Amor não sufoca, não prende

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Quando um relacionamento passa a sufocar, é preciso ficar atento. Para ser boa, uma relação precisa ser saudável. Quando abandona-se gostos, passatempos e até momentos com amigos, por conta de um relacionamento, é sinal de que as coisas não vão bem.

Um namoro na qual uma das partes tem mais poder e passa a definir o que a outra pode ou não fazer tem nome: relacionamento abusivo. E, embora possa parecer algo distante e até possa ser considerada normal, essa situação faz parte da vida de muitos adolescentes.

Nesta edição, mergulhamos neste tema que é difícil de abordar, mas que precisa ser encarado de frente. Nosso desejo? O de possamos construir um mundo com mais igualdade e respeito entre meninos e meninas, onde não se confunda amor com violência psicológica, abuso e cuidado.

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Depois do fim do relacionamento com o primeiro namorado, Natália* percebeu o quanto a relação lhe fazia mal. “Nos conhecemos em um evento na cidade e depois começamos a conversar por uma rede social, começamos a sair e acabamos ficando juntos um ano e sete meses.”

Entre a paixão e as descobertas do relacionamento, despontavam o ciúme e frases que, no início, pareciam inocentes, mas tinham um peso enorme sobre Natália, que tinha 15 anos: “Tu é só minha”, “Eu preciso de ti” e coisas desse tipo.

“Na época que ele falava essas coisas para mim, eu me sentia especial, bem bobinha com o primeiro namorado. Ele também falava que eu não tinha amigas, que elas não gostavam de mim e que eu só poderia contar com ele”, lembra.

Outro fato que marcou Natália é que, em festas nas quais ia junto do namorado, ele não permitia que ela dançasse. “Eu gostava muito de dançar e ele falava que não era para eu dançar e ficava bravo. Chegou um momento que minhas amigas começaram a falar que eu não precisava dele pra tudo, que poderia sair sem ele”, conta.

O relato de Natália é exemplo de um relacionamento abusivo. Quando se fala em abuso, nem sempre se trata de violência física. Ele vai além: é quando uma das pessoas da relação tenta controlar a outra, manipula a realidade e interfere na relação dela com outras pessoas, em muitos casos, afastando-a dos amigos e de coisas que gostava de fazer.

“Se eu começo a namorar e o outro quer impôr regras, mudar completamente minha rotina, e se eu não concordo com isso, devo começar a desconfiar que estou sendo vítima de um relacionamento abusivo”, explica a psicóloga Aneline Schneider Decker, 38 anos. “Todo o ser humano tem os mesmos direitos e deveres. Toda vez que uma relação está baseada em direitos pensando em gênero, temos uma desigualdade e isso gera um relacionamento abusivo”, complementa.

Aneline e a também psicóloga Márcia Preuss, 45 anos, atuam na Delegacia da Mulher de Venâncio Aires, pelo Programa de Atendimento a Mulher (PAM). De acordo com as profissionais, em muitos casos, a violência toma outras formas de manifestação como violência psicológica, sexual e financeira, e muitas situações de abuso no relacionamento são manifestados de forma silenciosa, difícil de ser percebida.

Segundo Márcia uma situação de agressão costuma iniciar com a falta de respeito, evoluindo para a violência psicológica e culmina com a violência física. “Mas cada caso é um caso, geralmente para o sujeito que está sofrendo o abuso, perceber essa situação depende muito das vivências, da família, do acesso à informação e na maioria vezes a posse sob o outro é confundida por amor, ciúmes. As vezes os sinais abusivos nítidos podem demorar a aparecer.”

As psicólogas do PAM comentam que o maior número de atendimentos é para meninas. “Nos últimos anos, os casos de relacionamento abusivo entre adolescentes têm aumentado muito. Atendemos muitos casos de violência doméstica entre jovens”, destaca Aneline.

MÁRCIA PREUSS E ANELINE SCHNEIDER DECKER, PSICÓLOGAS DO PAM

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Como ajudar um (a) amigo (a) que sofre um relacionamento abusivo?

A orientação das psicólogas Aneline e Márcia é que se tente conversar, questionar as situações que estão acontecendo, mostrar que algo não está bem, mas não determinar nada. “Quem tem que tomar uma atitude e, no caso mais sério, denunciar é a vítima. Só podemos tentar ajudar”, explica.

Além disso, outra dica das profissionais é observar que tudo o que um pode o outro também deveria poder, em um relacionamento. “As ações não deveriam estar baseadas se é menina ou menina. Se é viável para um, é viável para os dois”, diz Aneline.

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Como pedir ajuda

A Central de Atendimento à Mulher funciona todos os dias da semana, 24 horas por dia, por meio do telefone 180, para auxiliar em casos de abuso. Também é possível procurar a Delegacia da Mulher. Em Venâncio Aires, você pode procurar o atendimento do PAM, que fica junto da delegacia e realizar uma conversa inicial com as psicólogas. Vale lembrar, também, que professores, familiares e amigos de confiança também são pessoas indicadas para desabafar, quando você não estiver se sentindo bem.

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Olhar atento na escola

O desequilíbrio de poder em um relacionamento pode causar sérios danos emocionais aos adolescentes e, se não for impedido, pode prejudicar a aprendizagem e ter reflexos na vida adulta dos alunos, conforme destaca a orientadora educacional, Ana Cristina Fontana.

Ela afirma que escola e família precisam ter um olhar diferenciado sobre o problema. “Se não, certamente alguns destes alunos poderão ter sérios comprometimentos em suas relações sociais e amorosas, ressaltando aqui os homicídios, seguidos ou não de suicídios”, salienta.

Ana Cristina explica que o desequilíbrio de poder em qualquer relação pode ser gerado por ciúmes e, principalmente, pelo sentimento de posse. Ela observa que, em geral, não se percebe que existem problemas nesses relacionamentos e, para a maioria dos jovens, eles parecem normais. “Mas não são”, esclarece.

Além disso, em grande parte dos casos, os adolescentes têm dificuldade de procurar ajuda porque o medo supera a vontade de resolver o problema. “Por isso, no ambiente escolar a observação e o combate contínuos amenizam e quebram este ciclo. Quando os casos são declarados em forma de depoimentos, são realizados diálogos com os envolvidos, chamamento dos responsáveis, caso as situações persistam, encaminhamento para as redes de apoio (psicólogos, Conselho Tutelar), bem como o monitoramento dos casos para que não reincidam”, ressalta a orientadora educacional.

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Peça de teatro para alertar

Você sabe identificar quando o relacionamento é abusivo? Com o objetivo de tratar questões como relacionamentos entre casais e as relações superficiais entre as pessoas, o Núcleo de Artes do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) de Venâncio Aires, está trabalhando em uma nova peça teatral que deve estrear no fim deste mês, com apresentação na Escola Estadual de Ensino Médio Monte das Tabocas.

De acordo com as estudantes Laura Galarsi e Regina Schneider, de 17 anos, que integram a peça, o objetivo é falar sobre essas questões que estão no cotidiano e que só são percebidas depois que terminam, como é o caso de relacionamentos abusivos. “Queremos fazer as pessoas notarem isso, perceber que vivem isso, porque, geralmente, só quem vive não consegue ver”, afirma Laura.

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Dica de série: You


Quer saber mais sobre o tema? Uma dica é assistir à série You, da Netflix, baseada no best seller homônimo de Caroline Kepnes. A trama narra todos os mistérios que envolvem o romance entre o casal, que não é tão perfeito assim. Joe Goldberg começa a perseguir Guinevere Beck nas redes sociais até descobrir tudo sobre sua vida, revelando-se um stalker nato.

Ao passar do tempo, o jovem percebe que só vai conseguir a atenção completa de sua amada se eliminar os obstáculos entre eles. O protagonista quer toda a atenção de Guinevere voltada a ele. Quando ela sai com a família, amigas e até quando inicia a terapia, ele prontamente desconfia e persegue, além dele possuir acesso a todos os conteúdos do celular de Guinevere.

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