Dique, pontes secas e desassoreamento: ações para evitar avanço do Castelhano

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Há cerca de um mês, as águas do arroio Castelhano tomaram as ruas da parte baixa de Venâncio Aires e, no perímetro urbano, 13.075 pessoas foram atingidas por inundações. Esse número inclui os bairros Centro, União, São Francisco Xavier, Aviação, Morsch, Brígida, Coronel Brito e Battisti. Não estão na lista aqueles moradores que sofreram por enxurradas, quando os bueiros entopem e ocasionam a vazão nas vias – apenas os que estão dentro da área de alagamentos ocasionados pelas águas do arroio Castelhano e adjacentes. Este número é contabilizado pela Prefeitura de Venâncio Aires a partir de cruzamento de dados do Censo Demográfico de 2022 (desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE), Cadastro Único (CadÚnico) e Secretaria Municipal de Saúde.

Um dos moradores afetados é Antonio Carlos Weber, que reside na rua Pedro Grünhauser, no bairro Morsch, desde 2016 – em frente à Organização Não Governamental (ONG) Parceiros da Esperança (Paresp). Segundo ele, cerca de 1,8 metro de água entrou na residência e, agora, faz mudanças dentro de casa para para se adequar às novas enchentes, trocando balcões e prateleiras de madeira por tijolos. “Não vamos sair, mas esperamos soluções. Que moradores e empresas atingidas não deixem passar em branco e se mobilizem para pressionar o poder público”, comenta. Entre as proposições do morador está a construção de um dique na região e pontes secas na RSC-453. “A rodovia serviu de represa. Imagine quantas casas não teriam sido atingidas se o arroio seguisse o curso natural”, conclui.

Um dos moradores afetados é Antonio Carlos Weber, que reside na rua Pedro Grünhauser (Foto: Arquivo Pessoal)

A proprietária do Espaço Lisandra Beleza Spa de Unhas, Lisandra Nedwed, de 45 anos, também aguarda ações. Moradora do bairro Morsch há 14 anos, ela lembra que as águas nunca haviam chegado à residência e a família relutou até o último instante para acreditar. “Os vizinhos sempre trouxeram itens para cá, porque era seguro. Agora, não teve jeito, chegou 30 centímetros dentro de casa”, comenta. A elevação do Castelhano levou Lisandra a replanejar os móveis e, também, o futuro no bairro. “Não é para agora, mas penso em me mudar. Só não quero passar por tudo de novo”, relata Lisandra, que ficou uma semana fora de casa.

Lisandra mostra que água passou de 30 centímetro no portão (Foto: Leonardo Pereira)

Bairro União

O empresário Alcione Wolschick, da Mecânica Autocar, situada no Acesso Grão-Pará, está desde 2006 no bairro Morsch e foi atingida pela terceira vez pelas águas do Castelhano: 2011, 2013 e maio de 2024. Cerca de 70 centímetros foi o que entrou na oficina e, por conta disso, Wolschick perdeu peças, móveis e equipamentos. “Fiquei uma semana sem trabalhar. É um prejuízo de, aproximadamente, R$ 100 mil”, diz.

No entanto, ele não pretende sair do bairro, mas fará melhorias para diminuir os efeitos das enchentes. “Não estamos livres de novas cheias, mas espero que os prejuízos possam ser menores, por isso estou me adaptando também”, diz. Entre as alternativas, em âmbito municipal, ele cita a limpeza e dragagem do arroio Castelhano, do trevo de Linha Sapé até o Acesso Grão-Pará, e a construção de pontes secas na RSC-453. “Acredito que resultaria em uma melhor vazão da água”, complementa.

Mecânica Autocar, de Alcione Wolschick, foi tomada pelas águas (Foto: Arquivo Pessoal)

O sentimento é o mesmo para Hector Victor Theis, de 37 anos. Ele é proprietário da FT Calhas, que está há 36 anos na Avenida Ruperti Filho, no bairro União. A área já havia sido atingida pelas águas, no entanto, dessa vez chegou a mais de 1,7 metro. “Não esperávamos algo dessa proporção. Mas não penso em sair, pois é um lugar ótimo”, afirma. Ainda assim, ele acredita que são necessárias mudanças, principalmente com a construção de pontes secas na 453.

Estudo hidrológico

1 Conforme a secretária de Planejamento e Urbanismo, Deizimara Souza, a Prefeitura encaminhou, junto à Caixa Econômica Federal, em 23 de abril, a possibilidade de contratação de empresa para elaboração de um novo Plano Diretor. No entanto, como ocorreram as cheias históricas do arroio Castelhano e do rio Taquari, o processo foi paralisado – antes mesmo de ser iniciado – e, na semana passada, após nova reunião, ficou decidido pela realização de um estudo hidrológico para definir os próximos passos da Administração.

2 O objetivo, segundo Deizimara, é não se precipitar com obras que podem não ser as mais adequadas. A revisão do Plano Diretor envolve as secretarias municipais de Planejamento e Urbanismo, Meio Ambiente, Fazenda e Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo. “O município sofre com três situações: deslizamentos na região serrana, alagamentos do Castelhano e inundações do Taquari. Todas elas têm peculiaridades e precisam de um estudo aprofundado para o melhor entendimento e decisão”, explica.

Hector Victor Theis mostra que a água ultrapassou 1,70 metro no bairro União (Foto: Leonardo Pereira)

3 Ainda não há data definida para o início do estudo, mas a Administração projeta que seja o mais rápido possível. Deizimara espera que, na próxima terça-feira, 4, após nova reunião, haja uma definição do cronograma do estudo. “Não podemos sair tomando ações sem estudo, seria inconsequente por parte da Administração”, afirma a secretária.

4 Entre as possibilidades para minimizar os impactos das cheias do Castelhano, está a construção de um dique contornando a região urbana da Capital do Chimarrão, sensores de monitoramento do arroio e, até mesmo, pontes secas na RSC-453, para evitar que a rodovia funcione como represa em casos de inundações. “São diversas as alternativas, que precisam ser analisadas para reduzir os efeitos”, completa Deizimara. Ela acrescenta ainda que réguas e pluviômetros também estão entre as ações que devem ser adotadas para que as informações sejam mais precisas em episódios de cheias.

13.075 – moradores do perímetro urbano de Venâncio foram atingidos pela cheia do arroio Castelhano em maio

O que é um Plano Diretor?

• O Plano Diretor é uma lei municipal que orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano de toda a cidade. Ele busca melhorar a qualidade de vida da população, reduzir as desigualdades socioeconômicas e tornar as cidades mais inclusivas, justas e ambientalmente equilibradas. É também um instrumento que norteia a construção da política urbana e, de acordo com a legislação federal (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade) deve ser revisto a cada 10 anos. Ele ainda indica objetivos, diretrizes, ações estruturantes, normas e procedimentos para a realização da política urbana e envolve meio ambiente, patrimônio cultural, transporte, habitação, regularização fundiária, saneamento e serviços públicos, mas também as políticas econômica, social e de gestão.

Cruzamento das ruas Pedro Grünhauser e 1º de Março, no bairro Morsch, foi tomado pelas águas do Castelhano (Foto: Divulgação)

• Em Venâncio Aires, a última reformulação do Plano Diretor foi realizada em 6 de abril de 2018. A seção VI, do capítulo III (dispositivos e controle das edificações) aborda sobre as áreas de inundações do município. Dentro da seção, destaca-se o artigo 78, que trata de novos edificações em áreas de inundação do arroio Castelhano. Estas precisam obedecer à alguns quesitos, como a taxa de permeabilidade – no entanto, não há restrição de construção baseada em alagamentos anteriores. Este é o único tópico que aborda inundações no Plano Diretor da Capital do Chimarrão.

Projeto PlaMoNA

1. Uma das opções para monitoramento do arroio Castelhano é o projeto da Plataforma de Monitoramento do Nível de Águas (PlaMoNA), desenvolvida pelo campus Venâncio do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), que tem como objetivo o controle do nível da água, para detectar enchentes e, também, estiagens.

2. Em desenvolvimento desde 2016, o projeto foi apresentado para a Prefeitura há cerca de três anos e, agora, após a cheia do Castelhano, novamente voltou a pauta. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) é a responsável por tentar viabilizar a parceria. “O estatuto do IFSul não permite uma parceria direta com o Município e, para comprarmos o aparelho, ele precisa estar finalizado, o que ainda não ocorre. Então, estamos buscando uma solução, mas ainda não foi possível implementar”, destaca a secretária Carin Gomes.

3. O equipamento seria formado por três sondas, instalados em pontos diferentes do manancial, para acompanhamento do nível ao longo do arroio. As informações seriam disponibilizadas de forma on-line e, com isso, as pessoas cadastradas poderiam acompanhar, de casa, o nível das águas de cada um dos pontos e o volume de chuvas por meio do pluviômetro. O site permitiria fazer comparações de períodos, para tentar prever algo em relação a outros anos e meses.

4. Em 2021, o valor das três sondas era de, aproximadamente, R$ 43 mil. Além disso, R$ 27 mil seriam necessários para peças, R$ 22 mil para proteção (evitar furto) e serviços como contratação de caminhão para levar as sondas, planos de internet e hospedagem, além das bolsas para os estudantes (quatro bolsas em 12 meses), totalizando cerca de R$ 94 mil.

Atualmente, a Administração não tem nenhum sistema de monitoramento do arroio Castelhano. Como, historicamente, o curso de água responde rapidamente ao excesso de chuva, a Prefeitura utiliza como base o volume agregado na região serrana do município e de cidades vizinhas como, por exemplo, Monte Alverne – distrito de Santa Cruz do Sul.

Desassoreamento pode reduzir os impactos

Dentre as ações que já estavam sendo realizadas antes da inundação histórico de maio, o desassoreamento e limpeza de valas, galerias, bueiros e sangas é uma das preocupações da Administração Municipal. Segundo o coordenador da Patrulha Agrícola, Rodrigo Garin, conhecido como Rodrigo VT, apenas no primeiro ano do governo Jarbas da Rosa, foi desassoreado 3.963 metros do arroio Castelhano, entre o bairro Battisti até 200 metros após a ponte do Passo da Cananeia e, antes dessa cheia, mais de 12 quilômetros de sangas e valetas foram limpas.

No entanto, como a prioridade das capatazias e equipes da Patrulha Agrícola, no momento, é a desobstrução e reconstrução de pontes e acessos na região serrana – devastada por deslizamentos –, ainda não há uma definição quanto ao retorno das atividades no arroio Castelhano.

O coordenador enfatiza que, inicialmente, será realizada uma desobstrução nas galerias da RSC-453 – no antigo ‘cemitério de árvores’ – onde, anteriormente, foram feitos trabalhos de limpeza. “Deve ter entulhado lixo e árvores. Não sabemos como está, porque ainda não fomos lá ainda. Mas é uma possibilidade”, completa.

Recuperação

Rodrigo VT afirma que é impossível definir o quanto desses trabalhos foi perdido com o avanço das águas do Castelhano. Segundo ele, a única forma de identificar é uma vistoria em todas as sangas e arroios que foram desassoreados. “Mas, a primeira coisa é a água baixar, para poder entrar nos locais, que são possíveis acessar apenas a pé”, aponta o coordenador da Patrulha Agrícola.

Ainda, conforme ele, essas são medidas paliativas e que reduzem os impactos, mas não resolvem o problema. “Ainda assim, talvez sejam necessárias outras ações pra diminuir de forma mais efetiva os efeitos.”



Leonardo Pereira

Leonardo Pereira

Natural de Vila Mariante, no interior de Venâncio Aires, jornalista formado na Universidade de Santa Cruz do Sul e repórter do jornal Folha do Mate desde 2022.

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