Por Débora Kist e Taís Fortes
São 11h30min de uma quinta-feira qualquer. Aos poucos, do alto da rua Leopoldo Aloisius Hinterholz, no centro de Mato Leitão, é possível observar um ‘enxame azul’ tomando conta das calçadas e do comércio dos arredores.
A cor até poderia estar relacionada às orquídeas, flor-símbolo da pequena cidade do Vale do Rio Pardo e que algumas especies têm tonalidade semelhante. Mas não. O azul está em centenas de homens e mulheres, jovens e mais velhos, saindo para o intervalo. Chamados de ‘azuizinhos’, todos vestem o mesmo guarda-pó celeste da maior indústria da cidade: a Calçados Beira Rio.
Esse é o cenário diário, de segunda a sexta, desde 2007, quando a empresa decidiu abrir sua filial número 6. Hoje, ela faz parte da vida de mais de 780 funcionários, como da Lilian, do Altemar e da Leonice. Mas também está no dia a dia da Silvia, da Ariane, da Andréia, da Josiane e do Carlos. Estes nem trabalham na Beira Rio, mas as rotinas são influenciadas diretamente por ela.
Em um município com cerca de 5 mil habitantes, a empresa do ramo calçadista tem grande responsabilidade econômica e social. Primeiro, por empregar centenas e, depois, por garantir que outros segmentos ‘pulsem’ no mesmo ritmo da fábrica. Para quem vive essa realidade, não é exagero dizer que a Beira Rio tem ramificações em praticamente tudo na chamada ‘Cidade das Orquídeas’.
No crescimento profissional, as conquistas pessoais

A Beira Rio está há 12 anos em Mato Leitão, e esse é o tempo que Lilian Cristine Heinen, 37 anos, trabalha nela. Moradora de Vila Arroio Bonito, interior do município, a auxiliar técnica começou a trabalhar dias depois de a empresa abrir as portas. Segundo Lilian, foi com o trabalho no local e o auxílio do marido, que criou as duas filhas e mobiliou a casa.
Além da relevância pessoal, ela ressalta a importância da empresa para a cidade. “Mato Leitão cresceu muito depois que a Beira Rio veio para cá. Ela movimenta tudo que tem ao redor.”

Quem também já ‘fez aniversário’ com a Beira Rio é Leonice Dörr de Moraes, 48 anos, moradora de Vila Santo Antônio. Ela está no ramo de calçados há 26 anos e foi na Beira Rio que encontrou uma oportunidade de crescimento profissional. “Comecei abastecendo esteira, colando taloneira e auxiliando no fechamento. Depois fui promovida a auxiliar técnica. É uma empresa que valoriza os trabalhadores”, define. Leonice também comemora as conquistas pessoais. “Consegui construir a minha casa e ajudo meus filhos quando eles precisam.”
ONZE ÔNIBUS
No Vale do Rio Pardo, muitos limites municipais se confundem. No caso de Mato Leitão, que se emancipou de Venâncio Aires em 1992, ainda são fortes as relações culturais e econômicas. Assim, muitos funcionários da Beira Rio são moradores de Venâncio e se deslocam diariamente.
Como Altemar Douglas Lourenço, 26 anos. Para trabalhar, ele pega um dos 11 ônibus que a empresa Barcelos, de Lajeado, disponibiliza para o transporte. O jovem começou a sua história com a Beira Rio quando tinha apenas 16 anos. Apesar de ter saído por um período para ter outra experiência profissional, há cinco anos e cinco meses voltou a trabalhar lá. “A Beira Rio é uma empresa que abraça as pessoas”, resume.
Sua primeira experiência foi na produção, como montador, e hoje é auxiliar técnico. “Encontrei oportunidade de crescimento. Moro sozinho e me sustento com o salário da Beira Rio. Também foi com esse dinheiro que consegui construir minha casa própria e daqui uns dias me mudo. Aqui me sinto feliz e em casa”, destaca.
“A Beira Rio é decisiva para o Município”
Com centenas de empregos diretos, além de impulsionar a economia em outros segmentos do município, a Calçados Beira Rio se estabeleceu como parte importante na arrecadação de impostos. Retorno esse usado pela Administração Municipal para organizar seu próprio orçamento.
Em Mato Leitão, 75% do Valor Adicionado Fiscal (VAF) é baseado na produção. Destes, 60% abrangem a indústria de transformação. São nada menos que R$ 127 milhões dentro dos R$ 210 milhões de retorno de ICMS previstos para 2020. “A Beira Rio é decisiva para o Município”, afirma o prefeito Carlos Alberto Bohn.
Segundo o chefe do Executivo, a fábrica é decisiva para vários aspectos. “Na renda das famílias, na movimentação do comércio local, o que irá movimentar toda economia, e no aspecto social. Nesse sentido, participa e apoia atividades e projetos na comunidade.”
Carlos Bohn diz ainda que a relação com o município deve ser de auxílio mútuo. Por isso, a Prefeitura contribui com incentivos industriais (na forma de compensação de tributos), ajuda com parte do custeio do transporte dos funcionários e na garantia de vagas na educação infantil, a partir de quatro anos, para filhos dos trabalhadores que moram em Mato Leitão.

INFRAESTRUTURA
- Recentemente, um grande investimento em infraestrutura na cidade foi colocado em prática e a Administração confirma que a maior motivação do projeto é melhorar o acesso para os caminhões da Beira Rio que chegam na cidade.
- Trata-se da pavimentação de avenida Alfredo Pilz, com mais 800 metros de extensão e 24 metros de largura, e que passa nos fundos da empresa. Com a obra, os veículos que chegam ao município pelo Acesso 20 de Março (o principal da cidade), não precisarão mais contornar pelo centro.
- A avenida será asfaltada, com canteiro central, passeio público e ciclovia. “Vai facilitar o acesso à empresa, mas também de trabalhadores que se deslocam por ela e moradores do Loteamento Boa Vista. Haverá mais segurança para todos”, definiu o prefeito Carlos Bohn.
- Em números, os investimentos chegam a R$ 2,6 milhões – R$ 1,7 milhão via financiamento com o Badesul e R$ 900 mil de contrapartida municipal (além de toda a terraplenagem). A previsão é de que a obra esteja concluída no fim de 2019.

As oportunidades que estão do ‘lado de fora’
Inevitavelmente, a relação com a indústria ultrapassa o prédio e as catracas.Vínculos que aparecem até em nomes. É o caso do Bar e Lancheria Beira Rio, estabelecimento que fica em frente à empresa. Andréia Cristina Matte, 39 anos, é proprietária do ponto há seis anos, mas quando começou tinha outro nome. A mudança apenas seguiu a referência já dada por entregadores, fornecedores e clientes: “naquela lancheria pertinho da Beira Rio?”, todos perguntavam.
O jeito foi trazer a indicação para a placa da fachada. Mas o nome também se aplica à prática, já que a maior parte do serviço é direcionada para funcionários da fábrica. O horário de atendimento, aliás, é de acordo com os horários de ‘pegada’ e ‘saída’. Isso quer dizer que os donos da lancheria só param para almoçar quando o turno da tarde da Beira Rio já começou. Da mesma forma, a hora de encerrar o expediente e logo após a partida dos ônibus, por volta de 17h.
“Se não tivesse a empresa, eu poderia fechar”, resume Andréia, com sinceridade. Diariamente, são dezenas de lanches servidos, entre xis, torradas, pastéis e enroladinhos de salsicha. Só em ‘pastelina’, a massa para o pastel e o enrolado, são cerca de 600 por semana.
NO BOCA A BOCA

A empresária Ariane Hendges, 39 anos, também tem sua rotina influenciada pela Beira Rio há 11 anos. Os primeiros cinco foram como funcionária e, de lá para cá, como proprietária de uma loja de roupas. “Só dali sai 80% da minha venda”, revela, apontando para o outro lado da rua.
São blusas, camisas, calças e casacos vendidos no ‘boca a boca’, sem necessidade de grande divulgação publicitária. Com tantos conhecidos e amigos, a clientela se espalhou rapidamente. O crescimento nas vendas possibilitou, inclusive, aumentar o espaço físico da loja e dobrar o número de itens oferecidos. “Meu Deus do céu! A Beira Rio me garante trabalho o ano todo. Se não fosse por ela, essa ‘brincadeira’ não teria dado certo.”

Quem também é ‘cria’ da empresa e hoje segue com seu trabalho vinculado a ela, é Silvia Elena Fortes, 53 anos. Moradora de Linha Herval, interior de Venâncio Aires, município vizinho, ela se desloca duas vezes por semana a Mato Leitão, com sua mesinha e sacolas de roupas.
Silvia é vendedora ambulante há quatro anos e não nega que vale a pena a logística semanal para incrementar a renda da família. Também na divulgação do ‘boca a boca’, ela foi conquistando clientes e confiança para uma venda à prestação. “A gente vai no ritmo e dá certo. Não só para mim, mas a fábrica mexe em toda a cidade”, afirma.
MERCADO CALÇADISTA
Se hoje a Beira Rio traz oportunidades para Mato Leitão, há 12 anos o caminho foi inverso. Isso porque a empresa aproveitou a estrutura de outra fábrica do ramo calçadista que existia no município e fechou, para instalar uma nova filial.
Ou seja, além do prédio, havia mão de obra disponível. “Os Vales do Rio Pardo e Taquari são importantes neste aspecto. O pessoal tem vontade de trabalhar”, destaca o presidente da Beira Rio, Roberto Argenta.
Com tanto tempo de estrada, o empresário diz que um dos desafios é se manter competitivo, ainda mais em um mercado onde a concorrência é nacional e internacional. “Hoje é um momento que exige um trabalho muito intenso, porque temos que competir com os polos de calçado do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Nordeste, além dos países asiáticos. Então precisamos investir constantemente na modernização de equipamentos.”
Além das questões financeiras, Argenta ressalta a contribuição social para o município. “Percebemos que ao redor da fábrica estão surgindo novas unidades habitacionais e a Prefeitura também está investindo. Ficamos felizes com isso também.”

“A gente contribui muito com a comunidade. Além da geração de empregos, o município fica mais bonito e mais moderno e geramos progresso. Isso nos deixa muito felizes e satisfeitos.”
ROBERTO ARGENT – Presidente da Calçados Beira Rio
FÁBRICA
- A filial da Calçados Beira Rio de Mato Leitão iniciou as atividades em agosto de 2007. Hoje, ela representa cerca de 10% da produção total entre todas as unidades. Em 2018, foram produzidos 6.166.389 de pares. Para 2019, o faturamento projetado é de R$ 52 milhões.
- Trabalham moradores de Mato Leitão, Venâncio Aires, Cruzeiro do Sul e Santa Clara do Sul. Os funcionários recebem vale (dia 20 de cada mês) e salário (dia 5), além de rancho ou ticket alimentação, vale-transporte, refeitório na fábrica, Participação nos Lucros e Resultados (PLR) a cada seis meses e presentes em datas comemorativas.
- São seis linhas de produção, compostas por corte (dois turnos), costura, montagem, faturamento e expedição da marca Vizzano. O Centro de Logística começou a operar em janeiro de 2016.
- Com sede em Novo Hamburgo, a Calçados Beira Rio possui 11 unidades fabris no Rio Grande do Sul. Sua história começou em 1975, em Igrejinha. Hoje, além deste município, mantém filiais em Mato Leitão, Candelária, Osório, Roca Sales, Santa Clara do Sul, Teutônia e Sapiranga.
- Em 2018, recebeu o Prêmio Melhores e Maiores da Revista Exame, onde levou a premiação de maior empresa no segmento têxtil. A Beira Rio é líder no segmento de calçados e uma das maiores fabricantes brasileiras. Atualmente, exporta para mais de 85 países.
Ateliês: braços da produção
Para dar conta de uma produção diária de 29 mil pares de calçados, a Beira Rio precisa garantir matéria-prima. Uma das formas encontradas é o serviço terceirizado, o qual está na rotina de dois ateliês em Mato Leitão que beneficiam ‘partes’ das peças produzidas.
Entre eles, a Calçados Kauã que, desde 2015, atua em parceria com a empresa. No ateliê que emprega 23 pessoas, são produzidos 4 mil pares por dia da forração da palmilha.
Segundo a proprietária, Josiane Inês de Saibro König, 33 anos, foi com um ‘empurrãozinho’ da Beira Rio que ela chegou à atual estrutura. “É uma parceria muito boa e na qual acredito. Parte do maquinário é cedido por eles. E quanto à mão de obra, aqui na cidade tem muita e qualificada.”
Josiane, que é de Mato Leitão, comenta ainda o crescimento da cidade nos últimos anos. “A Beira Rio abastece tudo por aqui. A gente sabe que é difícil atrair empresas, mas que bom que o município conta com ela. E já vi tanta gente de fora vindo para cá, construindo casa aqui. Pessoas que irão consumir nos outros setores. É dinheiro que gira e imposto que fica.”
