À memória da família e da cultura

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Qualquer venâncio-airense, criado ou não no interior, sabe que uma estufa de tabaco (ou forno de fumo como é chamado pela maioria) pode ser usada para várias coisas quando é desativada. Como depósito de ferramentas, para estocar lenha, adubo e até virar criadouro de animais.

Mas, se contarmos que existe uma, totalmente remodelada e transformada em biblioteca/museu, você acreditaria? Sem nunca ter visto nada parecido, esta repórter também duvidava do que poderia encontrar e, confessa, foi uma surpresa.

Do lado de fora, um forno tradicional, que não dá indicativos do que guarda dentro dele. (Foto: Débora Kist)

Esse lugar inusitado fica em Vila Palanque, a cerca de oito quilômetros do centro de Venâncio Aires, no Sítio da Luz, de propriedade do casal Schwertner. É lá que a Amélia e o Clóvis mantêm um espaço especial, dedicado à memória da família e da cultura.

Do lado de fora, é uma estufa de tabaco tradicional, com sua porta de madeira, varanda e tijolos à vista, sem reboco. Mas, ao entrar, não há a costumeira escuridão, nem fornalha, canos de alumínio ou chão batido. O cenário é completamente outro.

Piso de cerâmica, luminárias, tapetes e até um banheiro. Para ter certeza de que o espaço já foi um forno é preciso olhar para cima. As toras de madeira usadas anteriormente para sustentar as varas de tabaco seguem lá, mas a primeira fileira agora serve de base para prateleiras de livros. Parte da antiga fornalha foi derrubada e virou uma grande lareira.

LIVROS
Ocupando toda a extensão de uma das paredes, armários antigos comportam cerca de dois mil livros com ‘um pouco de tudo’. Medicina, Artes, Pintura, História, Geografia, Ecologia, Agricultura, Arquitetura, Literatura em geral e até enciclopédias. É uma biblioteca completa, mas, os próprios donos reconhecem, ainda precisa de um bibliotecário para catalogar e colocar tudo em ordem.

“Na nossa vida, onde moramos, sempre tinha que ter um espaço para a biblioteca. E como na nossa casa não era possível, pensamos no forno, que curiosamente era mais seco”, revela Amélia Simões Schwertner, 70 anos.

Ela e o marido Clóvis Schwertner, também com 70 anos [atual secretário municipal de Meio Ambiente], se autointitulam “dois ratos de biblioteca”. O gosto por livros, merecia, então, um lugar especial, pensado logo depois de se mudarem para o sítio, há cerca de seis anos. “Aqui também acaba sendo um local de trabalho e para pesquisa. A gente encontra de tudo”, conta o engenheiro agrônomo.

Homenagem ao pai Affonso Neto

Hoje aposentada, Amélia atuou durante anos como arquiteta fazendo planejamentos urbanos e planos diretores para prefeituras gaúchas, além de dar aula em universidades do estado. Mas, nos últimos anos, a dedicação foi pensar nessa biblioteca/museu.

Parte desse carinho e zelo também está no nome do local, pintado, de maneira simples mas delicada, em um pano de prato, pendurado à porta. É chamada de Diógenes, nomenclatura maçom do pai dela, Affonso Simões Pires Neto. “Diógenes foi o filósofo grego que andava em Atenas, com uma lanterna em mãos, à procura da verdade e de homens honestos”, explica Amélia.

Ela não esconde orgulho do pai, falecido em 1978, aos 56 anos. Muitos livros, aliás, eram dele, que foi médico cirurgião em Porto Alegre. Também do homenageado, a biblioteca/museu conta com a escrivaninha, adquirida nos anos 1940, e a lâmpada de mesa. “Lembro de criança ver meu pai debruçado em estudos e anotações.”

Amélia destaca que tudo dentro da ‘ex-estufa’ tem uma história. “Cada objeto tem importância e uma lembrança especial de momentos que vivemos. É para guardar a memória da família, claro, mas para que se respire cultura também. Olha quanto conhecimento!”, exclama, apontando para os armários e prateleiras.

Também nas paredes, dezenas de fotos de antepassados, troféus, medalhas, certificados e diplomas.

Amélia em frente à escrivaninha que foi do pai, o médico Affonso, e o qual gera muitas lembranças no local. (Foto: Débora Kist)

VISITAS

Com tanta história e cultura guardadas dentro da antiga estufa, os Schwertner dizem que não é algo fechado e que visitas são bem-vindas. Em certa oportunidade, até uma turma de estudantes foi conhecer o lugar. “Se alguém quiser conhecer, pode vir, sem problemas. É só combinar”, afirma Amélia. Para tanto, o casal disponibilizou um contato: 3793-0283.

RELÍQUIAS

Dom Quixote e Sancho Pança, personagens de Miguel de Cervantes, um dos autores favoritos de Amélia. (Foto: Débora Kist)

1 Como mencionado por Amélia, cada objeto dentro da biblioteca/museu Diógenes tem uma história. Entre seus objetos favoritos, ela mostra uma pequena estatueta de Dom Quixote e Sancho Pança, presente trazido pelo filho Marco Antônio, quando esteve na Espanha. Os personagens icônicos foram criados por Miguel de Cervantes, um dos autores favoritos dela.

2 Outro item importante está em meio aos milhares de livros. Uma edição de O Presidente Negro, uma das obras ‘adultas’ de Monteiro Lobato, escrita na década de 1920. Ainda assim, Amélia revela que as obras favoritas dela integram as coleções infantis do autor, as quais foram doadas.

3 No centro da biblioteca, para se sentarem confortavelmente próximo à lareira, há duas cadeiras de balanço. Uma delas com quase 40 anos, quando nasceu o filho do casal Schwertner, Marco Antônio. A outra, foi o presente de 60 anos de Amélia para a mãe Paula da Luz Simões Pires. É por causa da família da mãe, que as terras em Vila Palanque receberam o nome de Sítio da Luz.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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