
Eduardo Schonardt Rodrigues, 24 anos, está no décimo semestre do curso de Engenharia Civil. Venâncio-airense nascido e criado no bairro Morsch, nas proximidades do arroio Castelhano, cresceu vendo a água, em época de enchente, chegar bem perto da sua casa. Embora nunca tenha sofrido diretamente com as inundações, conta que tem conhecidos que já tiveram prejuízos por conta da cheia. Na reta final da graduação, não teve dúvidas de o que seria seu objetivo no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC): “Queria que o meu trabalho fosse útil para a comunidade.”
O objeto de estudo não poderia ser outro, o arroio. Assim, então, nasceu o ‘Estudo de modelagem hidrológica e hidrodinâmica no Arroio Castelhano em Venâncio Aires/RS’, título do seu TCC, que será apresentado no final deste mês, na Universidade do Vale do Taquari (Univates). A intenção do trabalho é traçar a mancha de inundação do Castelhano, ou seja, projetar as respostas dos índices pluviométricos (chuva) em nível do arroio. Em outras palavras, o estudante quer estabelecer um modelo que traduza a chuva, a partir do seu volume e intensidade, em até onde a inundação chegaria na região baixa de Venâncio.
Embora a Capital do Chimarrão tenha vivido uma das suas piores cheias do arroio Castelhano no último mês, Rodrigues já tinha a ideia de estudar as enchentes desde o final de 2022. Ele explica que determinou como parâmetro as enchentes de julho de 2020, de setembro de 2023 e a mais recente, de maio de 2024. Através de um software, é possível simular a mancha do alagamento. De acordo com os dados coletados e processados de 2020 a 2023, a pesquisa mostra que são necessários 90 milímetros de precipitação para a inundação chegar às primeiras casas. Com 100 milímetros, a projeção estima que o arroio alcance a esquina da rua Pedro Grünhauser com a rua Osvaldo Aranha, na divisa dos bairros União e Morsch.

Necessidade de materiais
Conforme a professora Sofia Royer Moraes, também venâncio-airense e orientadora do TCC, ainda não é possível tirar conclusões definitivas para medidas de prevenção a partir dos dados obtidos pela pesquisa, o que pode ocorrer com o avanço da pesquisa. A engenheira ambiental e doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental entende que é muito importante ter um trabalho de batimetria bastante aprofundado do arroio. Dessa forma, seria possível montar a modelagem hidrodinâmica, que teria condições de indicar, com bastante precisão, os impactos da chuva no arroio e, consequentemente, na região baixa de Venâncio Aires.
A batimetria, como explica Sofia, acontece a partir de um instrumento chamado RTK (Posicionamento Cinemático em Tempo-Real, em inglês). “É como se fosse medir a profundidade da água com uma grande régua, uma barra”, compara. Em cima da barra fica acoplado o equipamento que faz a leitura de forma muito precisa da profundidade. Para aprimorar a pesquisa, portanto, é necessário ter à disposição este recurso. Por isso, a professora conta que tem tentado viabilizar essas leituras junto ao poder público e sociedade.
Com as leituras com RTK, os pesquisadores podem fazer um desenho de como é o rio abaixo da superfície da água, entendendo o seu canal principal, com condições de projetar o escoamento dessa água.
Com os dados em mãos, o próximo passo é alimentar o sistema computacional que faz a simulação de como o arroio enche, o quanto deverá vazar e com qual velocidade. Quanto mais informações informadas, mais próximo da realidade o software vai chegar.
Auxílio para soluções
A orientadora afirma que, neste mesmo programa, também é possível simular o impacto que sistemas de contenção teriam no curso do Castelhano e na área urbana – como diques e lagoas de retardo e detenção – bem como sua eficácia e segurança para os moradores das regiões próximas. O rio Taquari, por exemplo, de acordo com a especialista, não tem características adequadas para a instalação de diques, porque colocaria em risco a vida de milhares de moradores. Ela lamenta que há muitas lideranças que tomam decisões hidrológicas não apoiadas em evidências científicas, cujo resultado pode ser catastrófico. A batimetria também é essencial para avaliação de necessidade de dragagens, por exemplo, sendo um dos instrumentos mais importantes para a sua avaliação.
Importância do monitoramento
Sofia defende que Venâncio consiga monitorar de forma mais eficaz a bacia do arroio Castelhano. Atualmente, falta medição oficial do nível do arroio e das precipitações. “Ter réguas no Castelhano seria muito bom para que se criasse um banco de dados possível de fazer essa leitura e entender melhor o comportamento do arroio ao longo do tempo (…) Precisaria ter medidores de chuva tanto na cabeceira (região serrana de Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul), como na região baixa. E também teria que ter uma estação de nível que medisse o arroio nas duas regiões”, sugere. As precipitações registradas nas cabeceiras têm maior influência para extrapolar a cota de inundação. A própria batimetria também precisa ser feita periodicamente, uma vez que, a cada enchente, o arroio pode sofrer alterações no curso e na profundidade, a depender da sua sinuosidade e também velocidade, o que muda para cada arroio e rio em função das suas características naturais.
“Como você vai dar soluções para algo que não tem certeza de como funciona? Você precisa de estudos e modelagens.”
Sofia Hoyer Moraes
Professora da Univates, engenheira ambiental e doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental
Para aprofundar
– Durante a pesquisa, o estudante se apoiou em outros trabalhos já realizados sobre o arroio Castelhano. Um deles é a tese de doutorado de 2009, de Erika Collischonn, intitulado ‘Inundações em Venâncio Aires/RS: interações entre as dinâmicas natural e social na formação de riscos socioambientais urbanos’.
– Outra referência é o artigo escrito por Fernando Alves Cantini Cardozo e Carlos Otávio Petter ‘Caracterização da bacia do arroio Castelhano: disponibilidade hídrica, riscos de inundações e interação com a cidade de Venâncio Aires/RS’.
Mapa de 2024
A Prefeitura de Venâncio Aires tem disponível uma projeção da mancha de inundação da enchente de 29 de junho de 2014. De acordo com uma estação oficial regulamentada pela Agência Nacional de Águas (ANA), em Vila Deodoro – a única encontrada em funcionamento à época – choveu 167,5 milímetros em dois dias. Não foi encontrada outra mancha oficial do Executivo.

IFSul também tem projeto
Em 2021, o Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) campus Venâncio Aires criou o projeto Plataforma de Monitoramento do Nível de Águas (PlaMoNA), que objetiva o controle do nível da água, para detectar enchentes e, também, estiagens. No entanto, a iniciativa nunca entrou em prática por falta de recursos. Estima-se que seriam necessários cerca de R$ 94 mil.