Qual é o maior patrimônio que alguém pode acumular durante toda a vida? Já sei que você está pensando em dinheiro. Uma polpuda aplicação rendendo no banco, uma confortável moradia própria, um bom carro, uma folgada renda de aposentadoria, talvez um sítio no interior ou uma casa na praia. Sim, tudo isso é muito bom. Ao contrário do que dizem os idealistas, dinheiro traz felicidade, sim, ou pelo menos ajuda a enfrentar as infelicidades.
Ainda assim, minha idade me levou a concluir que o maior patrimônio de uma pessoa não é o dinheiro: é aquilo que ela aprendeu durante toda a sua vida. O conhecimento adquirido, a sabedoria, a experiência para não errar, a memória do passado para enfrentar o futuro, isso sim é o maior patrimônio que cada ser humano tem de melhor. Desde o grande cientista até o trabalhador braçal, qualquer pessoa passa por esta vida acumulando em seu cérebro um imensurável cabedal de conhecimentos que são únicos, inigualáveis, uma marca registrada que outra pessoa não terá.
Mas aí vem um grande problema: como transmitir adiante esse patrimônio exclusivo? As heranças materiais passam aos descendentes obedecendo leis específicas, escrevem-se escrituras, pagam-se impostos. Já esse patrimônio imaterial que está encarcerado no nosso cérebro, essa relíquia que fomos construindo por muitas décadas de existência, esse Google exclusivo, tudo vai se decompor debaixo de sete palmos de terra ou torrar num forno crematório.
Devia haver um meio pelo qual pudéssemos transferir esse valioso patrimônio diretamente ao cérebro de outras pessoas. Algo que já se vê em alguns filmes futurísticos: deitamos numa maca de laboratório, um misterioso equipamento envolve a nossa cabeça e “chupa” dos nossos neurônios cerebrais todo o nosso conhecimento e o armazena num chip ou coisa parecida. Aí, esse material poderá ser herdado, doado ou vendido para ser implantado no cérebro de outra pessoa,
Chegará a Humanidade a esse ponto? Não sabemos por enquanto. Então, só nos resta contar as nossas vivências a quem quiser ouvi-las. Escrever livros, gravar áudios e vídeos, dar aulas; há várias maneiras de fazer isso. Jovens não se interessam muito em saber dessas coisas passadas, mas gostarão de contá-las quando também ficarem velhos. Eu, que acabo de completar 50 anos de medicina ainda em atividade, decidi atender as sugestões de algumas pessoas prezadas: vou retomar um espaço que já ocupei aqui neste jornal para, semanalmente, contar algumas histórias desse tempo todo, sejam elas alegres ou tristes, leves ou estressantes, mas sempre verdadeiras.
Ficarei honrado demais se você dedicar um pouco da sua atenção para essa parcelamento semanal das minhas memórias. E, como qualquer mortal, espero ter pela frente ainda muito tempo para contá-las.