Por Cassiane Rodrigues e Juliana Bencke
Não é preciso conhecer muito sobre Venâncio Aires para descobrir porque o município é considerado a Capital Nacional do Chimarrão. Companheira de todas as horas, a bebida à base de erva-mate agrada de jovens a idosos; no inverno e no verão; em casa, no local de trabalho ou em eventos públicos; logo após acordar, antes do almoço ou ao anoitecer.
O que, em Venâncio Aires faz parte da rotina dos moradores chega a ser inusitado, aos olhos de quem é de fora: em algumas comunidades do município, até mesmo em velório é possível encontrar alguém com uma cuia na mão.
Além de perpetuar a cultura do chimarrão, a tradição fomenta a indústria da erva-mate. No ano passado, o faturamento das cinco ervateiras do município foi de R$ 54.308.156,67. De acordo com o secretário municipal da Fazenda, Eleno Stertz, o valor representa em torno de 0,89% do Produto Interno Bruto (PIB) de Venâncio Aires.
As duas maiores ervateiras – Madrugada Alimentos e Agroindustrial Elacy – figuram entre as maiores indústrias de Venâncio por Valor Adicionado Fiscal (VAF): na 12ª e na 25ª posição, respectivamente, conforme faturamento de 2018. Além disso, estão entre as 25 empresas venâncio-airenses que mais exportam.
O impacto, entretanto, vai além: é praticamente impossível encontrar um supermercado, ponto de conveniência ou armazém – por menor que seja – que não venda erva-mate. Até mesmo em farmácia é possível encontrar o produto.
Além disso, mesmo em épocas de crise, a erva segue como um dos itens indispensáveis na lista de compras do venâncio-airense. “O mercado da erva-mate é estável, pois é um produto barato e que é compartilhado pela família, por isso, não pesa no orçamento”, observa o diretor da Madrugada Alimentos, Lúcio Metzdorf.
HÁBITO DIÁRIO
Assim como muitos gaúchos, Celso Martins Sehn, 68 anos, é adorador de um bom chimarrão. Ele prepara de duas a quatro cuias da bebida por dia. Mais que um hábito, a bebida é uma forma de ele estar ligado às tradições do Rio Grande do Sul. “É um companheiro diário. Já bebi todas as bebidas que existem, mas em todas parei. O único que permaneceu foi o chimarrão”, afirma.
A relação de Sehn com a bebida símbolo dos gaúchos começou na adolescência. Ele era aluno do Colégio Professor José de Oliveira Castilhos, onde conheceu uma moça do interior que veio para a cidade estudar.
Músico e roqueiro nato, nunca tinha provado chimarrão até então. Foi numa visita à casa da família da jovem, em Linha Taquari Mirim, que Sehn tomou o primeiro mate amargo e aprovou. Agora, são mais de 50 anos tomando chimarrão com quem apresentou a bebida a ele: Marlene, esposa e mãe dos dois filhos do casal. Toda a família aprecia chimarrão, mas é Sehn quem toma mais.
Há alguns anos, tem como aliado o gengibre na hora do preparo. Coloca algumas lascas direto na cuia e acostumou com o sabor diferenciado. “Falavam muito bem do gengibre, que é bom pra saúde, então ele está sempre no meu chimarrão”.
Elacy e Madrugada estão entre as empresas venâncio-airenses que mais exportaram, em 2017, conforme a Secretaria Estadual da Fazenda. Elas ocupam, respectivamente, a 18ª e a 23ª posição no ranking.
Saiba mais
1 Entre os anos 1990 e 2000, Venâncio foi o maior produtor de erva-mate do estado. Agora, figura entre os 15 municípios líderes, com 1.350 hectares de área cultivada. Segundo a Emater/RS-Ascar, são 480 famílias envolvidas no cultivo da planta no município.
2 Na Festa Nacional do Chimarrão (Fenachim), realizada em maio deste ano, foram distribuídos 1,9 tonelada de erva-mate e 11 mil litros de água quente, durante os nove dias de evento.
3 Com sede em Linha Travessa, interior de Venâncio Aires, a Escola do Chimarrão já esteve em
320 municípios de sete estados brasileiros, cinco países da Europa e Estados Unidos, com a proposta de cultuar as tradições e difundir a bebida símbolo dos gaúchos. O instituto apresenta 37 tipos de chimarrão, entre eles o que pode ser feito em apenas 11 segundos.
4 Segundo a Escola do Chimarrão, pesquisas dão conta que a erva-mate tem muitos benefícios. É estimulante das atividades físicas e mentais, auxilia do trabalho digestivo, é rica em sais minerais e vitaminas, entre outros.
Madrugada, líder entre as mais lembradas
Venâncio Aires é sede da erva-mate preferida dos gaúchos, conforme o Top of Mind, do Grupo Amanhã: a Madrugada. A marca ocupa primeiro lugar do ranking, divulgado em agosto deste ano, com 14,9% da preferência.
Fundada em abril de 1942, a Madrugada Alimentos conta com 120 funcionários e tem capacidade para produzir até 600 toneladas de erva-mate por mês. A empresa ocupa a posição de 12ª indústria com maior representatividade de Valor Adicional Fiscal (VAF) de Venâncio Aires, com base no ano de 2018.
Na matriz no Distrito Industrial em Venâncio Aires é feita a moagem e empacotamento da erva-mate e demais produtos da empresa, bem como administração e vendas. Além disso, a empresa também tem filiais em Linha Travessa, interior do município, em Soledade e no município de Rio Azul, no Paraná. Nesses locais são realizados os processos de secagem e cancheamento. A finalização das embalagens e distribuição dos produtos é feita toda por meio da sede do Distrito Industrial.
De acordo com o diretor Lúcio Metzdorf, a força de vendas da empresa se dá, principalmente, ao contato com um grande número de clientes, em todo o Rio Grande do Sul e em outros estados. Além disso, há exportação para os Estados Unidos.
“Comercializamos nossos produtos para grandes redes de supermercados, mas também para minimercados em diferentes partes do estado. Hoje, a grande Porto Alegre é o maior polo consumidor”, diz. Ele afirma que se limitar a distribuição, vai atingir apenas uma parte da sociedade e este não é o objetivo da ervateira.
Metzdorf conta que a Madrugada ‘nasceu’ por meio de um grupo de 23 sócios formado por empresários e produtores rurais. O avô dele fazia parte da sociedade, que aos poucos foi perdendo membros, ficando somente com a família Metzdorf.
A inovação foi marca da empresa ao longo dos anos. No início, a secagem das folhas de erva-mate era feita por meio de sapeca na fogueira, para posteriormente ir para um forno. “As folhas ficavam três ou quatro dias secando a erva-mate”, explica.
Já hoje, os secadores suportam de três a cinco toneladas por hora. O mesmo volume de folhas que antes era secado em dias, hoje leva apenas de 6 a 7 minutos. “Agora temos uma melhor qualidade e conseguimos isso com menos gente”, destaca o diretor da empresa. Ele observa, ainda, que, por ser um produto natural, a erva tem muitas variações de cor e sabor, conforme a região na qual é produzida. Na fábrica, o processo automatizado e o uso de silos possibilitam um blend da erva-mate, com o percentual de erva de cada local, para garantir o sabor diferenciado e manter o padrão.
Diversidade
A Madrugada Alimentos tem, hoje, seis tipos de erva: Tradicional, Moída Grossa, Pura Folha, Requinte, Original e Verde. A marca também conta com quatro compostos de erva-mate com chá e dois tipos de erva para tereré. Além disso, há 25 anos, trabalha com mais de 40 tipos de chá. Há pouco mais de uma década, gelatina e pó para pudim também fazem parte da produção.
Elacy: aposta em um mercado além do chimarrão
Das cerca de 300 toneladas de erva-mate produzidas, por mês, pela Elacy, de 40% a 45% são voltadas ao mercado externo. A ervateira, criada há mais de 60 anos, em Linha Cachoeira, está localizada em um complexo de cerca de cinco mil metros quadrados na RSC-287, em Linha Ponte Queimada, onde atuam 37 funcionários.
Do local, além dos tradicionais pacotes de erva-mate Elacy para chimarrão, saem toneladas do produto que atravessam as fronteiras brasileiras e chegam a países da Europa, Ásia e América, para serem utilizados como matéria-prima para outros produtos. “Vendemos para toda a Europa. A Alemanha é o maior comprador europeu, especialmente para a fabricação de cosméticos, refrigerante e cerveja. A composição da erva-mate chama atenção, por ser muito completa, rica em nutrientes e flavonoides”, explica um dos diretores da Elacy, Gilberto Luiz Heck.
De acordo com ele, a empresa focou no mercado externo a partir da abertura da filial em Cruz Machado, no Paraná, em 2009. No local, o cultivo de erva-mate nativa sombreada, em bosques de Mata Atlântica, garante folhas mais maduras e completas em sua composição, por conta do crescimento mais lento, as quais se transformam na erva verdinha, preferida pelos consumidores brasileiros.
“Hoje, 90% da erva-mate para mercado interno é de ervais sombreados. Isso qualificou o produto e conseguimos alavancar no mercado nacional. Com isso, abriram-se as portas para comercializar o excedente no mercado externo e, hoje, já temos até 45% da produção vendida para fora do país.”
A expertise da Elacy foi, justamente, oferecer para os consumidores de fora do país a erva mais encorpada e amarga – resultado do solo vermelho e da lavoura com bastante insolação, de Venâncio Aires -, que não agrada o paladar dos brasileiros.
“A secagem da erva exportada é diferente, mais lenta, ela descansa de oito a 16 meses, quando vai perdendo a cor. A erva produzida em Venâncio se adapta muito bem ao mercado externo, tem sabor mais acentuado e muito utilizada na Argentina, no Uruguai e no chile, onde é usada em recipientes menores e individualizados”, detalha Heck.
Na fábrica da Elacy em Venâncio Aires são produzidas as ervas Campero, De Pago em Pago e Livre, vendidas ao Uruguai. As duas primeiras saem embaladas enquanto a última é embalada no país vizinho. Além disso, a empresa produz e embala a Aruba, comercializada no Chile.
Produtos
O mix de produtos da Elacy conta com erva-mate Moída Grossa, Premium e Tradicional, além de dois tipos de composto: com menta e com chás. Em dezembro do ano passado, a empresa lançou quatro opções de tereré, voltando-se ao público jovem. Os produtos com sabor Tradicional, Menta com Limão, Menta com Abacaxi e Menta com Boldo também utilizam a erva-mate cultivada no município. “Assim como é propícia para venda no mercado externo, a erva-mate de Venâncio se adapta muito bem ao tereré”, destaca o diretor Gilberto Luiz Heck.