaque.
Além de Júlio, mais quatro sobrinhos de Osmario são mecânicos: Jeferson, Edimilson, Fernando e Samuel. “Só na minha casa a coisa não seguiu. Foi para o lado da mãe”, brinca Osmario, se referindo ao filho Alexandre, que é músico. Nesse caso, a ‘genética’ puxou o outro lado da família, já que o sogro de Osmario, Oswino Roos, era músico (baterista, igual ao neto).
Opala ficou três anos parado do lado de uma oficina
Em 1986, Osmario Mees foi trabalhar com o irmão Melão, na Estância Nova. Ele conta que havia um cliente costumeiro, que em 1988 deixou lá um Opala De Luxo 1978 cor bege-areia. “Tinha ‘estourado’ o motor e deixou lá para conserto. Mas ele não tinha condições de pagar e aquele carro ficou lá parado, por três anos, na rua, do lado da oficina. Eu olhava para o Opala e achava injusto ficar atirado assim, então decidi ‘fazer’ ele pra mim”, revela Osmario.
O mecânico encontrou o proprietário em General Câmara e lá fez a proposta: em troca pelo carro, ele não devia mais nada para os Mees, de outros serviços que tinham ficado para trás. A transferência foi feita ainda em 1991 e, desde então, virou o Opalão do Mees, como os amigos e conhecidos se referem ao carro.
Para um jovem senhor de 46 anos, o carro é quase totalmente original. Quase, porque os espelhos nas portas não são do veículo. “Fiz todo ele, montando com peças compradas ainda na Auto Geral”, recorda, se referindo à antiga revenda da Chevrolet em Venâncio Aires (atual esquina das ruas Osvaldo Aranha e 15 de Novembro, onde tem uma farmácia).
Opala: o carro do trabalho e do lazer
Osmario hoje está aposentado, mas ainda trabalha como mecânico, também fazendo serviços a domicílio. Nesses 33 anos, o Opalão sempre foi usado para o trabalho, tanto que o dono ainda mantém a caixa de ferramentas no porta-malas. Ao mesmo tempo, já foi muito usado para o lazer e, com a esposa Lovane, 68 anos, e os filhos Alexandre, 40, e Ana Paula, 35, fizeram inúmeros passeios para a praia e Serra gaúcha. A filha, aliás, aprendeu a dirigir no Opalão.
Atualmente, como a família já cresceu, o carro também é o xodó dos três netos: Lucas, 8 anos, Mariana, 4, e Mateus, de apenas um ano, já deram suas voltas no carro do vô.
Perguntado se um dia pensa em vender sua relíquia, é a esposa Lovane quem responde rapidamente. “Não acredito que vende!”, afirma a professora aposentada, entre risos.
“Esse carro é uma satisfação para mim. Porque é um instrumento de trabalho e também me deu momentos de lazer ao lado da minha família.”
OSMARIO MEES – Mecânico aposentado
Além do Opala, outras relíquias
Carro antigo sempre um gosto de Osmario e, antes do Opala, ele teve outras relíquias. O primeiro carro que comprou com o próprio dinheiro foi um Synca azul e branco 1951. Em 1973, no início do namoro com Lovane, era ele quem os levava para os bailes entre o Palanque e a Linha Travessa, de onde ela é natural. A caminhonete verde e amarela 1964 de Arthulino às vezes também era usada.
Depois do Synca, foram outros modelos: um DKV 1962, uma Aero Willys 1963, um Jeep Willys 1953 e uma Variant amarela 1974. Atualmente, além do Opala, tem na garagem um Golf 2001, que, embora tenha 23 anos, é praticamente ‘novo’ comparado aos modelos que agradam Osmario.
“Nunca dirigi um carro zero quilômetro, sempre preferi os antigos. Têm ‘mais lata’, a mecânica é melhor, são mais bonitos. No caso do Opala é difícil dar problema e, quanto mais dirige, melhor fica”, garante Osmario. O Opalão dele já tem mais de 300 mil quilômetros rodados.
A Monark 1974
Nessa história conduzida sobre quatro rodas, uma delas remete há 50 anos e tem duas rodas: uma Monark barra circular com freio no pé. “Eu tinha uma lambreta, mas que só me incomodava e dava muito problema mecânico. Daí troquei por duas bicicletas novas em 1974. Uma vendi e a outra está comigo até hoje.”
A bordo dessa ‘magrela’, Osmario também viveu momentos felizes. Ia passear na casa dos primos, em Linha Herval. Lá morava a tia Nilda, que preparava deliciosas roscas de polvilho. Essa tia hoje tem 101 anos e mora em Esteio.
A matéria sobre o Opala do Mees é a quinta da série de reportagens ‘Relíquias sobre Rodas’, publicada pelo jornal Folha do Mate em parceria com a Rádio Terra FM. A série tem o patrocínio de Ark Impressão Digital, Posto Schmitz Ipiranga, Tiago Pneus e Via Som Auto Center.
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