Os números são claros: a cada 10 pessoas que procuram uma vaga de trabalho na Agência FGTAS/Sine de Venâncio Aires, sete não terminaram o Ensino Médio. Essa lacuna não é exclusiva de pessoas mais velhas e impacta jovens com 18, 19 anos, cuja idade, em tese, marca a formatura na educação básica.
“Venâncio tem muita dificuldade nesse sentido. É que muitas pessoas escolhem, e escolher é um direito da pessoa, que não querem trabalhar numa linha de produção, por exemplo. Mas precisam entender que talvez a oportunidade só apareça em outro cargo se ela tiver estudo ou qualificação”, destacou o coordenador do Sine, Cristiano Kaufmann.
Pensando em contribuir para aquele jovem que está em vias de entrar na vida adulta, o Sine deve implementar, nas próximas semanas, o projeto ‘Sine na Escola – Manual do 1º emprego’. Conforme Kaufmann, ele é voltado para o jovem que já pensa numa profissão. “Parece pequeno, mas pode fazer a diferença. Tem jovens que não têm condições de faculdade ou não sabem o que fazer. O primeiro emprego pode não ser melhor o mundo, mas é importante para dar valor ao dinheiro, às conquistas. Então vamos começar em escolas dos bairros, com o objetivo de tirar dúvidas e orientar.”
Mesmo quem já passou do tempo tradicional da formatura, terminar o Ensino Médio segue um objetivo de vida. É o caso de Ester Juliana da Rosa, 33 anos, que trabalha em uma indústria de refrigeração. Há 14 anos, quando cursava o Ensino Médio no Monte das Tabocas, engravidou. A necessidade de trabalhar e cuidar do filho Eduardo a fizeram parar com os estudos. Hoje, também mãe de Theo, 3 anos, ela decidiu que não dava para esperar mais. “Já tive oportunidades de trabalho e não consegui a vaga pela falta de estudo”, revelou.
O diploma virá através da Educação de Jovens e Adultos (EJA) Ensino Médio junto ao Sesc, que iniciou as aulas de duas turmas em março. São 60 alunos ao total, que têm aulas EAD e dois encontros presenciais por semana. “Não ter estudo não é vergonha, mas podemos perder oportunidades por causa disso. Quero ser um exemplo para os meus filhos”, concluiu Ester.

“As empresas não estão erradas em cobrar qualificação ou o mínimo de estudo. Para quem não tem, é importante dar o primeiro passo. Nunca é tarde para investir em si mesmo.”
ESTER DA ROSA – Aluna da EJA Sesc

Qualifica
Desde março, a Prefeitura de Venâncio deu início ao programa Qualifica, onde mais de 700 pessoas terão oportunidade de qualificação em mais de 60 cursos gratuitos, através de parceria com o Senai, Sesi, Sebrae e Fisk. Serão mais de duas mil horas de capacitação, até setembro, custeadas com recursos municipais – R$ 310 mil.
Com inscrições presenciais, sempre aos sábados, longas filas já foram registradas a cada nova etapa. No segundo fim de semana de abril, por exemplo, teve quem foi na noite anterior para garantir uma vaga, como Leandro Griesang, 37 anos, que foi às 19h50min da sexta para a frente da Prefeitura, onde a porta abriu às 8h do sábado.

(Foto: Débora Kist/Folha do Mate)
Com Ensino Fundamental e trabalhando no setor de pintura de uma metalúrgica, o morador do bairro Brands buscava pelo curso de Soldagem. “Uma forma de me qualificar, buscar outra oportunidade na empresa, talvez um salário melhor. A gente precisa correr atrás”, comentou.
Segundo o coordenador da Central do Empreendedor, Darlan Rieger, até esta semana foram abertas 259 vagas em 20 cursos, 65 formados em cinco capacitações, 102 pessoas em formação e 92 que vão começar dia 23 de maio. Para as 132 vagas em 11 cursos que começam em junho, as inscrições ocorrem hoje.
Plantar uma semente
• O professor do Departamento de Gestão de Negócios e Comunicação da Unisc, Julian Israel Lima, entende que uma das maiores dificuldades, principalmente entre jovens, é convencê-los de que as oportunidades são possíveis.
• Nesse sentido, Lima afirma que os esforços do poder público para qualificar a educação básica e toda a formação complementar, são importantes. “Sem sombra de dúvida, plantar desde cedo a sementinha de que uma educação técnica e superior de qualidade é alcançável, e que a realização de seus sonhos é possível, faria muita diferença para nossos jovens”, opina.
• Conforme Lima, que tem pós-graduação com foco na gestão de pessoas, é muito comum encontrar jovens com dificuldade de enxergar espaços no mercado de trabalho e nas instituições como atingíveis. “Todo esforço que a sociedade fizer para melhorar a percepção dos jovens sobre o futuro, sobre educação e o próprio potencial e merecimento, ajuda muito.”
Confecção: sobram vagas, falta procura
Uma das motivações do programa Qualifica foi a grande dificuldade que algumas empresas de Venâncio Aires têm para suprir determinados cargos e um dos maiores gargalos está no ramo da confecção, cuja procura é constante.
Na tentativa de preencher as vagas, o Qualifica abriu 48 oportunidades, mas a procura foi tão baixa – apenas nove inscritos – , que o Município precisou repensar o cronograma. “Parte dos cursos de costura e de pintura industrial [também com baixa procura] foi substituída por assistente de recursos humanos, torneiro mecânico, eletricista predial e residencial e almoxarife, que têm demanda grande. O restante de operador de máquinas de costura industrial passou para setembro, à tarde, e modelagem industrial em setembro, à noite”, explicou o coordenador da Central Empreendedor, Darlan Rieger.
Ainda conforme Rieger, o que pode ajudar a explicar a baixa adesão é que possíveis candidatos estão trabalhando em tabacaleiras. “Colocamos mais para frente porque hoje muitas pessoas que poderiam se interessar, estão empregadas na safra. Depois, com os desligamentos, se elas quiserem aproveitar, mudar de carreira, terão mais uma oportunidade.”
Produção estagnada
‘Chegar fazendo’ é importante em muitas funções, mas, no caso da confecção, ter experiência não tem sido pré-requisito, assim como não é cobrado ter determinado grau de escolaridade. Ainda assim, sem exigir diploma de nada, o setor sofre para atrair e manter funcionários, o que é sentido por Carina Guterres e Cássio Schmidt, proprietários da G&S Confecções. Com atuais 68 funcionários (61 na fábrica) a empresa teria capacidade para empregar até 100 pessoas. “Desde o fim do ano passado não estamos aceitando mais produção porque não temos mão de obra suficiente para fazer as peças”, revelou Schmidt.
Conforme o empresário, todos os funcionários aprenderam as respectivas funções dentro da fábrica. Das tentativas recentes de contratações, ficou a frustração. “No fim do ano passado, foram nove pessoas contratadas, mas hoje apenas uma ainda está com a gente.”
Pensando em alternativas para diminuir a rotatividade e, como empresa, oferecer o seu ‘algo a mais’ para o funcionário, Schmidt destacou a criação um plano de cargos e salários. “Estipulamos quatro níveis, por polivalência, e o funcionário pode ir evoluindo. Também tem vale-alimentação para quem não faltar no mês e estamos pensando em plano de saúde.”
Na contramão dessa instabilidade, está Nadini Luizi Mohr, 26 anos, que começou na G&S com 18 anos, assim que terminou o Ensino Médio. Ela passou por todos os cargos, do ‘tirar fio’, costura, revisão, pela chamada ‘passadoria’ até se tornar gerente de produção. “Tive minha primeira oportunidade de emprego e cresci aqui dentro. Aprendi tanto e hoje posso ensinar outras pessoas. Isso me orgulha.”

Salário
• Atualmente, o salário-base mínimo na confecção é de R$ 1.455. A remuneração é menor se comparada ao setor metalúrgico, que após os meses de experiência contratual tem como base R$ 1.526.
• Ainda que pequena, essa diferença, para o presidente do Sindicado do Calçado e Vestuário de Venâncio Aires e Mato Leitão, João Émerson Campos, pode ser um dos motivos para ‘afugentar’ candidatos.
• “Com certeza, o salário é baixo e os mais jovens vão procurando outros ramos. Ou alguém até começa na confecção, mas depois sai. Então sempre terá transição.”
• Para Campos, além de pensar num salário melhor para oferecer aos funcionários, as empresas deveriam investir ainda mais em cursos e treinamentos internos.
20 vagas mensais
Os nove interessados no curso de costura do Qualifica Venâncio não foram suficientes para fechar turma, mas, para que não perdessem a oportunidade, foram encaminhados diretamente para a Dass, que emprega atualmente 388 pessoas no município.
Também impactada pela rotatividade, a Gerente de Recursos Humanos da Área de Operações do Grupo Dass, Lidiane Garbuglio, entende que Venâncio é uma cidade com diversas oportunidades de emprego, no entanto, a empresa procura valorizar os colaboradores.
“Atualmente, como benefício, o Grupo Dass oferece vale-refeição, vale-transporte, bônus por assiduidade, prêmio de produção conforme metas atingidas, seguro contra acidentes pessoais, plano de saúde e cartão farmácia.”
Questionada sobre a questão salarial, Lidiane afirma que os motivos das saídas são variados, sem relação direta com salário. “Muitas vezes, trata-se de uma mudança de cidade.” Ainda conforme ela, são, em média, 20 vagas por mês oferecidas na empresa.
5 A busca por mão de obra também impacta no planejamento da produção. “A Dass está em plena expansão e isso faz com que a necessidade de mão de obra seja frequente. Mas para isso não precisa experiência, porque sempre tem vagas para quem tem interesse em aprender a costurar e outras operacionais que não requerem experiência”, destacou Lidiane Garbuglio.
Sequência
No próximo sábado, 21, a série mostrará como Venâncio segue firme no setor de refrigeração e metalurgia, vê a expansão na área da informática e como as instituições de ensino têm trabalhado para acompanhar esse movimento e atender a demanda de formação.
