Natural de Linha Olavo Bilac, no interior de Venâncio Aires, Ewald Josef Schwendler foi para a Áustria em 1974.
Entre os descendentes dos germânicos que vieram para o Rio Grande do Sul no século XIX, há quem desperte o interesse em aprender mais sobre as origens do outro lado do oceano Atlântico. Conversando com os mais velhos, no interior de Venâncio Aires, muitos relatam, com precisão, informações sobre os imigrantes. No fim dos anos 1950, em Linha Olavo Bilac, um menino também já se encantava pelas histórias da família, em especial sobre o bisavô paterno, João Schwendler, que saiu da Alemanha em 1858 e se instalou onde hoje é o município de Sinimbu.
Esse menino era Evaldo José Schwendler que, anos depois, percorreu o caminho contrário do parente imigrante e fez da Europa sua nova casa. Hoje, aos 72 anos e oficialmente assinando como Ewald Josef, são mais de 50 anos morando na Áustria. Um cidadão austríaco, mas que não esquece a raiz venâncio-airense, por isso, sempre que possível, volta à terra natal.
Quando vem, geralmente fica na casa construída pelo pai dele, Beno, na década de 1940. A residência foi reformada e hoje pertence a Rene, sobrinho de Ewald. O aposentado recebeu a reportagem na última semana, para falar sobre como tem sido essas cinco décadas na ‘outra pátria’.
Em 1974, a decisão de ir
Ewald é o sétimo de oito filhos que tiveram Beno e Elsa Schwendler. Em Linha Olavo Bilac, na localidade conhecida como Salto, eles plantavam milho e tabaco, e criavam porcos e vacas leiteiras. Era basicamente o mesmo entre os vizinhos e Ewald, quando menino, testemunhou alguns jovens já mais velhos irem em busca de conhecimento na Alemanha. “Nos anos 1960 foram dos Fengler, Kessler, Vogel e Schmidt, que o governo custeou estágios na Alemanha na área agrícola.”
Quando foi para o seminário em Arroio do Meio, onde teria oportunidade de seguir os estudos, Ewald conheceu o padre alemão Martin Schneider Bauer. Foi ele quem levou o primo de Ewald, Cenésio Schwendler, para a Alemanha, em 1972, para trabalhar e aprender técnicas agrícolas por lá. Dois anos depois, o padre voltou ao Brasil. “Em 1974 fui ajudar meu tio Arthur [pai de Cenésio] a colher soja. O padre estava por lá e me convidou. Disse que eles procuravam jovens dispostos a aprender e trabalhar, e como eu era de origem germânica, isso facilitaria.”
Na época com 22 anos e tendo cursado o Científico no Colégio Oliveira Castilhos, Ewald decidiu aceitar. Comunicou a decisão aos pais e eles o apoiaram. Assim, em julho de 1974, o rapaz embarcou num avião com destino à Europa. No hoje município de Halsbach, na Baviera, foi morar com a família Hochreiter, agricultores que criavam vacas leiteiras. “Já naquela época eles tinham uma técnica bem mais avançada do que a gente estava acostumado. A alimentação dos animais era diferente e tinha ordenhadeira elétrica.”

Na Áustria, der brasilianer
O tempo na Alemanha não durou muito, porque Ewald precisava de uma licença para trabalhar. O jeito foi seguir para Oberösterreich, estado austríaco na época anexado à Baviera alemã. Lá, se instalou no povoado (semelhante ao que seria uma localidade do nosso interior) de Kirchdorf, no município de Ried, com a família Berger, também agricultores de produção leiteira. “Na época eles pouco sabiam do Brasil. Sabiam o que viam na TV, no caso o Carnaval no Rio de Janeiro e da Seleção de futebol, com o Pelé. Então se surpreenderam quando souberam que no sul do Brasil tinham descendentes de germânicos e que falavam alemão.” Esse fator fez Ewald ganhar um apelido, que muitos amigos e conhecidos austríacos dizem ainda hoje para se referir a ele: der brasilianer, ou apenas ‘o brasileiro’, em alemão.

Novos amigos, futebol, mas sem churrasco
Ewald conta que na Áustria começou a trabalhar na fábrica de laticínios Molkareich Geimberg, a qual lhe pagou três anos de curso de especialização. Ele iniciou como serviços gerais e depois ficou responsável por toda parte de higienização. Foram 29 anos nessa indústria, a qual comprava leite dos agricultores do povoado de Kirchdorf, incluindo os Berger, que acolheram Ewald como filho.
O aposentado lembra que os primeiros tempos foram difíceis, o que incluiu a língua, já que a pronúncia era bem diferente do dialeto ‘Hunsrik’ que ele aprendeu em casa, sem falar que, eventualmente misturava palavras em português, o que os austríacos não entendiam.
Nos tempos de Linha Olavo Bilac, Schwendler era boleiro e foi meio-campo nos times do Olaria, Ouro Verde e Harmonia. Na Áustria, o futebol também ajudou atenuar a saudade de casa e virou jogador do time amador de Geimberg. Depois, também ingressou no grupo de jovens do povoado e essa socialização lhe possibilitou fazer novos amigos. Com os pais, se comunicava por cartas.
Ewald revela que a comida também lhe causou estranheza nos primeiros tempos. “O tempero era diferente. Feijão só em lata. E churrasco, até hoje, só sai onde tiver um brasileiro. Lá o que fazem muito é o ‘schweinebrot’, que seria um pernil de porco na panela”, explica. Como tomava pouco chimarrão em casa, a bebida não lhe fez falta.

Em 1982, a decisão de ficar na Áustria
Ewald Schwendler só conseguiu rever a família em 1979, ou seja, levou cinco anos para retornar ao Brasil. Mas sua estada aqui foi apenas visita, porque estava estabelecido na Áustria. Ele conta que a decisão definitiva de ficar na Europa aconteceu em 1982, quando casou com Maria Mayr, hoje com 64 anos. Ewald também se naturalizou austríaco em 1983.
O casal tem dois filhos, Tanja, 39 anos, e Alexander, 37, e dois netos, Leonard, 6, e Oskar, 3, ambos filhos de Tanja. Ewald observa que a esposa não aprendeu português, mas a filha fala um pouco, assim como outras línguas, já que trabalhou numa agência de turismo. “Mesmo para mim, que preciso lembrar de como são algumas palavras em português, não domino bem o alemão. Ler é tranquilo, mas escrever sempre achei difícil”, reconhece.
Ewald se aposentou em 2014, depois de trabalhar mais sete anos na KTM Motors, que fabrica motos de trilha. Atualmente, diz que segue na ativa, fazendo alguns serviços de pedreiro e na lavoura, ajudando outros agricultores. O ‘venâncio-airense austríaco’ já conheceu vários países, mas não esquece as origens, por isso, pelo menos uma vez por ano ou a cada dois, vem ao Brasil. Essas visitais já fez acompanhado da esposa e filhos, mas nas mais recentes veio sozinho. Fica cerca de dois meses com os parentes e, neste ano, tem volta marcada para o dia 5 de abril.
Saudades
Sempre que vem, traz algo de lá, como mudas de ‘eiche’, o carvalho alemão. Na entrada da propriedade do sobrinho Rene, uma árvore já grande, plantada nos anos 1990, e outra menor, que trouxe antes da pandemia. “É um pedacinho de lá que trago para o lugar onde nasci.” Perguntado se nesses mais de 50 anos morando longe ainda tem saudades de Venâncio, diz que o sentimento é diferente. “A saudade mudou. Nas semanas que fico aqui, tenho saudade dos meus netos [risos]. É que minha vida agora é lá. A Áustria me deu uma boa vida e minha família. Mas também nunca vou esquecer de onde nasci.”
