Além da valorização dos filmes brasileiros, também repercutiu o protagonismo feminino na premiação
No último domingo, 2, o Brasil comemorou uma conquista cinematográfica como se fosse uma final de Copa do Mundo ou uma medalha olímpica. O filme ‘Ainda Estou Aqui’, do diretor Walter Salles, protagonizado por Fernanda Torres, venceu a estatueta de Melhor Filme Internacional no Oscar, considerada a maior premiação do cinema mundial.
Além da valorização dos filmes brasileiros, também repercutiu o protagonismo feminino na premiação. Fernanda Torres, que interpretou Eunice Paiva, esposa do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido na ditadura, que busca saber o destino do marido, foi a segunda brasileira indicada ao Oscar de Melhor Atriz – a primeira foi a mãe dela, Fernanda Montenegro, em 1999.
A grande repercussão do papel e da indicação ao Oscar, mostra que a visão da mulher na sociedade brasileira se modifica ao longo dos tempos. É o que afirma a doutora em Ensino e mestre em Filosofia, Camila Ribeiro Menotti. Segundo a professora, ao representar Eunice Paiva, Fernanda apresenta uma visão de mulher que pode ir além da que o patriarcalismo construiu, que pode ser forte, ter atitude frente aos acontecimentos, lutar pelos direitos e ser resiliente nas situações difíceis da vida.
Potencial
Camila, que é professora de Sociologia e Filosofia da rede pública estadual, reitera que a indicação de Fernanda Torres demonstra o potencial da mulher no cinema nacional e reforça o quanto as mulheres podem ocupar esses papéis e “desenvolvê-los com maestria”. “A presença de protagonistas mulheres propicia, ao público feminino, a oportunidade de ser representado em papéis centrais e complexos, algo que historicamente foi reservado aos homens”, observa.

A atuação de Fernanda Torres, conforme a professora, ainda retrata o cotidiano das mulheres com verossimilhança, o que permite que muitas consigam se identificar com a história que está sendo contada, aproximando a vida ficcional da tela com a sua vida real.
Realidades
Mesmo que a realidade seja diferente do contexto da ditadura militar, Camila relembra que o enredo de Eunice Paiva é facilmente reconhecido, em especial nas figuras de uma mãe que tenta cuidar da família e criar seus filhos da melhor forma possível numa sociedade instável; da esposa que se preocupa com seu marido e o apoia quando necessário; da viúva que chora a perda do seu amado e se vê como pai e mãe de seus filhos; da mulher que, mesmo despedaçada emocionalmente, precisa ter forças para seguir em frente; da profissional que busca espaço no mercado de trabalho e sustenta a família; da amiga companheira para todas as horas; da mulher que tenta aproveitar o máximo do que a vida pode lhe oferecer; da cidadã que não se deixa calar pela repressão; da ativista política que luta por justiça e pelos direitos; da mulher que tenta ter vez e voz na sociedade atual.
“A representação da Eunice Paiva no cinema abriu caminho para que histórias de outras mulheres possam ser retratadas, oportunizando que a sociedade brasileira conheça as verdadeiras protagonistas da vida real no país, além de reforçar que o papel da mulher na sociedade não está predefinido, pois ela tem a liberdade de escolher quem quiser ser”, completa.

“Tanto a Eunice Paiva quanto a Fernanda Torres deixam como legado a importância do reconhecimento das mulheres nos vários cenários sociais: familiar, profissional, econômico, político, educacional e cultural. Mais do que isso, enaltecem o empoderamento feminino e sua atuação nesses cenários.”
CAMILA RIBEIRO MENOTTI
Doutora em Ensino, professora de Sociologia e Filosofia
Protagonismo no Oscar
• Fernanda Torres foi derrotada por Mikey Maddison no prêmio de Melhor Atriz. Mikey é protagonista de ‘Anora’, filme que retrata uma jovem stripper do Brooklyn, Nova Iorque, que conhece o filho de um oligarca russo na boate em que trabalha. Os dois iniciam um romance e Anora vive uma história de Cinderela contemporânea por alguns dias.
• Assim como Fernanda Torres, a mãe Fernanda Montenegro (que participa de ‘Ainda Estou Aqui’), também concorreu ao Oscar na mesma categoria em 1999, por ‘Central do Brasil’. Naquele ano, foi derrotada por Gwyneth Paltrow, de ‘Shakespeare Apaixonado’.
• Dirigido por Walter Salles – mesmo diretor do aclamado ‘Central do Brasil’ -, ‘Ainda Estou Aqui’ volta ao início da década de 1970, quando o Brasil enfrentava o endurecimento da ditadura militar. No Rio de Janeiro, palco principal do longa, acompanhamos a família Paiva, integrada pelo pai Rubens (Selton Mello), a mãe Eunice (Fernanda Torres) e cinco filhos.
• A trama retrata a história autobiográfica de Marcelo Rubens Paiva com enfoque na vida de sua mãe, Eunice Paiva, uma advogada que se tornou ativista política na sequência da prisão e consequente desaparecimento de seu marido Rubens (em razão da qual também foi presa com uma das filhas, Eliana Paiva) pela ditadura militar brasileira.