As responsabilidades e consequências em torno das fake news

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“Tu também não morreu?” Essa pergunta Warlei Henrique Wildner, hoje com 20 anos, ouviu de diversas pessoas antes, durante e depois do velório do irmão Alex, vítima fatal de um grave acidente ocorrido em 2019.

Na madrugada do dia 10 de novembro, ele, o irmão e mais três pessoas estavam em um carro que capotou na ERS-422, em Linha Arroio Grande, interior de Venâncio Aires. Alex, que tinha 17 anos, faleceu no local e os demais foram hospitalizados.

Com apenas um corte no nariz, Warlei foi liberado ainda naquela manhã, mas virou personagem principal de um fato que não existiu. Até hoje ele não sabe de onde surgiu a suposta informação da própria morte, mas ela foi ‘longe’, depois de ser propagada nas redes sociais e até em um veículo de comunicação. Sem saber a origem, Warlei foi vítima de uma fake news (notícia falsa, na tradução literal) e precisou desmentir o boato de que tinha morrido.

Perguntas inesperadas

No início da manhã daquele domingo, um vizinho bateu na casa dos Wildner, moradores de Vila Teresinha, para dizer que os rapazes sofreram um acidente e estavam no Hospital São Sebastião Mártir. Chegando lá, pelo número de ‘entradas’ na instituição, os pais Eligio e Márcia, além do irmão mais velho, Éder, não esperavam pelo pior: mas Alex, o caçula, tinha falecido.

“Todo mundo no Facebook já sabia que meu irmão tinha morrido. Meus pais souberam depois”, lembra Warlei que, tirando um corte abaixo do nariz e o fato de estar todo sujo de barro, não sofreu nenhum ferimento mais grave. “Eu precisava sair um pouco, pegar um pouco de ar e fui para a frente do hospital. Nisso apareceu um vizinho e me perguntou: ‘Tu também não morreu? Toda ‘picada’ tá sabendo que os dois guris do Eligio morreram’.”

À pergunta inesperada se somaram dezenas de mensagens que recebeu no WhatsApp. O aparelho estava superficialmente quebrado devido ao acidente, mas Warlei conseguiu visualizar amigos e conhecidos lamentando seu suposto falecimento. Além das redes sociais, a informação foi divulgada de forma equivocada em um veículo de comunicação (o qual, posteriormente, a família cogitou processar, mas não levou adiante).

Só depois que o pai fez o Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia, a confirmação de que apenas Alex tinha falecido foi oficializada. “Até hoje não sei de onde surgiu. O pessoal simplesmente começou a compartilhar as coisas e, como no Facebook todo mundo vê, deu nisso. Então tem que ter certeza antes de publicar e compartilhar alguma coisa.”

Ainda que naquela manhã o fato já tivesse sido esclarecido, durante a noite, quando começou o velório de Alex na Associação Esportiva e Recreativa de Teresinha (Aert), Warlei continuou ouvindo perguntas inconvenientes.

“Eu sentado do lado do caixão, as pessoas continuavam me perguntando se eu também não tinha morrido. Me sentia com vergonha, porque perguntavam isso para mim, mesmo me vendo ali. Muita gente falando sem pensar”, lamentou.

Saudade

Mais de um ano depois, o assunto envolvendo o acidente não é mais comentado na casa dos Wildner. “O Alex descansou e não falamos mais sobre isso.” Durante a entrevista, Warlei, sempre com os olhos marejados, vestia uma camiseta com uma foto do irmão e uma frase estampadas: ‘Seus dias de luta terminaram, seus dias de glória chegaram e agora o céu azul é todo seu.’

A responsabilidade sobre o que se escreve e fala

Um celular com internet e acesso às redes sociais. Essa ‘associação’ em mãos tem facilitado muito a comunicação entre as pessoas. Mas, ao mesmo tempo que aproximou tudo e todos, essa rapidez tem gerado problemas quanto ao tipo de informação disseminada.

Não é de agora que notícias falsas se propagam, mas as redes sociais viraram um terreno ainda mais fértil para tal. Warlei Wildner não foi o primeiro, nem o último a ter seu nome envolvido numa situação assim e um exemplo recente envolveu uma figura pública de Venâncio Aires. No dia 22 de março, correu nos grupos de WhatsApp que o vereador Gerson Ruppenthal, internado no Hospital São Sebastião Mártir devido à Covid, tinha falecido. A informação foi desmentida, por meio de nota, pela Câmara de Vereadores e o partido dele, o PDT.

No dia seguinte, também nas redes sociais, foi espalhado um cronograma que previa a vacinação contra a Covid contemplando pessoas a partir dos 18 anos. Houve compartilhamentos que atribuíram a informação, inclusive, ao Ministério da Saúde. Novamente, mais uma fake news.

“Precisamos compreender porque as pessoas estão perdendo o senso crítico, não escutam o contraditório e não sabem diferenciar o que é uma informação construída a partir de critérios profissionais do que é escrito, basicamente, por qualquer um”, apontou o jornalista e coordenador do curso de Comunicação Social da Unisc, Willian Araújo.

Ainda conforme ele, o ‘acreditar’ em tudo que se lê nas redes sociais não tem a ver com a educação ou o grau de escolaridade. “Durante um tempo se falou, até de forma preconceituosa, de que isso estaria relacionado à questão educacional. Mas vemos profissionais, pessoas especializadas, esclarecidas, optando por acreditar em tudo que leem nas redes sociais.”

Certeza

Willian Araújo diz que, entender esse ‘fenômeno’ é papel do jornalista, para informar de maneira correta. “O jornalista precisa se especializar cada vez mais em comunicar de forma mais clara e ao mesmo tempo fazer isso com todos os critérios possíveis, problematizando e ouvindo mais fontes. Muitas vezes precisa abrir mão da velocidade em prol da qualidade da informação. Porque é no Jornalismo onde as pessoas devem encontrar a certeza.”

“Temos um fluxo tão grande de informações, mas é melhor saber completo, do que o fragmentado. Tenho certeza de que essa vontade que o Jornalismo tem pela rapidez na apuração, só deve se justificar pelo objetivo de informar melhor.”

WILLIAN ARAÚJO – Jornalista e coordenador do curso de Comunicação Social da Unisc

Jurídico

Nos termos da lei, não existe o crime de fake news em si, ou seja, não existe a tipificação criminal no Código Penal. Mas isso não significa que não seja uma conduta negativa que pode ser penalizada por outros tipos penais.

“Quando minto, posso estar praticando de crimes contra a honra, por usar da difamação, calúnia ou injúria. Existem projetos de lei para tipificar a fake news como crime. Hoje, isso ocorre no Direito Eleitoral”, explica a advogada, Rita Ellert.

Ainda conforme Rita, nada impede que a pessoa seja penalizada também de forma civil. “Se uma pessoa ou empresa se sentiu ofendida, pode entrar com ação indenizatória para ressarcir o dano ocorrido. Portanto, não existe isso de considerar que a internet é uma terra sem lei. Tudo que eu publicar na internet pode ter consequência negativa no Direito e na vida real.”

A advogada destaca que não é só escrever algo, mas comentários e compartilhamentos também podem ser penalizados. “As pessoas gostam de fantasiar, do sensacionalismo, pois isso atiça a curiosidade e tem um alcance maior. Mas as pessoas precisam ter consciência do peso da palavra, inclusive, digitada. E que pode afetar o bolso também.”

“Existe uma falsa segurança que, com o celular na mão, ninguém está vendo. Mas sou responsável pelo que escrevo, pelo que coloco numa rede social, ou grupo de WhatsApp. O que a pessoa ‘virtual’ fizer, a física pode sofrer sanções. Não existe diferença entre elas e é isso que precisamos entender.”

RITA ELLERT – Advogada



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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