Casas construídas por imigrantes no interior de Venâncio têm quase 140 anos

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Marcas da imigração europeia em Venâncio ainda estão de pé no interior do município, em construções erguidas por imigrantes e que datam do século XIX.

O movimento da imigração europeia para o território que hoje forma o município de Venâncio Aires começou na década de 1850, alguns anos depois do início da colonização alemã no Rio Grande do Sul, em 1824. A entrada se deu por duas ‘pontas’, principalmente: pelo rio Taquari, ajudando a povoar a então Estância Mariante, e pela divisa com Santa Cruz do Sul, região de Centro Linha Brasil.

Esses primeiros imigrantes vieram de locais diversos da Europa, de territórios que hoje compreendem Alemanha, Áustria e República Tcheca, por exemplo. Ou seja, embora a língua germânica tenha predominado por gerações na maioria dessas famílias, é equivocado dizer que toda pessoa que carrega um sobrenome cheio de consoantes, seja descendente de alemão.

Mas, independente das origens e da atual geografia na Europa, fato é que esses imigrantes ajudaram a formar muitas localidades de Venâncio Aires. Já são cinco, até seis gerações e, para algumas delas, ainda há uma coisa em comum: a casa onde tudo começou. No interior do município, a Folha do Mate encontrou algumas dessas construções centenárias erguidas por imigrantes e, naturalmente, há outras ainda de pé. São resquícios de um passado pioneiro e que ainda resiste ao tempo.

Onde os imigrantes Anton e Amelie Pilz criaram 15 filhos

Há pouco mais de um ano, a comunidade de Linha Isabel comemorou 150 anos, já que foi em 1873 que os primeiros imigrantes chegaram naquela ‘colônia’. Eram exatas 33 pessoas, entre irmãos e casais com e sem filhos. Nesse primeiro grupo, estavam Anton Pilz (1847-1921) e a esposa Amalie, nascida Peuckert (1853-1912), que deixaram a Boêmia (na época Império Austro-Húngaro e atual República Tcheca), para tentar a vida no Brasil.

Casal de imigrantes Pilz construiu a casa em Linha Isabel (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Quando aqui chegaram, Venâncio Aires ainda levaria 18 anos para virar município e, na época, o território do chamado Faxinal dos Fagundes pertencia a Taquari. Não há informações sobre onde Anton e Amalie fixaram a primeira residência e começaram a criar sua prole (seriam 15 filhos, sendo que há documentado o batismo de 14). Mas quando o casal já contava seis ‘rebentos’, construiu uma casa grande, de pedra de areia e paredes grossas. Datada de 1886, conforme inscrição ainda visível na fachada, essa edificação segue de pé em Linha Isabel, numa propriedade que pertence aos descendentes dos imigrantes.

Até 2021, a casa foi habitada, mas, por problemas no telhado e no assoalho, foi necessário sair. Quem cresceu e morou nela até pouco tempo foi Valdir Ernesto Göttems, 61 anos. Ele é filho de Reinaldo, que por sua vez era filho de Alvina – a filha de número 13 do imigrante Anton Pilz. “A vó contava que as pedras para fazer a casa foram tiradas da propriedade e que os filhos pequenos ajudavam carregando pedrinhas menores num avental. Levou três anos para ficar pronta”, relata o agricultor. A maior parte das pedras de areia eram apenas encaixadas uma sobre as outras e as pedrinhas iam preenchendo os espaços irregulares. Também usaram mistura de cal e areia para ‘dar liga’ entre as peças e depois rebocar.

Casa construída em 1886 tem um grande porão, com entrada nos fundos. Local foi usado como quarto há mais de 100 anos (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Alvina teve três filhos com José Frederico Göttems: Amália, Edmundo (que foi pracinha na Segunda Guerra Mundial) e Reinaldo. Ela enviuvou cedo e casou novamente. Quando já estava idosa, o caçula Reinaldo foi cuidar da mãe e se mudou com a família para a casa construída por Anton Pilz. Por isso, Valdir acabou crescendo nessa casa e permaneceu nela depois de casar com Gleni, hoje com 60 anos. Os filhos deles, Débora, 31 anos, e Dionathan, 18, também cresceram na casa e são ‘defensores’ dela. “Eles querem preservar. A ideia é trocar o telhado e o assoalho. De resto, a casa está original”, destaca Valdir.

Espaço para missas

Assim como muitas casas antigas, havia uma peça à parte, para ser usada como cozinha. Embora Anton e Amalie tivessem uma residência grande, essa construção extra tinha um motivo: no fim do século XIX ainda não havia uma igreja para os colonos se reunirem. “A vó [Alvina] dizia que construíram a casa maior também para ter espaço para fazer missa. Tinha até um sino que ficava pendurado numa árvore, isso bem antes da construção da Igreja Santa Isabel. Mas acho que não chegou a ter missa aqui dentro”, conta Valdir.

A partir de 1887, Anton e Amelie tiveram mais nove filhos: além de Alvina, a vó de Valdir Göttems, nasceu na residência Ricardo (1893-1983), também um dos caçulas. Já adulto, ele se estabeleceu em Centro Linha Brasil, onde trabalhou como dentista. O filho dele deu início à Casa Comercial Nilo Avelino Pilz, um dos comércios mais conhecidos do interior e até hoje mantido pela família.

Peça anexa foi usada como cozinha pela família Pilz (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Uma parede de pedrinhas na morada de Franz Lahr

Não muito longe de onde Anton Pilz morou, em Linha Isabel, outro imigrante da Boêmia se estabeleceu. Chegou no mesmo grupo, em 1873. Franz Lahr (1838-1924) veio com a esposa Emilie (1836-1904), nascida Siebeneichler, e dois filhos: Wilhelm (Guilherme no Brasil), então com seis anos, e Reinhold (Reinoldo), com quatro. Emilie estava grávida quando embarcou na Europa e Maria nasceu no Brasil, ainda em 1873. Ainda tiveram Julia (1874) e Antônia (1877).

Neuri Lahr mostra o detalhe das pequenas pedras que estruturam uma das paredes da casa construída pelo trisavô, o imigrante Franz Lahr (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Uma publicação da década de 1920, com relatos levantados pela comissão do cinquentenário da comunidade, diz que Franz Lahr, anos antes de deixar seu país, foi lenhador. Aqui, sofreu um acidente ao derrubar uma floresta, ferindo-se no joelho e demorou quase um ano para andar novamente. Ele enviuvou no início do século XX e depois casou com Barbara Rieger. Na época do 50º de Linha Isabel, Lahr já tinha enviuvado novamente e “vivia sozinho em sua casinha”.

Essa ‘casinha’ segue de pé, na propriedade de Neuri Helio Lahr, 57 anos. Neuri é filho de Almiro, neto de Wilibaldo, bisneto de Reinhold e trineto de Franz. “Meu vô cresceu nessa casa e quando meu pai era pequeno, em 1950, o vô construiu essa aqui, onde moro até hoje”, explica Neuri. A casa onde Wilibaldo chegou a morar foi erguida pelo imigrante Franz, mas não se sabe exatamente em que ano. Com barrotes atravessados nas paredes, tem estrutura semelhante ao enxaimel.

Sem moradores há 70 anos, a estrutura é usada como depósito da propriedade agrícola. Nas paredes, ainda há traços característicos da construção. “As pedras maiores puxaram com mula”, conta Neuri. Chama atenção uma parede formada inteiramente por pedras muito pequenas, com pouquíssimo barro entre algumas. Ou seja, muitas estão apenas encaixadas umas nas outras. Na propriedade, os Franz já estão na sexta geração, já que Fabiano, 28 anos, filho de Neuri, também mora lá.

Detalhe dos barrotes na casa de Franz Lahr, casa tem estilo semelhando ao enxaimel (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Imigrantes em Centro Linha Brasil: o lar de Jacob Christmann perto do arroio Castelhano

Jacob Christmann (1842-1906) faz parte da história de uma das localidades mais antigas de Venâncio Aires. Ele se estabeleceu em Centro Linha Brasil, junto com outros imigrantes que abriram as primeiras picadas naquela região, a partir de 1860. O nome dele está no monumento em homenagem aos primeiros colonizadores, próximo, por exemplo, de Christian Heinrich Bencke, o primeiro imigrante e que, com a grafia aportuguesada, dá nome à escola da localidade.

Casa construída por Jacob Christmann, em Centro Linha Brasil. Estrutura data de 1887 (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Christmann veio de Rheinland, sudoeste da atual Alemanha, em 1873. Chegou casado com Elisabetha Gilger (1842-1890), já com três crianças: Karolina (1866), Elisabetha (1869) e Margaretha (1871). No Brasil, ainda nasceram Adam (1874), Maria Paulina (1876), Maria Rosa (1878), Wilhelmine (1880), Jacob (1883) e Emma – ou Anna (1885).

Porta principal da casa, com madeira e vidros originais (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Quando a caçula já corria por aí, Jacob Christmann construiu uma casa, na estrada que desce para o arroio Castelhano, na divisa com o distrito de Monte Alverne, Santa Cruz do Sul. Essa residência de 137 anos também segue de pé e foi moradia de um descendente até 2013. “Eu cresci nessa casa, fiquei depois que casei com a Nadir [79 anos] e minhas filhas Miriam e Marisa foram criadas nela”, relata Eldor Adão Baron, 73 anos. Eldor é filho de Deolina, neto de Adam (por isso o segundo nome é Adão) e bisneto do imigrante Jacob. “Morei 62 anos dentro dessa casa, para mim é algo de muito valor. E minhas filhas já têm planos para restaurar.” Conforme Eldor, a casa construída em 1887, que já foi maior, também foi usada como o primeiro salão de baile de Centro Linha Brasil.

Jacob Christmann enviuvou em 1890 e casou novamente com Maria Huyer. Com a segunda esposa, teve uma única filha, Ida, nascida em 1893.

Cemitério na lavoura

O imigrante está enterrado em um cemitério familiar, nas terras que pertenceram a Peter Nagel (1834-1890), outro pioneiro de Centro Linha Brasil. Hoje, dentro de uma área que pertence a outra família, a pequena necrópole se confunde com lavouras de milho e tabaco, mas a lápide de pedra de areia segue lá. Nesta mesma área, está sepultado Peter Nagel, bisavô de Nadir, esposa de Eldor.

Perto dali, outra casa antiga chama atenção. Ela foi construída por Guilherme, filho do imigrante Peter, em 1912. A residência está bem preservada, mas hoje também serve depósito. Ela fica na propriedade onde mora a descendente Maria Nagel Gabe, 59 anos.

Em Centro Linha Brasil, casa construída por Guilherme Nagel, em 1912. Ele é filho do imigrante Peter Nagel (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Fontes históricas

• As informações históricas e geográficas referidas nesta matéria têm como fontes outras reportagens da Folha do Mate e o livro ‘Abrindo o baú de memórias’ (2004). Já os dados referentes aos nomes dos imigrantes, com respectivos anos de nascimento, falecimento e chegada no Brasil, são do pesquisador e escritor Márcio Vinícius Scheibler, que trabalha com pesquisa genealógica. Scheibler é natural de Santa Cruz do Sul, mas os pais, avós e bisavós nasceram em Venâncio Aires.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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