Com empresas sem possibilidade de produção por semanas e impossibilidade de entregas devido às dificuldades de logística, empreendimentos foram direta e indiretamente afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul.
O economista Heron Moreira Begnis, professor do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), explica que é difícil estimar precisamente quais são os impactos neste momento, porque além do prejuízo imediato com estoques, maquinário e reforma de infraestrutura para as que tiveram alagamento. “É necessário contabilizar a perda de produção no tempo em que não só ficou indisponível a produção porque estava alagado, mas também agora todo esse período de refazer esses aparatos produtivos.”
Segundo ele, o que se pode projetar é um impacto consideravelmente alto, considerando a perda de produção e também os prejuízos materiais. Haverá também um impacto muito forte, especialmente pelo colapso da infraestrutura no campo da logística. “O Rio Grande do Sul é um estado fortemente agrícola e a agricultura de maneira bastante significativa foi impactada com as cheias, lavouras perdidas, na pecuária, especialmente a pecuária leiteira, com prejuízo bastante alto no sentido de que não apenas os animais e os equipamentos foram perdidos, e também a questão logística”, avalia.
Begnis também acrescenta que mesmo aquele que não foi atingido diretamente e teve os seus equipamentos e estoques atingidos pela cheia sobre pela falta de mercadoria. Além disso, as pessoas também vão ter uma redução na sua renda em função da redução dos empregos pelo tempo em que as fábricas não vão operar. “Isso gera um efeito negativo sobre os setores de serviços, mesmo em áreas não atingidas”, acrescenta.
Valorização do local
Apesar das perspectivas negativas, ele ressalta que o momento é de bastante trabalho e que a população pode colaborar, ao dar preferência aos produtos de indústrias locais. “Economias locais são fortes condicionadores ao desenvolvimento”, salienta.
“Na medida em que a gente cria um ciclo virtuoso de consumo e produção, nós elevamos a nossa capacidade de renda regional.”
Heron Moreira Begnis – Economista
Folha do Mate: O impacto financeiro deve superar o da pandemia de Covid-19?
Heron Begnis: Tem sido muito comum comparar o que aconteceu agora com a pandemia do Covid, em alguns aspectos há uma certa comparação em função de que as pessoas foram impedidas pelas condições de chegar até o seu trabalho. No entanto, muito diferente da pandemia – embora tenhamos um prejuízo de pessoas muito grande, com vários óbitos, isso é um custo também incalculável -, no momento atual temos um colapso da infraestrutura de transportes, comunicação e produtiva, o que não ocorreu na pandemia. Na pandemia se manteve as estruturas intactas. À medida que as pessoas começaram a poder voltar a trabalhar, as fábricas estavam lá, os equipamentos estavam lá e muitas delas inclusive continuaram funcionando até para que se pudesse manter as pessoas abastecidas e todos os insumos pudessem chegar para que o mundo continuasse se movimentando. Agora, com os impactos da cheia na infraestrutura produtiva e de transportes, essas estruturas não funcionam mais, então têm que ser refeitas. Agora não basta, como na pandemia, simplesmente suspender os lockdowns e todo mundo volta a trabalhar. Tem pessoas que não têm para onde voltar a trabalhar.
De que forma a população pode auxiliar as empresas? Comprar produtos locais pode influenciar positivamente no cenário?
É um momento de bastante trabalho. Eu acho que é importante agora a dedicação a trabalhar. Regaçar as mangas e fazer aquilo que precisa ser feito, ou seja, reconstruir as infraestruturas, limpar as empresas, voltar a criar e a trabalhar, no sentido mais amplo da sua palavra: de fazer as coisas acontecerem. As pessoas, enquanto consumidores, poderem direcionar seus gastos de consumo para as empresas locais, aquelas que geram emprego na sua própria região. Isso é sempre um estímulo às economias. Economias locais são fortes condicionadores ao desenvolvimento. Na medida em que a gente cria um ciclo virtuoso de consumo e produção, elevamos a nossa capacidade de renda regional.
O que já temos de estudos e projeções a respeito desses reflexos econômicos em razão de questões climáticas?
De maneira mais global, já se sabe há bastante tempo que as mudanças climáticas afetam de sobremaneira a atividade econômica, especialmente modificando as condições de produção, em especial na agricultura. Isso significa que regiões que até então eram largamente produtivas podem ter mudança de alguns graus de temperatura e isso pode implicar inclusive que determinados cultivos não possam mais ocorrer naquelas regiões. Então há uma reconfiguração do mapa produtivo global. Tem efeitos que já estão sendo estudados há bastante tempo. O efeito estufa e as mudanças climáticas afetam diretamente a produção de alimentos no mundo.
Esses impactos devem/podem interferir no crescimento do PIB?
Na medida que a gente tem prejuízo da infraestrutura produtiva e na agricultura também as lavouras que deixaram de ser colhidas, a próxima safra que vai ter dificuldade de ser plantada, a própria produtividade dessa safra futura está comprometida na medida que os solos se degradaram, ou seja, as camadas férteis de solo foram levadas pelas enxurradas; e isso também interfere na estrutura produtiva das indústrias. Teremos, sim, um efeito negativo sobre o PIB [Produto Interno Bruto]. O PIB não só vai deixar de crescer, mas o PIB do Rio Grande do Sul possivelmente em frente a um retrocesso. Em que medida ainda é difícil de se estimar, mas algumas consultorias econômicas e assessorias de bancos já estão estimando aí um impacto no PIB gaúcho entre 6% e 7%.
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