Sexta-feira, 10 de maio, 13h29min. Quando Joice Jociane Pereira, 42 anos, viu o filho recém-nascido e se certificou que tinha dado à luz um menino cheio de saúde, suspirou aliviada. A tensão da última semana, desde o dia 3, quando foi resgatada de trator, em Linha Picada Mariante, no interior de Venâncio Aires, com água na cintura e 38 semanas de gestação, deu lugar à gratidão pela vida do caçula José Felipe Pereira Lima. “Mandei uma mensagem no nosso grupo de vizinhos falando do nascimento dele. É a boa-nova no meio da tragédia”, define a mãe.
Com 3,730 quilos e 49 centímetros, José esbanja uma calma contrastante com a situação enfrentada pela família na semana anterior a seu nascimento. A gestação que, apesar da surpresa inicial, transcorreu de modo tranquilo, foi atravessada pela maior enchente da história do Rio Grande do Sul – a água do rio Taquari carregou tudo o que Joice, o marido Felipe Lima, 33 anos, mecânico; e os filhos Edu Moisés Pereira, 17, e Ana Clara Pereira, 9, prepararam como todo carinho para esperar José. O berço, as roupinhas, as fraldas.
“Tudo o que tínhamos comprado, planejado e organizado se foi. É só bem material, mas tudo o que é material também tem uma história, uma conquista”, lamenta ela, que é professora alfabetizadora na Escola Estadual de Ensino Médio Crescer, do bairro Coronel Brito.
A família foi resgatada de trator, na sexta-feira, 3, e passou os dias seguintes na casa da sogra de Joice, em Mato Leitão. “Se tivéssemos esperado mais meia hora, não teria como sair”, comenta ela, que levou apenas a bolsa da maternidade, com algumas peças de roupa para José, e a carteira de gestante. No domingo, 5, quando a família pôde acessar a residência, o cenário era desolador. “Foi muito triste quando voltamos, porque não tinha mais nada. Mesmo que tínhamos levantado os móveis, perdemos tudo. O berço, que tinha sido montado uma semana antes, estava boiando”, conta Joice.
A partir de então, em meio à incredulidade, à tristeza e ao luto pelo que foi perdido, começou uma corrida contra o tempo para encontrar um novo local para a família. Joice tinha a cesariana agendada para a sexta-feira, 10, pois também faria a cirurgia de laqueadura. O receio era de que, com toda a situação, ela entrasse em trabalho de parto antes e o procedimento precisasse ocorrer de forma emergencial. “Tinha quatro dias para organizar tudo. Também precisávamos encontrar um lugar para onde pudéssemos ir depois que eu saísse do hospital”, relata.
Na quinta-feira, 9, a família alugou um apartamento no Centro da cidade, para onde se mudou apenas com uma pia, máquina de lavar e um colchão. No dia seguinte, a professora internou no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) e nasceu José.
Doações para auxiliar a família
Além de receber mãe e bebê com todo carinho e acolhimento, a equipe da maternidade se mobilizou para arrecadar roupas, cobertor e berço para presentear o menino. “Quando ele nasceu e chorou, vi que estava tudo bem, foi uma luz, uma alegria muito grande. Vai ser difícil tudo o que teremos que enfrentar, mas ao mesmo tempo sinto que não estamos sozinhos”, ressalta Joice, ao citar toda a mobilização no hospital e também de amigos, familiares e vizinhos.
A amiga Véra Wagner, integrante do Clube de Mães São Judas Tadeu, de Picada Mariante, lidera a arrecadação de itens para a família do pequeno José e demais vizinhos atingidos. Quem tiver itens para doação, seja para o bebê, os irmãos ou os pais, pode contatar pelo telefone (51) 99687-8473. “Tudo o que vier, mesmo pouco, é grandioso, pois sobra para podermos comprar outra coisa”, diz Joice. A família dá os primeiros passos para reconstruir a vida, agora, com um motivo a mais para seguir. José é a esperança no recomeço.
Comunidade Picada Mariante atingida
Em Picada Mariante, localidade de Vila Estância Nova, onde Joice mora desde que nasceu, a família nunca tinha passado por situação semelhante. “Em setembro [de 2023], encheu a estrada e ela ficou interrompida, mas água na nossa casa nunca tinha entrado”, explica a professora.
Além da residência deles, as casas dos pais de Joice e de diversos outros vizinhos tiveram a estrutura danificada pela força da água do rio Taquari. “Na nossa comunidade, sempre vai se lembrar há quantos anos aconteceu a enchente conforme o José for crescendo”, comenta Joice.
Ela ressalta a importância do apoio para toda a comunidade afetada. “Nós somos jovens, conseguimos nos restaurar, mas muitos vizinhos são mais velhos, aposentados com apenas um salário-mínimo, não têm mais nada e não sabem para onde irão, como recomeçar”, observa.
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