Foi em um feriado de Tiradentes, em 2017, que Gean nasceu. Deveria ter nascido em 18 de maio, no aniversário do bisavô Benno (seu segundo nome, aliás), mas veio ao mundo com 36 semanas, um pouco antes do tempo ideal.
Prematuro, teve pneumonia e precisou de uns dias na incubadora. E foi só. Durante um ano e quatro meses, o menino cresceu saudável e sem maiores complicações. Mas, em agosto de 2018, tudo mudou. Começou com uma forte gripe contraída por ele e pela mãe, Gabrielle Borba Gonçalves, 23 anos. Uma ida ao plantão do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) resultou na receita de dias seguidos de antibióticos. Mas a febre não baixava.
Em casa, em Centro Linha Brasil, interior de Venâncio Aires, Gabrielle e o marido, Gelson Fabiano Bohn, 41 anos, perceberam um inchaço próximo à garganta, logo abaixo do queixo do filho. No banho, repararam em pintinhas vermelhas e hematomas no corpo do pequeno. Já no dia seguinte, após consulta com a pediatra, o menino foi encaminhado para remover um abscesso (que seria o causador do inchaço) naquele mesmo dia. No entanto, o médico não apareceu para a cirurgia. Quem voltou foi a pediatra, com o exame de sangue nas mãos e a preocupação: plaquetas muito baixas. Ali, a primeira vez que ouviram a tal palavra. “Nos disseram que era algo grave no sangue e não dava para descartar leucemia”, lembra Gelson.
No outro dia, novos exames constaram o volume plaquetário ainda mais baixo e começaram as transfusões sanguíneas. Imediatamente, a equipe do HSSM contatou o Hospital de Clínicas, em Porto Alegre. Como já havia suspeita, a busca era por uma vaga no setor de oncologia. De forma rápida, o casal e a criança seguiram para a capital no dia seguinte. Entre a biópsia e a confirmação de leucemia, foram apenas algumas horas. Mas, depois disso, as horas virariam meses.

Sobre o tratamento, muito iogurte e um urso ignorado
Assim que receberam o diagnóstico, o primeiro procedimento foi o tratamento com corticoides. Como Gean não reagiu positivamente à medicação e a ‘balança’ pendia para o lado mais grave da doença, os médicos decidiram dar início à quimioterapia.
Desde que entrou, em 21 de agosto de 2018, foram praticamente cinco meses ininterruptos em Porto Alegre. Eventualmente, recebia alta no sábado, com a condição de voltar na segunda. Depois, foram internações mais curtas, com o tratamento em ciclos, seja com medicação oral ou pelas veias.
Os primeiros tempos foram complicados e os medicamentos severos não lhe davam apetite. “Passou um mês praticamente à base de iogurte. Perdeu o paladar e não queria comer. Mas, graças a Deus, eles sempre foi gordinho e não baixou tanto o peso”, conta Gabrielle.
Além da alimentação, a preocupação dos pais era um ursinho de pelúcia, companheiro inseparável na hora do sono do pequeno e uma espécie de ‘calmante’. “No quarto não podia ter nada de pelúcia e coloquei dentro de um plástico. Mas, por incrível que pareça, o Gean não pediu mais por ele, nem quis saber. Então guardei”, relata a mãe.
Como não havia segurança de que só as quimioterapias resolveriam, Gean logo entrou na fila para receber um transplante de medula. Para isso, precisava estar com a doença ‘negativada’, o que se confirmou alguns meses depois de iniciar o tratamento. Restava, assim, encontrar um doador compatível.

A confirmação do transplante
Gean é filho único do agricultor Gelson e a da dona de casa Gabrielle. Um irmão seria uma possibilidade de doador compatível de medula. Mas, ainda assim, a probabilidade seria de 25%. Com isso, a torcida era para encontrar outra pessoa.
Para alegria da família, no fim de agosto de 2019, apareceu alguém, cadastrado no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), mantido pelo Instituto Nacional do Câncer. O Gean e sua doadora (é uma mulher) foram submetidos a exames. Foram analisadas 12 proteínas colhidas da medula de ambos. Para ser compatível, é necessário que 10 sejam idênticas. No caso do Gean, a compatibilidade apareceu em 11. “Isso é muito raro. Para pessoas que não são parentes, é um para cada 100 mil. É como se o Gean tivesse um gêmeo por aí”, conta Gelson.
Agora, resta esperar a vaga de um leito em Porto Alegre para acontecer o transplante. A tendência é de que isso ocorra em novembro e, enquanto isso, Gean está em casa, levando sua rotina de brincadeiras no pátio, com a coleção de carrinhos (são quase 60) e os desenhos animados na TV. “Ele é uma criança normal e sempre foi. É ativo, alegre e gosta de brincar”, destaca Gabrielle. A ressalva é dos últimos dias, nos quais o humor não estava dos melhores, já que choveu muito e aí não dava para brincar fora de casa.
RETORNO
Assim que vagar o leito, Gelson explica que Gean será submetido à nova quimioterapia. “Será preciso ‘eliminar’ a medula dele. A imunidade vai zerar e aí vem a transfusão. Enquanto não ‘pega’ a nova, fica internado, e receberá medicação para a medula não recusar o corpo e não o contrário.”
Serão, no mínimo, 45 dias de internação. Depois, na melhor das hipóteses, mais 100 dias de manutenção do tratamento, tudo em Porto Alegre. Dentro das normas necessárias nesses casos, eles precisarão morar a menos de 60 quilômetros do hospital.
Desde o início, não há custos maiores com medicação e todo o tratamento é pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, os tempos na capital resultaram e ainda resultarão em despesas, por isso a família já se organiza. Vale lembrar que no ano passado amigos organizaram uma rifa e uma galinhada beneficentes, para auxiliar com os gastos extras.
Consciente, Gelson diz que para tudo se dá um jeito e o importante é a saúde do filho. Mesmo que ainda haja risco de rejeição, o agricultor confia na força do filho. “Ele tem se recuperado muito bem e por tanta coisa que já passou, mesmo tão pequeno. Vai ser um dia após o outro, como tem sido nesse último ano.”
ENTENDA
Gean foi constatado com a leucemia LLA B. Segundo a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), este tipo é responsável por 75% dos casos de leucemia em crianças e adolescentes, mas a notícia boa é que 90% das crianças em tratamento chegam à cura.
Ela acontece quando os glóbulos brancos que estão se diferenciando dentro da medula óssea sofrem alterações e começam a se multiplicar de maneira desordenada. No caso da LLA o grupo doente é o linfoide, especificamente o linfócito.
Por ser uma leucemia aguda, as células doentes são aquelas ainda muito jovens, também chamadas de imaturas. Na LLA, o crescimento rápido e desordenado dessas células interfere na produção de todas as células sanguíneas. Sua evolução é rápida e é fundamental que o diagnóstico seja precoce e o tratamento se inicie o quanto antes.