O que aconteceu no Rio Grande do Sul em maio de 2024 entrou para a história. As enchentes que ‘varreram’ praticamente todo o estado foram resultados de chuvas nunca antes registradas. Mais que isso, só em 1941, em registros em preto e branco e que pareciam lenda, de tão longínquos. Talvez por não ter sido algo frequente nos últimos 80 anos, excessos de chuvas e mesmo inundações não entraram nas discussões sociais e, de fato, são poucos os municípios que contam com informações documentadas sobre índices pluviométricos, por exemplo.
Mas em Venâncio Aires, um agricultor de Linha Herval Mirim, na região do Parque do Chimarrão, tem por hábito acompanhar e registrar a chuva há mais de 30 anos. “Comecei a fazer porque eram de pesquisas das empresas de tabaco, então virou um costume. Acho importante a gente conhecer e fazer esse acompanhamento, porque ajuda na organização de quem vive da agricultura”, explica Paulo José Fischer, que tem o tabaco como principal cultura cultivada.
As primeiras anotações, do início da década de 1990, se perderam, mas Fischer tem, mês a mês, a quantidade que choveu (pelo menos na propriedade dele) desde 2001. Essas anotações foram disponibilizadas à reportagem da Folha do Mate, escritas detalhadamente numa folha de caderno.
De acordo com o pluviômetro do agricultor, nos últimos 23 anos, 2014 foi o ano mais chuvoso, com 2.846 milímetros entre janeiro e dezembro. Naquele ano, junho registrou 341 milímetros, suficiente para causar uma enchente na parte baixa da cidade, atingindo 3 mil pessoas, conforme matéria da Folha do Mate na época. Já o ano que menos choveu, considerando a soma dos 12 meses, foi 2004, com 1.661 milímetros. Naquela temporada, para se ter uma ideia da ‘baixa’ precipitação, setembro foi o mês mais chuvoso, com 251 milímetros.
Tempos de estiagem
Com ciclos recentes de estiagem, entre 2020 e 2022 principalmente, esses foram anos nos quais o volume de chuva abaixo dos 2 mil milímetros anuais. Em 2021, por exemplo, quando o pluviômetro de Paulo Fischer somou 1.906 milímetros, chama atenção a quantidade de chuva em abril daquele ano: apenas quatro milímetros. Outro mês praticamente seco foi março de 2020, com 10 milímetros.
Ainda sobre o mês de abril, ele é, entre 2001 e 2023, o que menos choveu em Venâncio: 3.341 milímetros. Mas chama atenção a diferença dos volumes de abril nos últimos cinco ciclos: 29 milímetros em 2020, quatro em 2021, 211 em 2022, 20 em 2023 e 496 em 2024.
Setembro e o São Miguel
Desde 2001, o mês que mais choveu em Venâncio Aires é setembro. Historicamente, é um período chuvoso em vários municípios e muitas vezes o volume excessivo é registrado próximo do dia 29, dia de São Miguel, por isso se popularizou o termo ‘enchentes de São Miguel’.
Somando todas as medições de setembro nos últimos 23 anos, são 5.934 milímetros em Venâncio. O recorde do mês é de 2023, com 553 milímetros, o que explica outra enchente histórica registrada no município e que deixou muita destruição na região de Vila Mariante, após cheia do rio Taquari. A quantidade é seis vezes maior do que choveu em setembro de 2022, quando foram registrados 90 milímetros.
705 mm – foi o que choveu em maio de 2024 em Venâncio, conforme medição de Paulo Fischer. Foi a primeira vez, nas últimas duas décadas, que o índice superou os 700 milímetros. Antes disso, os maiores registros só haviam superado a marca dos 500 mm: 553 em setembro de 2023, 531 em outubro de 2015 e 514 em novembro de 2009.