Crise do cuidado: debate do presente para o futuro

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De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida do Brasil – assim como em todo o mundo – não para de subir. A última projeção divulgada pelo órgão, em agosto deste ano, apontou que uma criança nascida no país neste ano deve viver, em média, até os 76,4 anos. No início do século, por exemplo, o índice era de 69,8 anos. A vida mais duradoura tem relação direta com o avanço da medicina, mas gera novos desafios para a sociedade moderna, como a crise do cuidado, que foi o tema do último painel Gente & Negócios 2024, promovido pela Folha do Mate e Rádio Terra FM.

Mediado pela jornalista Letícia Wacholz, o encontro reuniu o superintendente regional do Sesi RS, Juliano Colombo, o deputado estadual e proponente do projeto de lei ‘Terceira Idade com Dignidade’, Airton Artus (PDT), e o prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa (PDT). Colombo, que tem palestrado em diversas cidades sobre a pauta, contou que a temática surgiu de uma pesquisa. “Veio a partir de um estudo do Sesi que percebeu que estamos vivendo mais, mas de maneira pouco saudável, que nos leva às doenças crônicas.” Essa situação, aliada a uma série de fatores, como famílias menores e gestações tardias, resulta na dificuldade de pessoas em oferecer a atenção necessária, em especial a idosos, crianças ou pessoas com deficiência. “É o que chamamos de ‘efeito sanduíche’. A pessoa tem que cuidar dos pais e dos filhos, o que demanda muito tempo e impacta diretamente no seu desempenho profissional, pessoal e financeiro”, explicou.

Mercado de trabalho

“Há 30 anos, o Brasil era considerado o país do futuro pela população jovem que tinha. Agora o futuro chegou, os brasileiros estão mais velhos e não estamos preparados”, analisou Jarbas. Um dos reflexos desse atraso, conforme os painelistas, é perceptível no mercado de trabalho. O superintendente do Sesi RS defendeu que é necessário mudar a lógica da força de trabalho no país: “Nós temos uma geração que talvez nem se aposente ou só pare de trabalhar muito tarde. Então temos que falar também sobre idosos no mercado de trabalho. Temos que pensar em modelos mais flexíveis para esse público. Nós precisamos preparar as pessoas de 50 anos ou mais para atuar nesses negócios.”

O deputado Airton Artus reforçou a fala de Colombo e lamentou que ainda haja resistência nas corporações em contratar idosos para o seu quadro de funcionários. “Há muitos casos em que pessoas mais experientes se mostram úteis nas empresas”, disse. O prefeito concordou com o parlamentar e adicionou que, na própria Prefeitura, há pessoas mais velhas que desempenham com compromisso e produtividade seus papéis.

Projeto de Artus

Em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o projeto de lei ‘Terceira Idade com Dignidade’, cujo autor é o deputado pedetista, objetiva atacar outros dois pontos fundamentais da crise do cuidado: a saúde e o custo. A iniciativa, voltada a pessoas em vulnerabilidade social, visa dividir entre Estado, Município e cidadão o valor de internação em casas geriátricas privadas de idosos que necessitem de atendimentos especiais.

De acordo com Artus, o projeto conta com o apoio de diversas bancadas e do Executivo estadual. “É paliativo, mas já ajuda algumas famílias a garantirem que idosos cheguem à terceira idade com mais saúde”, afirmou.

Já o prefeito de Venâncio Aires falou sobre as ações da Administração Municipal, destacando ações no interior, onde residem muitos idosos, e que 26% do orçamento da Capital do Chimarrão será destinado à saúde. “É o maior investimento em saúde na história da nossa cidade”, exaltou. Jarbas também lembrou a atuação do Centro Dia Inácio José Assmann, inaugurado em junho, com capacidade para acolher 20 idosos de baixa renda. O local funciona no bairro Cidade Alta, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 17h30min.

Autismo

Mas o desafio vai além da terceira idade. A dificuldade abrange também as famílias que precisam prestar assistência a crianças e há um grupo específico que merece ainda mais atenção: o de crianças com transtorno do espectro autista (TEA), cujos diagnósticos vêm crescendo exponencialmente nos últimos anos.

Colombo contou que um dos motivos que o fez se debruçar na temática foi uma experiência pessoal: seu filho foi diagnosticado com o transtorno. Com a dificuldade de oferecer a assistência adequada, uma vez que sua família – que hoje mora em Porto Alegre – não tem rede de apoio na capital gaúcha, a sua esposa precisou parar de trabalhar para se dedicar à criação do pequeno. “Sociedade, escola, médicos e professores não estão preparados para lidar com crianças com TEA”, disse.

Jarbas da Rosa foi no mesmo sentido e reconheceu que, no quadro de servidores do Executivo Municipal, ainda não há profissionais suficientes para atender a demanda, realidade que é refletida praticamente em todas as cidades.

Na Capital do Chimarrão, foi inaugurado, há 15 anos, o Centro Integrado de Educação e Saúde (Cies), que atende, dentre outros, crianças com autismo. O atual espaço já não comporta mais a demanda, por isso, Administração Municipal tem como meta para 2025 erguer um novo prédio do Cies, com capacidade para mais atendimentos.

“O desafio nas nossas escolas da rede municipal é o mesmo das escolas estaduais e das escolas particulares, que é inserir esse aluno com transtorno do espectro autista e ter a demanda de mais um monitor. Há 15 anos foi criado o Centro Integrado de Educação e Saúde e foi um grande marco. Hoje é o mesmo espaço que está ocupado e nós entendemos que, mesmo colocando mais profissionais, não tem mais sala para atender, então temos que partir para um novo passo, uma nova sede para o Cies.”

JARBAS DA ROSA
Prefeito de Venâncio Aires

“Grande parte dos efeitos colaterais que nós vamos enfrentar de envelhecimento da população pode ser amenizada se o envelhecimento for com saúde, com qualidade. Para isso, temos que trabalhar na prevenção. Em relação a isso, temos valorizar boa alimentação, atividades físicas, exames preventivos e bom sono.”

AIRTON ARTUS
Deputado estadual pelo PDT

“Nós viemos de uma cultura germânica e italiana de famílias grandes, que tinham muitos filhos. Esses filhos cuidavam dos pais, um filho cuidava do outro, hoje não é mais essa realidade. Hoje nós temos famílias cada vez menores. A gente tem um problema que cada vez mais sobrecarrega as pessoas, porque, às vezes, uma pessoa tem que cuidar dos pais e dos filhos.”

JULIANO COLOMBO
Superintendente regional do Sesi RS

O que disseram

O evento, realizado na sede da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), no bairro Aviação, contou com a participação de diversas lideranças de entidades, empresariais e políticas. A reportagem conversou com algumas delas, confira as manifestações.

Fernando Barcellos da Rosa – cogestor do Colégio Oliveira

“É um assunto que permeia a escola, ou seja, transpassa todas as responsabilidades que temos hoje, tanto na formação educacional das crianças, na escolarização propriamente dita, quanto no cuidado que nós temos também, que nós vivemos na comunidade escolar. Um assunto que foi muito bem explorado é a questão das necessidades especiais, do transtorno do espectro autismo. Nós vivemos isso no dia a dia. Recebemos e acolhemos esses alunos, que têm necessidades especiais e lidamos com isso. Não é só atendimento, mas também especialização dos nossos profissionais.”

Mauro Régis de Oliveira – diretor do Colégio Gaspar Silveira Martins

“A gente compreende que, como educador e representante de uma instituição de ensino, não é algo que nos atinge única e exclusivamente, atinge a todos, quem atua na indústria, no comércio, nos serviços, no poder público. Nós procuramos desenvolver o autocuidado dos estudantes, dos profissionais, é algo que procuramos motivar. É para a realidade de vida e que depois vai personalizar num adulto mais são.”

Flávio Haas – membro do conselho estadual do Sesi

“O evento em si, foi muito bom, com três pessoas que entendem do tema. Aliás, é um tema que certamente preocupa toda a sociedade e lideranças como eles devem estar focadas nisso. Eu estou com 76 anos e faço parte desse ativo que está afastado da linha de frente do trabalho, mas ainda tentando me manter útil ainda através do associativismo. Além disso, também é muito importante a necessidade de qualificação por conta da falta de mão de obra,”

Viviane Oliveira – coordenadora do Centro Integrado de Educação e Saúde (Cies)

“O Centro Integrado de Educação e Saúde já é uma política bem estabelecida. Com a demanda cada vez maior, a gente já está com quase 80 mil atendimentos nesses quinze anos. A gente está conseguindo fazer o diagnóstico cada vez mais precocemente, que é o ideal. No geral, a cidade já conhece o serviço e procura e valoriza muito. Muitas vezes abre mão do acompanhamento particular para trabalhar conosco lá, por acreditar na qualificação da nossa equipe.”

Juliane Weiss Niedermeyer – coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação

“Esse crescimento no diagnóstico advém de um movimento da própria comunidade em estar com o olhar mais aperfeiçoado. As escolas estão percebendo características que se identificam como uma criança com trasntorno do espectro autista. Nós, da rede municipal, possuímos também um olhar já bem qualificado e, desta forma, nos tornamos apoiadores destes pais, no sentido de observar essas características, conversar com terapeutas, para que a gente possa identificar precocemente esses traços. Hoje a rede municipal de educação tem mais de 5 mil alunos. Com o diagnóstico de autismo, nós temos 242 crianças. Estas crianças demandam da sociedade, como um todo, este atendimento.”



Juan Grings

Juan Grings

Repórter de geral na Folha do Mate e produtor na Rádio Terra FM.

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