A ideia de que se deve buscar uma faculdade, escolher um curso, se formar e atuar na área durante toda nossa vida é um pensamento bastante estimulado na juventude. Nem sempre esse ‘sonho’ se torna realidade, seja por questões financeiras ou outros problemas. Porém, e quando a missão é realizada com sucesso e mesmo assim você não se sente plenamente satisfeito? Vale arriscar a estabilidade por novos desafios?
Há quem garanta que sim. Para a agricultora Aline Brenner, de 32 anos, a escolha foi trocar o cargo de supervisora administrativa em um aplicativo de delivery pela produção de morangos. “A mudança não foi programada. Quando chegou a pandemia, o trabalho se intensificou, porque o delivery cresceu. Duplicou a quantidade de trabalho, carga horária e responsabilidade”, conta.
Ao ver pessoas iniciando projetos do zero, sem dinheiro ou conhecimento, Aline começou a ter algumas ideias. Uma delas foi abrir uma padaria em Vila Palanque, onde reside. “Não tem nenhuma próxima e poderia dar muito certo. Só que eu não tinha o conhecimento e investimento para tal”, comenta.
Em abril de 2021, decidiu focar na produção de morangos, que ela havia iniciado há dois anos, junto com a cunhada. Inicialmente, ela havia buscado conciliar trabalho e produção, mas resolveu focar apenas na agricultura. “A minha cabeça não estava mais lá (no serviço). Continuei fazendo meu trabalho, mas meu pensamento estava aqui, minha preocupação também. Por isso optei por deixar o trabalho e ficar com a estufa”, enfatiza. Antes de plantação, estudou sobre o tema: “li livros e assisti a vídeos, lives sobre o plantio, nutrição, pragas, doenças”, comenta.

A nova realidade
Após a alteração e recomeço do zero, Aline relata que a principal complicação foi a sensação de não ser produtiva. “Foi complicado porque eu tinha muitas tarefas quando trabalhava fora, e nos sentimos gloriosos por fazer mil coisas. Em casa, na produção de morangos, eram menos ocupações no dia inteiro. Foi uma adaptação demorada, não me senti realizada desde o primeiro dia, apesar de ter certeza que tomei a decisão correta, sempre queria fazer mais e mais”, observa.
Ela relembra que se cobrava diariamente e não tinha certeza se estava fazendo tudo certo. “A cabeça fica vazia, o trabalho manual, mecânico, não exige tanto pensamento. Nos primeiros meses me cobrei demais.”
Para a felicidade de Aline, no primeiro ano, o projeto já deu certo. “Financeiramente é razoável, ainda não ganho o que recebia trabalhando fora, mas tem um detalhe que é o que deixei de gastar. Hoje vivo com muito menos que antes, o que eu ganho aqui é suficiente para mim e minha família”, comenta
Outro ponto positivo da mudança foi a aproximação com a filha e família, pois antes passava o dia fora e não podia cuidar como gostaria. “A minha filha não gostava da escolinha e eu não tinha tempo para ela. Serviu para reforçar que eu deveria estar aqui. Passado um ano, me sinto feliz, trabalho muito também, só que as crianças aproveitam aqui. Se eu viver aqui enquanto a minha filha estiver a infância dela, estarei feliz”, comemora.
A reação da família
Como todas as mudanças são complicadas, Aline diz que houve desconfiança por parte dos familiares. “E se não der certo?”, era a principal dúvida. “Claro que pensei, fiz contas antes de largar o emprego, porque o morango promete uma certa produção, e pelas minhas contas daria para viver.”
Apesar disso, ela destaca que era uma previsão, sem qualquer certeza que daria certo. “Meu marido me apoiou, mas com medo, meu pai que é o dono do terreno, também apoiou, só que cheio de dúvidas. Mas logo passou”, pontua. De acordo com ela, aos poucos, a família viu que era uma decisão acertada. “No início eu me posicionei, não perguntei para ninguém, não esperei a aprovação. Era a minha decisão, a minha vida e sabia que daria para viver”, reforça a produtora.
“Foi uma decisão que refletiu em muitas coisas. Estar aqui, tirar minha renda total aqui, trabalhar, fazer o almoço, almoçar com a minha filha, brincar com ela, levar na escola e ficar o tempo que for necessário, voltar para casa, seguir trabalhando, me exercitar, me alimentar melhor. Faço mais coisas do que antes.”
ALINE BRENNER
Produtora de morangos
“É difícil decidir o futuro com 17 anos”
A analista e desenvolvedora de sistemas Gisele dos Santos, 28 anos, passou por algumas reviravoltas em sua carreira até apostar na informática como futuro. “Desde criança sempre fui ligada na informática, gostava de mexer e até desmontar os computadores. Fiz vários cursos quando era adolescente, meu primeiro emprego foi na área da informática com 17 anos. É impossível decidir o futuro com essa idade. Nessa época estava cursando Relações Internacionais e fui na universidade para trocar para Ciência da Computação, não pude trocar e acabei cancelando a matrícula”, conta.
Foi nesse momento que optou por realizar um curso técnico em Informática, pela questão financeira. “Gostei bastante. Porém, nessa época estava desgastada da empresa em que trabalhava, pois não via perspectiva de crescimento. Foi quando passei no ProUni e estava cheia de dúvidas. Sempre fui muito agitada, hiperativa. Por isso decidi fazer Educação Física”, relembra.
Ao mesmo tempo, seguia no curso técnico, no qual se formou enquanto cursava Educação Física. “Era sempre uma correria, afinal, eram duas universidades diferentes.” Em 2019, fez intercâmbio para Portugal, no ano passado, se formou em Educação Física. “Não posso reclamar da Educação Física porque me proporcionou o intercâmbio, e ele me abriu a mente.”
No retorno de Portugal, voltou a trabalhar em Venâncio Aires, na área de vendas on-line. “Sempre pensei que poderia ir além disso, gostava de programar e recebi uma proposta para trabalhar como desenvolvedora na OneHost.”
Foram dois meses na empresa de Venâncio Aires, quando recebeu uma proposta para trabalhar em uma empresa de Porto Alegre, a Uhuu, de vendas de ingressos on-line. No novo emprego, atua de forma remota com análise e desenvolvimento de sistemas.
O papel da família, principalmente sua mãe, foi essencial nesses processos. “Ela sempre apoiou e incentivava a me descobrir e viver o máximo de experiências, pois saímos da escola e temos a obrigação de decidir o nosso futuro sem qualquer experiência real. Devem existir mais possibilidades”, considera.
Ela conta que nunca parou de estudar, seja inglês ou informática. “Acabei escolhendo mesmo pela informática, não vou dizer que nunca trocarei, mas meu foco é estudar nessa área e crescer nela, tenho horários flexíveis e adoro minha rotina”, destaca.



Qualidade de vida e liberdade são prioridades
A professora de Direito do Trabalho na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Suzete Reis, diz que é cada vez mais comum notar que as pessoas mudam. “Aquelas que estão na mesma atividade há anos, acabam por se sentirem estagnadas, sem novos desafios. Com tarefas repetitivas, cansativas, se sentindo desmotivado, e buscam novos desafios.”
Outro motivador é a infinidade de profissões novas, que não se cogitavam anos atrás. “Vemos as pessoas se deslocando para áreas da tecnologia, que são tarefas mais recentes. Profissões que envolvem o cuidado, o bem-estar também estão em pauta na nova geração, que prioriza a qualidade de vida e que lhes permite liberdade, ao invés da segurança financeira. Também são pessoas mais corajosas, que arriscam em suas carreiras, tentando novas funções”, enfatiza.
Além disso, a remuneração é um dos pontos essenciais na discussão. “Algumas profissões perderam o reconhecimento, fazendo as pessoas mudarem por conta de demissões ou realmente cansaço, apostando assim em seus sonhos antigos ou novos desafios.”