O pai dele virou nome de rua e o da mãe inspirou uma comunidade em Venâncio Aires. Mas ser filho de personagens importantes no bairro Diettrich não faz de Felix Buzata, 58 anos, um mero coadjuvante. Pelo contrário. Há quase 50 anos, ele, que cresceu junto com o bairro, segue como uma das figuras mais influentes daquelas bandas.
O aposentado tinha 12 anos quando foi morar na então Vila Diettrich, em 1972. O nome da vila já merece outra história, mas hoje vamos à do Felix. O pai Orestes e a mãe Ana foram o terceiro casal a se instalar ‘naquele canto’ do vasto bairro Santa Tecla, onde não havia ruas, apenas uma estrada de carroça. “O pai tinha comprado quatro terrenos e sete hectares próximo da várzea”, conta, se referindo ao trecho conhecido como Passo das Pedras.
Aquela parte ainda era ‘colônia’, com muitas lavouras, animais e galpões. E foi no galpão dos Buzata que começaram as missas. “Nos anos 70, não tinha outro lugar. Do Cemitério Municipal até o trevo do Sapé, tinha apenas uma pequena comunidade, onde hoje é a Sercsate”, lembra.
Além do galpão de Orestes, as missas também foram realizadas na cancha de bocha de Vitorino Miorando e nas casas de outras famílias. Mas não apenas as rezas eram improvisadas. Com muitas mulheres participantes, já havia um clube de mães em formação, o que sempre deixou Ana Legramante Buzata, a mãe de Felix, ‘encafifada’.
A matriarca entendia que era necessário ter um local fixo para reuniões e as missas, mas, até ela falecer, no dia que Pedro Simon foi eleito governador do Rio Grande do Sul, não viu o desejo se realizar. O pedido ficou para os filhos: destinar dois terrenos da família para o clube de mães ter um prédio próprio.
Isso não aconteceu de imediato, em 1986. Levou um pouco mais de tempo e o terreno foi outro. “Compramos um terreno, com ajuda de todos os moradores, ‘mais pra cima’” e aponta onde hoje está o ginásio da comunidade do bairro. “Quem fundou foi eu, o Antônio Valdomiro dos Santos, as mães do clube e o padre Elo”, lembra. O nome, Santa Ana, foi uma homenagem à mãe de Felix, e à avó materna de Jesus.
ORGULHO
Presidente fundador da Santa Ana, Felix é o diretor de patrimônio da comunidade, mas ‘já fez de tudo’. Ele lembra que nos anos 1990, antes da pré-inauguração no governo Celso Artus, quatro festas, geralmente no mês de julho, foram realizadas em outros locais. “Três anos na São Francisco Xavier e uma na Sercsate”. A Associação Esportiva Recreativa e Cultural Santa Tecla, aliás, ele também ajudou a fundar.
“Sempre gostei de ajudar nas comunidades, já ajudei muito na galinhada do centro também. Era meu sonho termos uma comunidade no Diettrich e erguemos com a ajuda dos moradores.”
O ginásio da Santa Ana, hoje, recebe outras atividades além das missas e da reunião do clube de mães. É ponto de encontro do grupo da terceira idade, da sociedade de damas Alegre (do antigo salão Liebenstein), das sociedades de damas e cavalheiros da comunidade e dos ensaios do CPF Terra de um Povo. Sem falar nos jogos de loto e aluguéis para festas.
FAMÍLIA
Até os 12 anos, Felix morou em Linha Santa Terezinha, hoje pertencente a Boqueirão do Leão. Em 1960, era uma localidade entre Marmeleiro e Sete Léguas. Era o oitavo de 11 irmãos.
Em 1972, já no Diettrich, estudou até a 5ª série, passando pelas escolas Leontina e Cônego Albino Juchem. Quando parou de estudar, foi para o “cabo de arado”, ajudar os pais nas lavouras de soja, milho e tabaco.
Aos 18 anos ficou um curto período no Exército, quando começou a trabalhar em olarias, como do Schwingel e do Wachholz. Também foi servente e serviços gerais no supermercado Marquetto, isso em 1982. Foi nesse ano que casou com Lourena Kipper, depois de se conhecerem em um baile na Secma, em Monte Alverne, interior de Santa Cruz, de onde ela é natural.
Já casado, trabalhou a maior parte da vida como pedreiro. Felix e Lourena tem uma filha, Cristiane, 36 anos. Ela é mãe do Nathan, 13, único neto do casal.
Perna ‘comprometida’ pelo futebol e o diabetes
Quem conviveu com Felix na juventude vai lembrar dos tempos de Santos, time que jogava em um campo que não existe mais, na quadra entre as ruas Sete de Setembro e Beno José Wendt. Lá, ele reconhece, tentou mostrar algum talento, mas era mais um ‘quebra galho’ do que propriamente o craque do time.
No entanto, sua polivalência chamava atenção. Podia ser goleiro, zagueiro, meia esquerda (apesar de ser destro) e centroavante. Nessas épocas, ajudou a conquistar alguns troféus de torneios amadores e, nos anos 80, estava no time do Palmeiras, de Arroio Grande, que conquistou a chamada Taça de Prata. “Participava do Taça de Ouro somente os times que tinham alambrado no campo.”
Mas a carreira de jogador foi curta e uma lesão grave no joelho direito o fez pendurar as chuteiras. Isso foi com 26 anos, duas décadas antes de sofrer mais um ‘baque’ na perna direita. Quando tinha entre 45 e 46 anos, o diabetes ‘veio com tudo’, mesma doença que acometeu a mãe e duas irmãs. A agressividade foi tamanha, que Felix perdeu o pé direito. Nisso, já são 10 anos e a muleta virou peça necessária. “Até tentei usar prótese, mas não me adaptei. Quem me ajudou foi o Nego, sapateiro, que fez uma botinha. Essa sim, dá certinho.”
Ele não nega que sente falta do futebol, mas também não lamenta. “Eu me tornei útil para outras coisas e isso (aponta para a perna) não me impediu de ajudar os outros e a comunidade.”
RESSALVA
Ao fim da entrevista, Felix ainda fez uma observação a esta repórter. “Quando a diabete apareceu, me disseram que a memória poderia falhar. Então talvez eu não consegui lembrar de muita coisa.”
Depois de tanta história e tantas linhas, talvez nem é preciso dizer que as lembranças foram mais do que suficientes. Devem haver outras, com certeza. Mas elas ficam para um próximo chimarrão.