Escolas de Venâncio Aires já apresentam alternativas para coibir o uso de celulares em sala de aula. Monte das Tabocas adotou uma caixinha para guardar os aparelhos.
No século XXI, especialmente na última década, o celular se tornou muito mais do que um mero meio de comunicação. O avanço da tecnologia transformou a ferramenta em uma espécie de ‘computador de bolso’, que permite acesso rápido e facilitado a qualquer informação do mundo. No entanto, o que poderia ser um complemento interessante no processo pedagógico de crianças e adolescentes tem se tornado um vilão.
Pelo menos esse é o entendimento do Ministério da Educação (MEC), que, há algumas semanas, divulgou que está preparando um projeto de lei com o objetivo de proibir o uso do celular em sala de aula. Segundo a pasta, a proposta deve ser apresentada ainda em outubro e valerá para educandários públicos e privados em todo o território nacional. Um relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em julho, recomendou a ação.
A ideia é vista com bons olhos pela população brasileira em geral. Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha nesta semana revelou que 62% dos brasileiros aprovam a proibição, tanto nas aulas quanto nos intervalos. No entanto, o reitor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Rafael Henn, tem uma percepção crítica sobre a medida. “A partir do momento em que o Ministério da Educação está pensando em criar uma lei, está reconhecendo que o professor perdeu a autoridade e a autonomia na sala de aula”, analisa.
Henn pontua, também, que a proibição não oferece garantias de que, de fato, os aparelhos móveis serão banidos do ambiente escolar. “É a escola que tem que criar as suas regras para que o professor de sala de aula possa cumprir ou não. Eu acredito que não há a necessidade de uma lei. Eu fico imaginando como seria o controle. Vão colocar detectores de metal em todas as entradas de sala? O professor vai mexer na mochila dos alunos? Se, no Brasil, não conseguimos controlar celular nem dos presídios, como vamos controlar celulares dentro de salas de aula?”, questiona.
Diferentes idades
Por outro lado, o professor considera que o assunto deve ser discutido de forma específica, não tratando os alunos de forma homogênea. Rafael Henn explica que alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, sequer deveriam possuir celular, mesmo em casa, Assim, o seu banimento na escola é válido. Já os jovens do Ensino Médio, por sua vez, na opinião do professor, precisam ter uma educação que integre os trabalhos em aula com a tecnologia.
“Alguém que está no terceiro ano do Ensino Médio precisa utilizar o celular. Ele é um computador de mão, e esse computador cada vez utiliza mais tecnologia. Depende da autonomia do professor, ele precisa ser capacitado para utilizar metodologias em que o celular passa a ser uma ferramenta importante no processo de aprendizado. O papel do professor mudou muito nos últimos anos. Ele deixa de ser um simples transmissor de conhecimento e passa a ser um tutor, coordenando e orientando o aluno nesse processo de busca por informação e conhecimento”, afirma.
Países que têm políticas contra o uso de celulares em sala de aula
- Holanda
- Finlândia
- China
- França
- Grécia
- Dinamarca
- México
- Suíça
- Espanha
- Itália
Escolas de Venâncio Aires já proíbem celular em aula
As regras e condutas sobre o uso do celular variam nos estabelecimentos de ensino de Venâncio Aires. A diretora da Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Cônego Albino Juchem (CAJ), Cláudia Neumann, contou que a instituição – que é a maior do município – permite a utilização dos aparelhos, desde que com fins pedagógicos, com orientação dos professores. “Há uma conversa franca com alunos sobre como usá-lo de maneira responsável, sobre o que pode e o que não ser feito, inclusive no tempo livre. Quando acontece algum fato que vai contra a proposta pedagógica da escola, nós conversamos com os estudantes que fizeram um mau uso da ferramenta. Em alguns casos, chamamos os responsáveis”, ressalta, ao afirmar que apoia a iniciativa do Governo Federal.
Já o diretor do Colégio Gaspar Silveira Martins, Mauro Régis de Oliveira, reconhece que o celular é uma ferramenta que pode ser explorada de forma pedagógica, mas alerta que este também pode ser um mecanismo de distração dos estudantes durante as atividades. “A gente tem agido da seguinte forma: nas turmas, retiramos o uso e solicitamos que os estudantes deixem numa caixinha que fica ao lado da mesa do professor. Ele só é utilizado pelo aluno quando o educador autoriza”, explica.
Também, Oliveira concorda com Rafael Henn sobre a qualificação pela qual os professores precisarão passar para se adaptar à nova realidade: “Em época que a gente fala de inteligência artificial presente na educação, nós não podemos negar a tecnologia. Ela é uma aliada. Precisamos nos qualificarmos como educadores para utilizá-la da melhor forma para que o professor esteja à frente do uso das ferramentas e entenda qual é o ganho pedagógico do uso.”
Já o secretário municipal de Educação, Emerson Elói Henrique, afirma que os educadores das escolas do Município são orientados a serem protagonistas dentro da sala de aula e que a utilização dos aparelhos móveis só ocorre quando está envolvida em uma prática pedagógica. “Por exemplo, quando introduzimos o aplicativo de leitura Árvore de Livros, a nossa maior leitora na rede municipal utilizava tanto o celular, quanto o Chromebook, que nós adquirimos para os alunos em casa ou na sala de aula. Portanto, caso essa medida venha a ser adotada no país, nossos professores possuem outros recursos tecnológicos à sua disposição”, comenta.
Caixinha do Monte: alternativa ao uso de celulares em sala de aula
Assim como ocorre no Colégio Gaspar, a Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Monte das Tabocas também adotou a ‘tática das caixinhas’ para tirar o celular de dentro das salas de aula. “Nas nossas normas de convivência, a gente tinha definido que o celular poderia ser usado desde que o professor solicite. Porém, ao longo dos anos, percebemos que os alunos não respeitavam mais as normas e os professores começaram a se incomodar muito com isso. Então, no início do ano, adotamos uma nova regra. Numa assembleia de pais, concordamos que o uso do celular em sala de aula não era mais benéfico, então adotamos as caixas para guardar o celular”, explica a diretora Marinêz Weizenmann.
A medida, conforme ela, tem produzido bons resultados: melhoria na interação entre os alunos, melhores índices de aprendizagem e maior participação durante as aulas. Além disso, assim como destacou o secretário Emerson no caso dos educandários municipais, os estudantes do Monte das Tabocas também possuem Chromebooks, que são priorizados quando as atividades envolvem uso de tecnologias em detrimento do celular.
A visão positiva é compartilhada pelos alunos. Cauã Calegaro Leonardi, do 2º ano do Ensino Médio, afirmou que a criação da caixa para os celulares, que ficam depositados no local inclusive no intervalo, fez com que os jovens buscassem alternativas. “Começamos a buscar novos meios para suprir o uso dos telefones, como jogos de carta no recreio, livros didáticos nas aulas, e, principalmente, o diálogo entre alunos e professores. Acredito que, nesses dois meses, a retirada dos aparelhos vem dando um retorno significativo”, enaltece.
Eduarda Domingues, do 3º ano do Ensino Médio, ratifica a percepção de Cauã, mas lembra que, no início, houve certa resistência. “No entanto, é inegável o quanto gerou diversos resultados positivos, como maior atenção aos professores, melhor dinâmica entre a turma e um aprendizado significativo. Apesar de ser difícil nos distanciarmos dos nossos celulares, é algo muito necessário para a nossa vida acadêmica”, reconhece.