Na educação, o caminho para a promoção de mais igualdade com projetos do Dia da Consciência Negra

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As escolas são espaços de aprendizagem e desenvolvimento de diversas habilidades, sejam elas relacionadas ao pedagógico ou ao social. São locais de pluralidade e de desafios, onde crianças e adolescentes aprendem a se reconhecer e entendem a importância de respeitar as diferenças e particularidades de cada indivíduo.

Partindo desse pressuposto, muitos projetos ganham vida em sala de aula e refletem não apenas nesta etapa da vida, mas geram reflexos que ajudam a construir uma sociedade mais igualitária e empática. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Santo Antônio de Pádua, de Mato Leitão, essa forma de trabalhar faz parte da metodologia do educandário.

Neste ano letivo, uma das ações desenvolvidas foi o projeto ‘Ancestralidade Africana – Descendência de Reis e Rainhas’, uma iniciativa interdisciplinar que trabalhou o uso de adornos, formas de arrumar o cabelo, vestimentas e danças. As atividades foram realizadas pela turma do 7º ano B durante as aulas de Arte, Ensino Religioso e Educação Física, ministradas pelos professores Rozi Johann, Veridiana da Silva e Fabrício Mohr, respectivamente.

Além do projeto desenvolvido em sala de aula e que envolveu pesquisas, estudos e atividades práticas, o respeito à diversidade é objeto de práticas na oficina de Artes Visuais oferecida no contraturno da escola. Os trabalhos também são expostos pelas repartições da instituição de ensino, para que mais estudantes sejam alcançados.

Na Oficina de Artes Visuais estudantes também realizam atividades ao longo do ano. (Foto: Divulgação/Emef Santo Antônio de Pádua)

Aprendizado

No caso dos alunos do 7º ano B, a professora Rozi explica que eles assistiram ao documentário Rainhas Africanas para iniciarem o projeto. Também estudaram sobre a Ciranda no Brasil e realizaram um trabalho sobre essa temática para ser exposto na escola, que, por meio dos personagens desenhados, buscou demonstrar a diversidade presente na sociedade.

Antes disso, já haviam promovido uma atividade com os alunos dos níveis 5 e 6 e do 4º e 5º anos no auditório da escola, durante a Semana da Criança, para colocar em prática os aprendizados. Para a supervisora da Emef Santo Antônio de Pádua, Sandra Kroth Stertz, esse tipo de trabalho é importante para que os estudantes internalizem o que representa a diversidade e vivam ela na prática.

Nas aulas de Educação Física, eles estudaram sobre a capoeira, no mês de setembro. Tiveram a oportunidade de conhecer sobre a ginga, o ritmo e a musicalidade presentes na dança. “Eles cantaram, bateram palmas e aprenderam sobre o que os grandes mestres trouxeram para a capoeira”, explica o professor Fabrício. Para os educadores, todos esses estudos ajudam a formar uma consciência de inclusão e diversidade junto aos estudantes para promover o respeito e a aceitação.

Iniciativa da ONG Alphorria contempla Educação Infantil

Criado em 2017, o projeto Somos Todos Coloridos, realizado pela Organização Não Governamental (ONG) Alphorria, de Venâncio Aires, também acredita que a educação é um potente instrumento para promover a transformação social quando o assunto é respeito e conscientização. O projeto-piloto desta iniciativa foi desenvolvido na Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Aloisius Paulino Algayer, do bairro Coronel Brito, que continua sendo a principal parceira da entidade nessa ação.

“A ideia surgiu da necessidade de se criar um projeto com atividades da ONG, mas que agregasse também as famílias. Um projeto para a valorização das diferenças com a Educação Infantil, imaginando que esse pode ser o primeiro contato da criança com o racismo”, explica a coordenadora da ONG Alphorria, Ana Lúcia Landim.

De acordo com ela, a proposta é realizar a desconstrução, na escola, e ainda alcançar as famílias com conhecimento sobre essa temática. “O nome vem da ideia de colorir o mundo que é tão ‘cinza e desigual’, como diz a canção autoral da Banda Alphorria. Mas que, na essência, somos todos coloridos e podemos fazer a diferença”, destaca.

A coordenadora pedagógica da iniciativa, professora e doutora em Educação, Viviane Inês Weschenfelder, explica que como o trabalho já acontecia antes da Emei Algayer ela foi indicada no projeto submetido para obtenção de recursos oriundos da Lei Paulo Gustavo. “A escola toda se envolve, desde o berçário até a pré-escola”, compartilha.

Todas as profissionais estão em formação continuada, tanto professoras quanto monitoras que atuam em outros setores da instituição de ensino. “São encontros presenciais e on-line em forma de oficinas e com atividades de planejamento entre os encontros. O projeto visa desenvolver competências para que todas as profissionais estejam ainda mais preparadas para trabalhar com a diversidade étnico-racial e a educação antirracista”, destaca.

Envolvimento das famílias

Viviane ainda observa que o foco da iniciativa é alcançar as famílias dos alunos, “por meio do letramento racial e do engajamento dos mesmos nas atividades que a ONG Alphorria e a escola promovem”. A professora do projeto ainda reforça que há anos a ONG Alphorria advoga junto aos espaços públicos por recursos para promover a educação das relações étnico-raciais nas escolas do município.

No próximo ano, o projeto Somos Todos Coloridos terá sequência na Emei Algayer, mas se estuda a viabilidade de iniciar as atividades em outras instituições de ensino também. “Temos, sim, outras escolas interessadas, pois não faltam evidências de que ele promove atividades ótimas para as crianças, professoras e familiares”, relata. Segundo Viviane, a iniciativa prevê, especialmente, atividades relacionadas à cultura afro-indígena para serem desenvolvidas pelos professores com música, dança, gastronomia e brincadeiras, entre outros temas.

“A Educação Infantil é um espaço muito importante, pois é nesta fase que iniciam os processos de identificação das crianças e queremos que eles sejam baseados na autoestima e na valorização das diferenças. Mas sabemos que nem sempre é assim, especialmente para crianças negras em um município em que a grande maioria das pessoas se declara como brancas.”
VIVIANE WESCHENFELDER
Doutora em Educação e coordenadora pedagógica do projeto Somos Todos Coloridos

Novembro o Ano Inteiro

Artistas e produtores culturais venâncio-airenses, Sérgio Rosa e Jaqueline Santos são idealizadores de diversas iniciativas que buscam promover a conscientização e a igualdade racial. Uma delas é o projeto Novembro o Ano Inteiro, que conta com a turnê Negrejar, realizada em diversos municípios gaúchos. “Se faz necessário abordar essas pautas raciais o ano todo, porque somos negros e negras todos os dias e meses”, ressalta Rosa.

Ele faz essa afirmação ao lembrar que a escola segue sendo um espaço onde as crianças negras sofrem mais com o racismo. “Ao longo de todo ano, jovens negros seguem sendo assassinados a cada 23 minutos. Antes da consciência social, necessitamos de consciência racial, pois o racismo atravessa todas as questões sociais”, menciona.

Para ele, a iniciativa é importante porque é necessário conhecer o passado do Brasil e de quem esteve aqui antes de nós. “Absorver essas histórias e compreender que existe um povo negro sem o Brasil, mas não existe um Brasil sem o povo negro. Buscar olhar para esses lugares e tentar compreender e reconhecer que o racismo foi criado por pessoas brancas, homens e mulheres que por quase 400 anos escravizaram e trouxeram do continente africano cerca de quatro milhões de negros”, salienta.

Rosa ressalta que apresentar essas narrativas a partir do lugar de fala que lhes pertence só tem a agregar e contribuir para que a sociedade aprenda a viver em comunidade. “Sem resgate histórico, não se constrói um futuro coletivo para todos”, complementa. O trabalho da turnê Negrejar, liderada por Rosa e Jaqueline, é focado especialmente em professores e estudantes.

“Sem dúvidas, o futuro passa pela escola. E nós somos iguais a agricultores, que têm diante deles o melhor solo, onde precisa jogar as melhores sementes, para uma boa colheita. Nosso solo fértil são os estudantes. Se quisermos ter uma sociedade melhor, precisamos investir em saberes e pensamentos críticos raciais, sociais e humanizados a partir de agora. E trabalhar dentro desses públicos com a turnê Negrejar, somente com nossos trabalhos afros, é nossa forma de semeadura saudável, rica e com pertencimento preto”, frisa.

De acordo com Rosa, é muito gratificante chegar em diferentes regiões, com culturas e sotaques distintos, e apresentar a arte negra, seja ela na dança afro, no teatro, na música ou na poesia. “Apresentar histórias reais, não blackface. São duas pessoas pretas mapeando o estado e levando suas próprias narrativas. E tem lugares onde somos os únicos negros no espaço. Ocupar esses espaços com o nosso corpo preto e nossa fala negrejada, acaba sendo só por isso um ato político de resistência”, avalia.

Jaqueline Santos e Sérgio Rosa são os responsáveis pelo projeto Novembro o Ano Inteiro. (Foto: Arquivo pessoal)

Legislação

Para a artista e produtora cultural Jaqueline Santos, a Lei 10.639, de janeiro de 2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas brasileiras, foi instituída “para contar a história que a história não conta. A verdadeira história do povo negro e indígena que foi apagada, tirada de contexto e desvalorizada por décadas”.

Assim como Rosa, Jaqueline acredita que a escola ainda é um dos locais de mais sofrimento para as crianças e para os adolescentes negros. “Imagina quando os livros de história só traziam as imagens de negros no tronco apanhando e em lugares de subserviência, sem falar de sua cultura, de sua religião e da sua contribuição neste país. Que criança quer ser negra assim?”, reflete.

Para ela, conhecer e resgatar a história dos negros de hoje e dos antepassados torna a sociedade mais consciente, compreensiva, empática e humana para que todos possam contribuir, de fato. “O dia 20 de novembro faz o contraponto ao 13 de maio, Dia da Abolição, uma luta de praticamente 50 anos do Movimento Negro, um debate sobre uma data que começa aqui no Rio Grande do Sul pelo Grupo Cultural Palmares, liderado pelo gigante Oliveira Silveira e que, enfim, se torna feriado nacional”, ressalta.

Com a realização do feriado nacional pela primeira vez neste ano, Jaqueline acredita que em muitos lugares e espaços o debate sobre a consciência negra será ampliado. “Por mais avanços que já tivemos, a estrutura racista do país é tão sólida que mesmo com as mudanças, a luta pela permanência e ampliação é diária. Voltamos a olhar para trás e buscar nossa história, construindo e fortalecendo ainda mais o significado e a importância da data, celebrando, mas refletindo sempre”, afirma.

Sobre a turnê Negrejar

  • A iniciativa está sendo realizada pela segunda vez neste ano. Mediante contratos com as prefeituras, os artistas e produtores culturais Sérgio Rosa e Jaqueline Santos levam quatro trabalhos para vários municípios do Rio Grande do Sul.
  • São três peças de teatro – Okan Ijó, Iya Dudu e Rainha Abayomi – e uma sensibilização para professores pelo projeto ‘Novembro o Ano Inteiro’. Rosa explica que cada peça de teatro tem cerca de 40 minutos de duração. Já a sensibilização é realizada em duas horas e meia.
  • “Em 2023, atingimos 3.300 pessoas em 14 municípios. São todos trabalhos pensados para o público escolar. Acreditamos que aqui no estado somos praticamente os únicos que circulam com trabalhos afros mesclando arte e ativismo durante todo ano. Poder proporcionar isso para outros municípios nos dá a certeza de que estamos sendo continuidade daqueles que vieram antes de nós”, ressalta.

“Pautar o racismo e o enfrentamento a ele com práticas antirracistas é urgente, pois esse é o caminho para acabar com esse processo de escravidão contemporâneo. Educação e cultura são mecanismos fundamentais nesse processo, por isso levamos para diferentes regiões nosso projeto Novembro o Ano Inteiro.”
SÉRGIO ROSA
Artista e produtor cultural

“Uma sociedade só se conscientiza quando ela abre o coração, porque se eu não for tocada, sensibilizada, nada muda no meu pensar e agir. Quando ela fura a bolha, quando ela busca o saber, quando ela busca entender e se desacomoda do seu lugar de privilégios e entende o lugar do outro, respeita e faz de fato o movimento que chamamos de antirracista, aí sim teremos uma sociedade mais consciente. Esse movimento precisa ser diário, não somente no mês de novembro ou em alguma data alusiva.”
JAQUELINE SANTOS
Artista e produtora cultural



Taís Fortes

Taís Fortes

Repórter da Folha do Mate responsável pela microrregião (Mato Leitão, Passo do Sobrado e Vale Verde) e integrante da bancada do programa jornalístico Terra em Uma Hora, da Terra FM

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