“A decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foi encomendada pelos crimes do colarinho branco. Ela não se aplica aos crimes de massa, definidos como tráfico de drogas, homicídios e estupros”. A observação do promotor Pedro Rui da Fontoura Porto é uma síntese do resultado da polêmica votação realizada quinta-feira, 7, pelos ministros da suprema corte. Por seis votos a cinco, decidiram que quase 4.900 presos podem ser postos em liberdade.
Entre eles está o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem à tarde o juiz Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, aceitou o pedido da defesa e o autorizou a deixar a prisão. Ele estava recolhido na carceragem da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, há um ano e sete meses. Atualmente há 837 mil presos no Brasil. Na Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva) há cerca de 650 apenados.
A decisão, analisa o promotor Pedro Porto, dificilmente favorecerá pessoas que estão reclusos na Peva. De acordo com o titular da primeira Promotoria de Justiça, se a pessoa estiver presa preventivamente, seguirá presa. “Precisa ter motivos para prender uma pessoa antes da sentença, antes de esgotar todos os recursos. E estes motivos são facilmente aplicáveis às pessoas que cometem crimes violentos, hediondos”, explica.
O representante do Ministério Público observa que a criminalidade de massa, mais comum (crimes cometidos por pessoas mais humildes), como tráfico, estupro e homicídio têm uma justificativa para uma prisão preventiva. “Por isso que em relação à criminalidade comum segue a mesma coisa. A pessoa que responde o processo preso preventivamente segue preso, mesmo recorrendo, pois são crimes violentos que têm que proteger a sociedade”.
Pedro Porto acredita que a decisão do STF não vai impactar nas cadeias da nossa região. Já o juiz João Francisco Goulart Borges ressalta que se houver condenados em segundo instância, cumprindo pena na Peva, por exemplo, caberá à Vara de Execuções Regional (VEC) a decisão de manter a prisão ou soltar o apenado. “A prisão não se sustenta mais só por ser de segunda instância”, diz o magistrado.
COLARINHO BRANCO
Pedro Porto menciona que a decisão do STF vai favorecer especificamente uma classe social. Ele lembrou que o ministro Gilmar Mendes esperava que a segunda instância segurasse a primeira. “Porque a primeira instância são aquelas pessoas (juízes, promotores, procuradores) que estão mais imbuídos do ideal de fazer justiça para todos, mas isso não aconteceu e os poderosos foram mantidos presos. E ele foi um dos que voltou atrás quando a ‘água’ chegou nos amigos dele, no PSDB. Enquanto estava só no PT estava bom, mas quando chegou também no PMDB eles mudaram de ideia”, observou.
O promotor segue referindo que é esse tipo de criminoso que vai se beneficiar. “Esse tipo de criminoso não reúne essas características de violência que justificam a preventiva. Na maioria são cidadãos bem situados na sociedade que se envolvem em atos de corrupção, fraudes em licitação e peculato, que são crimes mais polêmicos”, cita, Por isso, continua, “é mais difícil para o MP fazer provas e portanto não justificam as vezes uma preventiva. Pelo contrário, podem entregar passaporte, se submeter a uma apresentação em juízo, respondendo o processo em liberdade”.
Sintetizando, Pedro Porto ressalta que com ajuda de advogados, levam o caso até as últimas instâncias e acabam conseguindo a prescrição da pena. “Esses que realmente vão se beneficiar com esta decisão”, finaliza.
O que diz o presidente da Subseção da OAB, Marcos Thiel
A Constituição Federal de 1988, no inciso LVII do artigo 5º diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O artigo 283 do nosso Código de Processo Penal (CPP) estabelece que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado, ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. É o chamado princípio do Estado de Inocência, ou então a Presunção de Inocência ou da não culpabilidade. Este princípio vem expresso também em diplomas internacionais, como na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XI, 1º, que dispõe: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”, e também na Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que em seu artigo 8º, 2, diz: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. O STF, como guardião da nossa Constituição, em 2016 havia adotado entendimento de que seria possível a prisão após um julgamento de segunda instância, entendimento que vinha sendo aplicado nos processos criminais em andamento. Com o julgamento de quinta-feira, 7, todavia, o STF volta atrás em sua posição, e restabelece o entendimento de que ninguém poderá ser preso para cumprir pena enquanto a sentença condenatória não transitar em julgado, nos termos previstos na Constituição desde 1988. Assim, a partir de agora, à exceção de situações específicas, como por exemplo, a prisão temporária ou preventiva, previstas na legislação penal, para alguém ser preso para cumprir sua pena deverá estar julgado e condenado de forma definitiva. Para voltar a vigorar a prisão em segunda instância, o que me parece razoável, deverá o Congresso Nacional elaborar/votar uma PEC (proposta de emenda a Constituição) para alterar o inciso LVII do artigo 5º da nossa Constituição.