Na carreira de laçador, de amador a profissional, Vanderlei José da Silva, 50 anos, carrega nos sabores e dissabores da vida, uma carga de lembranças. Em todas elas, estão o pai Eufrázio Chaves da Silva, falecido há dois anos em acidente de trânsito; os cavalos e os torneios de laço, que o tornam, há 26 anos, o único brasileiro a bater o recorde de 159 armadas positivas, em um único rodeio.
Integrante do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Erva-Mate, de Venâncio Aires, Vanderlei organiza, em casa, em Vila Arlindo, os 1.086 troféus conquistados em cima de um cavalo. “Cheguei a ganhar cinco motos em um fim de semana”, diz o laçador, que também guarda a conquista de ter sido seis vezes campeão da competição Tauras do laço. “Muitos destes troféus foram conquistados na categoria de laço pai e filho”, cita.
Para Silva, a tradição gaúcha virou profissão. Formado como técnico agrícola e com curso de Magistério incompleto, ele é laçador, proprietário de hotelaria de equinos, produtor rural e capataz da campeira do CTG. Silva se orgulha das heranças tradicionalistas deixadas pelo pai. “O pai laçava muito. Esse gosto pelo laço herdei dele”, diz Silva.
O filho de Aurora Kauffmann e irmão de Cássia, cresceu em Linha Mangueirão. A infância não foi outra, a não ser esperar pelos fins de semana para acompanhar o pai nas disputas de laço, realizadas em um campo na localidade, onde começava a se constituir um dos CTGs mais antigos do município. “Com três anos eu já acompanhava o pai, a cavalo, na sede do CTG, que ficava uns dois quilômetros de casa, naquela época”, conta. Depois de um tempo, a sede foi transferida para o Parque do Chimarrão, na cidade.
Envolvido com as atividades do Erva-Mate, o cavalo sempre foi a paixão de Vanderlei Silva. “Na época do Sandrinho (Sandro Imich), do Tatuzinho (Luis Haussen), cheguei a participar de algumas atividades artísticas da invernada do CTG, mas sempre gostei, trabalhei e ganhei dinheiro com cavalos”.
Tradição
Além de ter herdado o gosto pela tradição gaúcha do falecido Eufrázio, Vanderlei, que é pai e avô, repassa os ensinamentos para os cinco filhos. Emocionado, Silva fala da dor de ter perdido o filho Everton Jordan, há dois anos. “Era difícil não encontrar ele sem bota e bombacha. Lamentavelmente a depressão o levou. Foi encontrado junto do seu laço”, conta com tristeza e lágrimas. As filhas mulheres Bruna Maitê, Maira, Natáli Yasmim e Isadora Luisa adoram cavalos, mas não seguem o rodeio, diz o pai. “Tenho uma neta. Luiza, uma guerreira, nasceu de cinco meses e hoje tem um aninho. Uma vencedora”. Para Vanderlei Silva, a esposa Dione Lisboa é sua companheira que, além de laçar, o acompanha nos rodeios de fim de semana. “Como sou o capataz do CTG, a gente precisa retribuir as visitas dos outros CTGs e assim era todo fim de semana, antes da pandemia. A Dione é minha parceira sempre e já está começando a laçar também”, conta.
“Entre os 1.086 troféus, muitos ganhei na categoria Pai e Filho. Meu pai, quando faleceu, levou um dos meus lenços preferidos e um de nossos troféus de Pai e Filho no peito.”
Vanderlei Silva – Laçador
Tempos do pai
Ao recordar dos rodeios ‘do tempo do pai’, Vanderlei Silva lembra que havia poucos eventos na região, ao contrário de hoje, quando a cada fim de semana tem. “O rodeio mudou muito se comparado à época. Naquele tempo era mais diversão. Hoje continua bonito, mas profissional”, diz. A competição campeira, conforme Silva, era caracterizada por tiro de laço em boi, vaca, mas também em ovelha e terneiro. “Tinha a disputa de rédeas, chasque, dança da cadeira, eram outras modalidades que chamavam o público para a cerca para olhar.”
“Antigamente, a entrada para o rodeio era livre, não tinha ingresso e tinha um do CTG que tinha o caminhão e levava todos os cavalos dos laçadores. CTG pagava óleo pro caminhoneiro e ia todo mundo junto. Isso mudou. Hoje todos querem ter seu espaço, seu trailer, ônibus, o que também torna o rodeio mais elitizado”, observa.
A forma dos acampamentos também era diferente. “A gente botava um lonão por cima do caminhão boiadeiro e todo mundo dormia ali mesmo. Hoje em dia tem motor-home, cada um tem o transporte do seu cavalo. A gente vai se aperfeiçoando, mas continua a tradição de família, de todos irem juntos ao rodeio.”
Dicas para recomeçar
Com a pandemia do coronavírus, os eventos tradicionalistas, entre eles os rodeios, estão cancelados. Vanderlei Silva anuncia que está confirmado que o primeiro rodeio da 24ª Região Tradicionalista será em Venâncio Aires, em 2021.
O ganhador de mais de mil troféus dá algumas dicas para o recomeço nas pistas para quem busca pelo título de campeão de laço. Silva diz que a humildade e a educação são as principais características. “Não é porque tu tinha um cavalinho e compra um cavalo de raça que tu vai mudar”, diz. A observação dos demais competidores também é uma dica do laçador.
“Eu comecei a competir depois dos 20 anos. Me espelhava nos caras que laçavam. Na minha época não se treinava, não tinha vaca parada, treino do boi. Eu ia pra beira da cerca e ficava olhando, como abre o laço, tipo de laço que usa. O laçador precisa ser inteligente, se aperfeiçoar e treinar”, aconselha Silva.
Influência das novas tecnologias
A internet e o celular podem ter contribuído para que muitos jovens e crianças não participem mais dos CTGs, na opinião de Silva. “Mas são fases. Para tudo há seu tempo, mas quando se gosta de um esporte aquilo fica dentro da gente, tá no sangue. Isso vem automático. Daqui a pouco, passa esse encanto todo pelo celular e o jovem vai voltar ao cavalo de novo”, argumenta.
A importância da participação das famílias no CTG é exaltada por Silva. Segundo ele, o evento une as famílias.
“Não se sabe o que os filhos estão fazendo quando vão para um baile ou estão na rua. No CTG, nos rodeios e acampamentos, eles estão com os pais, no meio de amigos, na barraca, laçando, aprendendo. Cavalgar com a família, ou com amigos é muito bom. O cavalo é um animal encantador, só quem tem sabe e entende o que estou falando. A tradição gaúcha é muito linda”, finaliza Silva.