A receita de pão da professora Sara: amor em forma de alimento na Paresp

-

Para marcar o Dia do Pão e Dia Mundial da Alimentação, celebrados em 16 de outubro, a Folha do Mate conta a história de como uma receita de pão virou símbolo para a ONG Parceiros da Esperança.

A história do pão remete aos primórdios da humanidade e teria surgido há mais de 6 mil anos, quando os egípcios descobriram a fermentação do trigo. Desde então, virou um dos alimentos mais básicos em todo mundo e tem até um dia dedicado a ele: 16 de outubro, quando também é celebrado o Dia Mundial da Alimentação.

Para marcar a data, a Folha do Mate conta a história de uma receita aprendida na década de 1960 e que, nos últimos 18 anos, ganhou uma simbologia maior dentro de uma das entidades assistenciais mais importantes de Venâncio Aires: a Organização Não Governamental (ONG) Parceiros da Esperança (Paresp). É lá que o pão preparado pela professora Sara da Rosa não sacia apenas a fome, mas também preenche o coração de mais de 100 crianças e adolescentes.

Foto: Débora Kist/Folha do Mate

A receita de pão num forno de pedra em Sete Léguas

Se o pão já soma seis séculos, a história a seguir começou há ‘apenas’ seis décadas, quando o então governador Leonel Brizola investiu fortemente na educação pelo território gaúcho. Na época com 18 anos, Sara da Rosa, que havia feito o curso Normal (magistério) no Colégio Nossa Senhora Aparecida (integrou a segunda turma de normalistas), fez parte desse processo de formação profissional no estado. Por meio dele, viveu a primeira experiência como professora, morando e trabalhando em Linha Sete Léguas, atual município de Boqueirão do Leão.

O local era a escola Rui Barbosa, mantida solitariamente por Ancídia Wagner, professora que dava conta de cerca de 100 alunos de 1º a 5º ano. “Assumi a alfabetização e a turma de 3º ano. Foi lá, a mais de 50 quilômetros do Centro de Venâncio, que somei para a vida experiências inesquecíveis”, relata Sara, que completou 82 anos no último sábado, 12. A atual diretora institucional da Paresp conta que a maioria das crianças vinha de famílias muito humildes. “Tinha uma horta, que os pais ajudavam, e dela, todo dia, saíam os ingredientes para uma sopa que a Ancídia fazia. No inverno, muitos mal tinham roupa. Como do lado da escola tinha uma olaria, eles nos traziam uma folha de zinco com brasa em cima. Daí as crianças esquentavam as mãozinhas para pegar o lápis.”

Os ingredientes

Ancídia Wagner tinha duas preocupações: o ensino e o estômago dos pequenos. Por isso, tinha determinado dia da semana que ela deixava a jovem Sara sozinha com os alunos e ficava em casa, na lida em frente a um forno de pedra, assando pão para a criançada. Foi ali que Sara aprendeu a receita que a acompanha até hoje: leva farinha, água, sal, açúcar, fermento, uma gordurinha (banha ou azeite) e muito amor. Com esses ingredientes, há quase 19 anos, ela prepara o famoso pão que incrementa o lanche das crianças que frequentam a ONG Parceiros da Esperança, com sede no bairro Morsch.

Mari Josi Lopes, que trabalha como serviços gerais na Paresp há 12 anos, é a principal ajudante da profe Sara no preparo dos pães (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)
Durante muitos anos, a professora Sara sovava a massa nessa bacia de alumínio (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

A bacia de alumínio

Desde o dia 11 de novembro de 2005, quando Sara da Rosa, ao lado de Rejane Genz, Alília Schwengber e Lori Pitsch, fundou a Paresp, fazer pão é fundamental, pois muitas das atuais 103 crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos atendidas no turno oposto ao da escola, vivem em situação de vulnerabilidade social. “Passei fome e frio, tive uma infância muito pobre. Ao longo da vida como professora, vi histórias de pobreza. Muitos aqui fazem a principal refeição do dia dentro da Paresp, então desde o início tivemos a preocupação em atender a primeira necessidade básica da vida, que é alimentação. Nunca vi uma criança com fome não aceitar uma fatia de pão. Para mim, é um alimento sagrado, ele está nas nossas orações”, relata Sara, em referência ao ‘o pão nosso de cada dia nos dai hoje’, trecho da oração ‘Pai Nosso’.

Há quase 19 anos, quando a entidade começou a atender, a professora preparava o pão manualmente, sovando a massa dentro de uma bacia de alumínio comprada na Loja Afubra, em 12 prestações. “Cinco quilos de farinha davam 12 pães, mas tinha que fazer seis de cada vez. O preparo era todos os dias.” Essa bacia, que virou símbolo e patrimônio da entidade, está aposentada há bastante tempo da função culinária, mas ainda é usada na lavanderia, para colocar roupas de molho.

Paresp conta com uma máquina para misturar os ingredientes (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

O apoio da comunidade venâncio-airense

A Paresp é uma entidade filantrópica e todo o atendimento é gratuito para os usuários, por isso, conta com o apoio de diversas empresas, além do poder público e doações da comunidade. O almoço, por exemplo, é oferecido pela CTA Continental. A indústria de tabaco de Venâncio é quem garante, de forma ininterrupta desde 2005, o almoço das crianças e adolescentes todos os dias.

Se no início de tudo a professora Sara amassava o pão numa bacia de alumínio, deixava crescer ao lado do fogão para aproveitar o calor e assava num pequeno forno elétrico, nos últimos anos a Paresp tem uma estrutura industrial na cozinha.

Há uma câmara de controle de fermentação, um forno grande e uma amassadeira rápida (para misturar todos os ingredientes), equipamentos doados pela Metalúrgica Venâncio. “A primeira misturadora ganhamos depois de uma visita da juíza Maria Beatriz Londero Madeira [que trabalhou em Venâncio Aires entre 1995 e 2019]. Ela me viu fazendo pão na mão e foi atrás para doação de uma máquina”, lembra Sara. O item não resistiu à enchente de maio de 2024, quando o prédio da Paresp, no bairro Morsch, foi invadido pela cheia do arroio Castelhano. Felizmente, a Metalúrgica Venâncio doou uma máquina nova, sendo que outras pessoas também se dispuseram a doar.

Na hora do lanche, nem bolo, nem cacetinho. Crianças e adolescentes preferem o pão caseiro (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

A receita de pão favorita das crianças

Mesmo com as facilidades e agilidades que os equipamentos proporcionam, as mãos experientes da professora seguem como ferramenta importante no preparo. São elas que dão aquele toque especial, uma última sovada, antes de dividir em pedaços. “Tudo que tocamos e fazemos com amor, fica melhor. Por isso as mãos são importantes”, define a professora. Cada porção é aberta com um pau de macarrão e Sara faz um ‘enroladinho’ com a massa. Só então, vai para a forma.

Quem costuma ajudar é Mari Josi Lopes, 61 anos, que há 12 trabalha como serviços gerais na entidade. “A Mari é a titular, mas até o Leo [Leonardo Duarte da Rosa, neto de Sara e atual supervisor administrativo] já me ajudou a fazer pão”, relata Sara. “É a fisioterapia da profe”, completa Mari, entre risos, fazendo menção à lesão que a diretora sofreu no pulso, após uma queda, e da qual ainda está se recuperando.

Victor Gabriel Lopes dos Santos, 7 anos, gosta de comer o pão com margarina (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Com a estrutura atual, Sara faz pão três vezes na semana, o que demanda 30 quilos de farinha. São 10 quilos a cada dia, que rendem 24 pães. Eles ficam 45 minutos na câmara de fermentação e depois leva mais meia hora para assar no forno. A quantidade é suficiente para três refeições: um café da manhã, um lanche da tarde e mais um café da manhã no dia seguinte. No dia que a reportagem acompanhou o preparo, a profe Sara perguntou aos alunos: “Vocês querem pão cacetinho ou bolo?” Ambos foram negados e a resposta, unânime, foi dita em alto e bom tom: “O pão da profe!”

Uma schmier especial

Sobre o que os alunos gostam de colocar sobre as fatias, são duas preferências. Há aqueles que preferem margarina e outros que gostam com schmier. Neste caso, o doce é preparado voluntariamente por uma ‘parceira da esperança’ de muitos anos: a costureira aposentada Gisella Nierdermeyer, 93 anos. As frutas não consumidas na entidade ou que já estão passando do ponto, como banana e maçã, são levadas para a aposentada preparar a schmier.

“Para mim, como professora, como mãe e como avó, a maior violência no mundo inteiro é a fome. Então saciar uma criança com uma fatia de pão, é algo sagrado e meu deixa muito feliz. Enquanto Deus me dá força nas mãos, vou continuar fazendo pão.”

SARA DA ROSA – Diretora institucional da Paresp



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

Clique Aqui para ver o autor

    

Destaques

Últimas

Exclusivo Assinantes

Template being used: /var/www/html/wp-content/plugins/td-cloud-library/wp_templates/tdb_view_single.php
error: Conteúdo protegido