Ele não pode caminhar, nem mesmo pegar algum objeto com as próprias mãos. Também é impedido de falar longas frases, mas a comunicação é de invejar. Mesmo sem se comunicar como a maioria das pessoas, ele tem vontades, preferências, manias, ídolos e crenças. Enfim, tem vida.
Morador da Vila Algayer, no bairro Coronel Brito, Fausto Lamb, também conhecido por Tato, está com 44 anos. Aos dois meses, foi diagnosticado com meningite, ficou semanas hospitalizado e levou para casa as sequelas da doença. Seu desenvolvimento foi afetado e, hoje, vive aos cuidados da mãe, Florinda Lamb, 75 anos, e da irmã, Marlene da Silva, 51.
Fausto não fala, mas entende tudo o que ouve. Faz sinal de sim e não com a cabeça quando perguntado sobre alguma coisa ou ir a algum lugar. Os cabelos são compridos e o motivo ainda é do tempo em que Chitãozinho e Xororó inspiravam os fãs a deixar as madeixas longas. Devoto de São Sebastião Mártir, sorri ao falar em ir à missa ou visitar algum amigo querido. Aliás, sorriso é o que não falta no rosto do rapaz.
Nas cerca de duas horas que a reportagem ficou na casa da família, ele mostrou compreender tudo o que era dito, com um carinho especial pela irmã, Marlene, a quem chama de Ama. “Ama é uma das poucas palavras que ele fala, aprendeu para chamar a irmã, não quer desgrudar dela”, relata a mãe, Florinda.
Como a mãe fez uma cirurgia no joelho há três meses, é a irmã quem cuida exclusivamente de Fausto. Marlene também passou por períodos complicados no tratamento de um câncer, deveria fazer uma nova cirurgia, mas precisa cuidar do irmão. “O Fausto só quer ela, para dormir, quando acorda durante à noite sempre pede por ela. Ele quase morreu e ela ficou 20 dias com ele no hospital”, conta a mãe.
ADORAÇÃO POR SANTOS
Fausto vai à missa na Comunidade Nossa Senhora da Rainha, no bairro Coronel Brito, e não gosta de perder a tradicional Festa do Bastião. Na sala da casa da família também foi feita uma prateleira para guardar as várias imagens de santos. “Ele gosta muito de santos, quando vê algum em alguma loja já mostra e quer trazer”, relata Florinda.
Gremista, Fausto faz logo o gesto de negação quando é perguntado se quer vestir uma camiseta vermelha do Inter. Adora assistir a jogos de futebol, filmes e ouvir música. “Tem uma infinidade de DVDs no quarto dele, adora assistir”, afirma Marlene.
Desde que precisou ser internado em 2018, devido a uma infecção, Fausto precisou começar a usar sonda de alimentação. “Antes ele gostava muito de comer churrasco”, diz a irmã.
ASSINANTE DA FOLHA
- Fausto é assinante da Folha do Mate há 13 anos. Antes disso, o cadastro era no nome do irmão, Pedro, que veio a falecer. Em virtude de redução de despesas, muitas vezes a mãe pensou em cancelar ou mudar o plano para menos dias da semana, mas Fausto chora quando se fala disso.
- O jornal virou um hábito e a mãe ou a irmã leem pra ele. A editoria preferida é de esportes, pois gosta de saber sobre o time do coração e os horários da transmissão de jogos pela televisão. “Ele gosta de olhar e, quando o irmão morreu, perguntei se queria que fosse no nome dele”, conta a mãe.
Emprego para as mulheres trouxe a família a Venâncio
A família de Fausto é natural de Cunha Porã, em Santa Catarina. Foi lá que Florinda e Alberto (já falecido) tiveram os filhos Pedro, Paulo e Marli (já falecidos), Marlene e Fausto. A possibilidade de emprego para mulheres foi o que motivou a família na mudança. Na época, onde viviam era muito difícil mulheres conseguirem emprego e, quando conseguiam, eram dispensadas quando casavam. “Mulher casada não podia trabalhar”, recorda Florinda.
Como o filho mais velho, Pedro, namorava uma moça de Venâncio Aires, isso motivou a vinda da família. Pais e filhos conseguiram colocação nas fumageiras da cidade logo que chegaram. Para Florinda, essa foi a primeira oportunidade de trabalhar com carteira assinada, um verdadeiro orgulho. Ela conta que estava nervosa ao ir para a primeira entrevista de emprego.
Muitas outras pessoas estavam no local e queriam a oportunidade. Algumas entravam para a sala de entrevistas e saíam com um papel, outras apenas com o documento. “Lembro como se fosse hoje, perguntei para uma que estava do meu lado porque umas não saiam com papel. Ela me disse ‘quer dizer que pode plantar batata no meio do asfalto pra conseguir dinheiro’”, recorda.
A mãe de Fausto conta que chegava a tremer de nervosa, mas, ao falar que conhecia fumo por já ter plantado, foi-lhe dada a oportunidade. Foram 14 anos de trabalho de Florinda durante os períodos de safra. Ela revezava os cuidados de Fausto com Marlene, cada uma ia trabalhar em um turno diferente nas fumageiras. “Foi uma época muito boa, eu gostava muito de trabalhar”, diz.
Agora, já aposentada, Florinda se recupera de uma cirurgia no joelho e vive na casa junto com os dois filhos. Em 2004, perdeu Marli, e, em 2006, os filhos Pedro e Paulo faleceram. O marido, Alberto, faleceu em 2008.
Carinho gravado na pele
• No braço esquerdo de Fausto, estão registrados dois grandes amores: o Grêmio e o médico Jarbas da Rosa. A irmã conta que ele chega a ficar doente quando fica muitos dias sem ver o médico, que atende no Caic, unidade de saúde que fica poucas quadras de distância da casa da família. “Quando ele vê o doutor Jarbas já melhora, às vezes dá até febre nele quando não vê”, afirma a mãe.