O dia 5 de setembro de 2023 está marcado na história dos distritos de Vila Mariante e Vila Estância Nova, no interior de Venâncio Aires. Há um mês, as águas do rio Taquari tomavam as localidades, deixando muitas pessoas ilhadas e tantas outras necessitando de resgate. Agora, com o rio retornando à normalidade, as paisagens ainda têm muitos estragos, com entulhos nas ruas, casas e estradas destruídas.
Uma das tantas histórias de Vila Mariante é a do casal de aposentados Gilseu e Helena Ribeiro, de 82 e 73 anos, respectivamente. Moradores da sede do distrito, próximo ao posto de combustíveis, eles perderam boa parte dos móveis, principalmente os que estavam no primeiro andar da casa. “Estou reconstruindo, fazendo algo que não posso, como carregar peso, tapar buracos e refazer o muro”, conta Gilseu.
O idoso operou a próstata recentemente e relembra que, entre os percalços da vida, já caiu de oito metros de altura, quando trabalhava. Morador da localidade desde que nasceu, Gilseu diz que nunca viu uma enchente igual, com a água tão forte e destrutiva. “Quando fiz o aterro no pátio, era para garantir que não chegaria água e chegou. Agora, acredito que precisamos de pontes secas [na RSC-287] para aliviar o impacto”, explica.
Gilseu e Helena recordam os momentos de pânico durante a cheia, quando cogitaram pular na água, se a casa fosse levada pela enxurrada. “Somos criados perto do rio, sabemos nadar. Falei para a Helena se preparar e mirar um galho de árvore, caso o pior acontecesse”, detalha o aposentado. O casal viu as residências de vizinhos sendo carregadas e perdeu, além dos móveis e eletrodomésticos, plantações no terreno.
Helena limpou toda a sua residência e ainda ajudou vizinhos, quando perfurou o pé (mesmo usando botas) e precisou de atendimento médico. “A água foi destruidora. Agora, estamos voltando ao normal, mas ficam algumas feridas”, relata a idosa, apontando para os pés e os móveis da casa.
Retomada
A proprietária da Agropecuária e Bazar Paraíso, Leonize Quoos Garcia da Rosa, relembra que, após a enchente, demorou cerca de cinco dias para retomar as atividades, pois contou com a ajuda de diversas pessoas na limpeza. “Voltamos de forma precária, mas era necessário. Ainda não fechamos o balanço das perdas após o choque inicial. Acreditamos que o prejuízo pode ser ainda maior”, destaca.
As principais perdas no comércio foram de rações (gatos e cachorros), farelo, grãos e milho. Leonize explica que não houve problemas na estrutura do estabelecimento, apenas uma porta que sofreu avarias. “Ainda precisamos limpar diariamente, sempre aparece alguma sujeira restante, mas o ‘grosso’ foi tirado naqueles primeiros dias”, ressalta. Ainda sem um número preciso, a comerciante relata que deve demorar meses para recuperar o prejuízo e que, depois da enchente, o movimento de clientes tem sido menor, pois as pessoas voltaram com receio e não estão comprando tanto quanto antes.
Aspecto social levado em consideração
Segundo a secretária municipal de Planejamento e Urbanismo, Deizimara Souza, ainda são realizadas ações direcionadas aos atingidos diariamente. De acordo com levantamento realizado pela Administração, foram 10 residências completamente destruídas, sem chances de reforma, e 14 danificadas. “É difícil trabalhar com uma família que tem a vida toda naquele lugar. A localidade é parte essencial da vida delas e, por conta disso, não podemos simplesmente realocar elas em outro ponto”, afirma. Deizimara enfatiza que, mesmo que seja possível retirar a família atingida e colocar em uma área mais segura e sem inundação, é necessário levar em conta o aspecto social, pois muitos têm família, amigos, emprego e escola no distrito. “O vínculo e a vida dessas pessoas está no local”, reforça.
Por outro lado, para que a família receba uma nova residência, o terreno e a casa que moravam precisa ser doada para o Município e transformada em uma área de lazer ou utilizada para outra atividade. “São questões burocráticas que, por vezes, ignoram a história das pessoas. Não podemos desestruturar as famílias”, diz. Os moradores das residências completamente destruídas estão, provisoriamente, em casas de parentes ou amigos.
Ela ainda relembra que foi uma enchente histórica e que boa parte da população nunca havia presenciado. Por conta disso, todas as ações precisam ser analisadas. Segundo a secretária, o distrito de Mariante tem uma cota de inundação muito alta, e devem ser feitas ações paliativas com relação a limitar os riscos.
Com relação aos R$ 800 prometidos pelo Governo Federal para cada morador atingido pela cheia, Deizimara reitera que ainda não existem definições sobre o auxílio e que, por enquanto, a situação é vaga e são poucas informações sobre o assunto. “O Município busca por essa resposta e temos dúvidas se realmente receberemos esse valor”, afirma. Na última semana, foi finalizado o cadastro para o ‘SOS Mariante’, que garante recursos para os moradores atingidos pela cheia. Foram 1.430 cadastros, de um total de 4,7 mil residentes. Além disso, o saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) segue até 10 de dezembro.
No Vale do Taquari, as enchentes provocaram 51 mortes. Na quinta-feira, 5, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) confirmou a identidade de mais uma vítima. A Polícia Civil retirou o nome da lista de desaparecidos, que diminuiu para sete.
Recuperação
• De acordo com o secretário municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos, Sid Ferreira, o trabalho segue nas localidades atingidas, principalmente para retirada de entulhos e recuperação de estradas.
• Duas máquinas e uma equipe ainda estão em Vila Mariante, na sede do distrito, para remover os entulhos, que são levados para o aterro sanitário de Minas do Leão, além da limpeza e reabertura de acesso para as residências.
• Em Vila Estância Nova, próximo a Travessão Mariante, Linha Picada Nova e Linha Taquari Mirim, está sendo realizada a limpeza das valetas e estradas, além da retirada entulhos.
• “Seguimos acompanhando as reformas da ERS-130 pelo Daer, com a reconstrução do aterro da ponte de Linha Chafariz e o patrolamento de toda a extensão da via, desde Cruzeiro do Sul até General Câmara”, explica.
• Além disso, também seguem os trabalhos de desassoreamento de sangas e arroios, para evitar novos alagamentos. Algumas vias também ficaram com os ‘borrachudos’ – buracos criados pela força das águas – e, por isso, é preciso manter o cronograma de reformas.
• “O planejamento é que até o verão as estradas estejam mais seguras”, informa o titular da Sisp. De acordo com ele, o maior desafio é na sede de Mariante, para conseguir refazer, principalmente, as entradas, para ter acesso às residências e recolher entulhos que possam interromper vias.