Desde o início do ano, 12 pessoas tiraram a própria vida em Venâncio Aires, o equivalente a um suicídio a cada 20 dias. O número, apurado pela Vigilância Epidemiológica, a pedido da Folha do Mate, é um alerta para a necessidade de prevenção do suicídio – tema evidenciado, neste domingo, 10, Dia Mundial de Combate ao Suicídio.
O Rio Grande do Sul é o estado brasileiro com os maiores índices de suicídio. Por ano, são cerca de 1,1 mil casos registrados, o que gera uma taxa de aproximadamente dez óbitos por 100 mil habitantes – o dobro da média nacional.
Além disso, dados da Secretaria Estadual de Saúde dão conta de que mais de 3,9 mil tentativas foram registradas no ano passado, embora ainda haja uma baixa notificação dos casos. A estimativa é de que a cada dez tentativas, um suicídio seja consumado.
“Um dos fatores que mais preocupa é que as pessoas que têm maior risco de praticar suicídio são aquelas que já têm uma tentativa prévia”, alerta a psicóloga Camile Luiza da Rosa, do Centro de Atenção Psicossocial (Caps II) de Venâncio Aires. Da mesma forma, ela lembra que a ideia de que, quem fala em suicídio, não faz, é um mito. “Se a pessoa precisa dizer isso para chamar a atenção é porque não está bem.”
Motivações
A assistente social do Caps II, Letícia Güntzel, explica que não é possível apontar um único motivo que leva a pessoa a tirar a própria vida. “O suicídio envolve muitas questões, porque estamos inseridos em vários contextos. Envolve aspectos genéticos, biológicos, psicológicos, sociais e econômicos”, cita.
Segundo a psiquiatra Ivone Claudia Cimatti, entre os fatores de risco estão histórico familiar de depressão ou suicídio, perda de pai ou mãe na infância, existência de uma doença grave e o fato de viver sozinho, ser separado ou viúvo. “Além disso, há aspectos culturais que fazem com que o suicídio seja visto pela sociedade como uma saída aceitável”, observa.
A psicóloga Camile da Rosa também comenta que, embora o discutir o tema suicídio seja um tabu, em muitos casos, as pessoas convivem com histórias de casos na própria família, o que acaba naturalizando o assunto.

Busque ajuda
As profissionais ressaltam a importância de familiares ou amigos procurarem ajuda profissional, o mais rápido possível, ao identificarem que uma pessoa tem ideias suicidas ou apresenta comportamento de risco. “É importante não desvalorizar o relato e ajudar a pessoa a procurar atendimento. Pergunte com que frequência ele pensa nisso e se já planejou algo a respeito, pois esses são fatores de maior risco e implicam a vigilância sobre a pessoa”, orienta Ivone Claudia.
Camile destaca a importância do acolhimento e do diálogo. “É importante oferecer uma escuta sem julgamento, sem interrupções. Precisamos lembrar que, na verdade, a pessoa não quer acabar com a vida, quer acabar com o sofrimento.”
Prevenir é possível
Se uma série de aspectos pode influenciar o suicídio, diferentes questões também são fatores de proteção e contribuem para a prevenção. Desde atividades como grupos de conversa, eventos esportivos e de lazer até a convivência familiar podem auxiliar quem passa por um momento difícil.
Da mesma forma, a psiquiatra Ivone Claudia Cimatti salienta a importância de discutir o tema abertamente. “A melhor forma de prevenir é falar sobre o assunto e esclarecer as verdades envolvidas, levar essas questões para a sala de aula, para a comunidade.”
A rede pública de saúde oferece ajuda profissional para prevenção ao suicídio. A orientação é para que se procure a unidade básica de saúde mais próxima. Nesses locais, será realizado encaminhamento para o Caps ou outro serviço que possa auxiliar, de acordo com o caso.
Além disso, o Centro de Valorização à Vida (CVV) oferece apoio emocional e escuta a pessoas que estão com pensamentos suicidas. Basta ligar de forma gratuita para o telefone 188 ou acessar o chat pelo site www.cvv.org.br, para conversar com um dos voluntários.
Suicídio na região é tema de estudo estadual
Os municípios do Vale do Rio Pardo, abrangidos pela 13ª Coordenadoria Regional de Saúde (13ª CRS), estão participando de um projeto-piloto do Observatório de Análise da Situação do Suicídio no RS. A iniciativa é vinculada ao Comitê Intersetorial de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS).
De acordo com a assistente social e coordenadora do comitê, Andréia Volkmer, a expectativa é de que até o fim do ano, já se tenha um diagnóstico mais apurado sobre os suicídios na região. “O que temos de dados, hoje, não nos dá informações completas. Com esse trabalho, vamos nos aproximar da realidade e poder pensar em estratégias efetivas”, enfatiza, ao lembrar que a 13ª CRS é a segunda do estado com maior índice de suicídio, atrás, apenas, da 19ª CRS, com sede em Frederico Westphalen.
Em um primeiro momento, o estudo contempla a apuração de casos registrados nas cidades, incluindo Venâncio Aires, e os serviços de apoio oferecidos. Posteriormente, serão ouvidos familiares, com o objetivo de realizar autópsias psicossociais dos casos. “É um instrumento qualitativo para entendermos melhor os casos.”

Fique atento
– Frases como “Estou sendo um incômodo”, “Gostaria de sumir”, “Não sei mais o que faço”, “Queria dormir e não acordar mais” podem indicar risco de suicídio. Além disso, deve-se atentar para mudanças de comportamento, como quando a pessoa fica muito calada e desinteressada por atividades rotineiras e de lazer.
– Embora, às vezes, o suicídio seja praticado por impulso, em outras ele é planejado. Nesses casos, a pessoa deixa sinais, como visitar pessoas que há tempo não via, quitar todas as contas e passar para alguém as senhas de contas bancárias.
– Entre os transtornos mentais ligados ao suicídio, o principal é a depressão. Além disso, também pode haver ligação com transtorno de humor bipolar, alcoolismo, síndrome do pânico, transtorno de personalidade e Borderline e, menos frequentemente, com esquizofrenia e transtornos delirantes.
Fonte: psiquiatra Ivone Claudia Cimatti, psicóloga Camile Luiza da Rosa e assistente social Letícia Güntzel.
Suicídio e agricultura
Historicamente, Venâncio Aires tem altos índices de suicídio. Para a psiquiatra Ivone Claudia Cimatti, o fato pode tem com como motivação um somatório de fatores genéticos e socioculturais. “Questiona-se, também, o contato com organofosforados – venenos usados no cultivo do tabaco”, comenta.
De acordo com a psicóloga Camile Luiza da Rosa, estudos mostram, também, que a dependência de uma única fonte de renda, como no caso da cultura do tabaco, pode ser um fator de risco para o suicídio. Casos de perda de toda a produção do ano, por um fenômeno climático, por exemplo, pode desencadear a tentativa de suicídio em agricultores. “Se acontece alguma coisa na agricultura, eles ficam sem trabalho, o que interfere tanto na questão financeira quanto de ocupação”, analisa Camile.
Ainda, de acordo com a psicóloga, o próprio desordenamento social pode contribuir com casos de suicídio. “Quando se perde a referência de regras na sociedade, com desemprego, corrupção, caos na política, há um desordenamento tão grande que as pessoas também se perdem com relação aos valores.”