A educação é um direito garantido na Constituição para todas as pessoas, e obrigação para crianças e jovens com menos de 18 anos. Ao chegar na maioridade, alguns param de estudar e partem para outros interesses, mas o problema maior acontece quando essa decisão é tomada ou precisa ser feita antes desta idade.
A chamada evasão escolar sempre foi observada de perto pelas equipes das escolas e Conselho Tutelar, mas foi no retorno presencial, depois da pandemia, que o problema pareceu agravar. De fevereiro até agora, já foram cerca de 100 Fichas de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficais) encaminhadas para a equipe de conselheiros.
Em um levantamento feito pela Folha do Mate com todas as escolas estaduais e que oferecem o Ensino Médio (veja o box), a que tem maior número de alunos infrequentes, neste ano, até o momento, é a Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Cônego Albino Juchem (CAJ), do Centro, com 20 alunos que deixaram de comparecer em alguma das 23 turmas de Ensino Médio, que totalizam 657 estudantes.
A EEEM Adelina Isabela Konzen, de Estância Nova, tem seis alunos infrequentes nas seis turmas, com total de 111 alunos; a Crescer, do bairro Coronel Brito, tem cinco nas sete turmas que somam 181 estudantes; e a Frida Reckziegel, de Vila Palanque, também tem cinco infrequentes, mas somente em três turmas de Ensino Médio, que totalizam 60 alunos. Além dos infrequentes, há alunos com 18 anos ou mais que cancelaram matrículas: no CAJ são 30, na Adelina dois, no Crescer 10 e na Frida cinco.
O que dizem as escolas
A diretora do CAJ, Cláudia Neumann, comenta que a maioria dos alunos opta por trabalhar e acaba não conciliando as duas atividades – o estudo e a carga horária remunerada. Para tentar solucionar o problema, o serviço de orientação da escola entra em ação e constantemente tenta contato e uma busca ativa com os alunos e familiares. “Os que estão nesta situação normalmente são alunos em que a escola já tentou várias maneiras e não conseguiu contato”, explica. A maioria deles têm entre 16 e 17 anos.
A vice-diretoria da Escola Adelina, Simone Nunes Chaves, fala que os principais motivos que levam os estudantes a evadirem das salas de aula é a necessidade de trabalhar para ajudar as famílias. “Eles veem os pais apreensivos, não dando conta de pagar todas as despesas, e tudo está muito caro”, diz. Ela explica que a maioria dos infrequentes tem uma idade média de 16 anos e, por muitas vezes, a escola tem dificuldades de contato com as famílias destes alunos. “Nunca enviamos uma ficha para o Conselho Tutelar sem antes tentar ao máximo esse contato com o aluno ou familiares”, reforça.
A supervisora escolar da Crescer, Orionil Michaela Sovverby Brum, revela que quando ocorrem casos de infrequência, a orientação da escola tem o papel de chamar a família e falar sobre o compromisso e importância em manter os estudos. “Muitas vezes, os pais trabalham e o aluno tem que vir por conta, o que acaba não acontecendo, pois preferem ficar no conforto de casa e não ter o compromisso com a escola”, lamenta. Outros, segundo a profissional, cuidam de irmãos menores, ajudam os pais em casa ou são alunos inclusos, que não têm paciência e não compreendem o que é trabalhado. Assim, se torna um aprendizado insignificante para eles.
A diretora da Escola Frida Reckziegel, Rosângela Jung, enfatiza que após o retorno das aulas presenciais, o interesse dos alunos caiu muito. “Alguns arrumam qualquer motivo para ficarem em suas casas”, observa. Ela afirma que são respeitadas as situações de casos de Covid-19, que muitas vezes aconteceram e impediram os alunos de comparecer, mas que, principalmente, a vontade de ir à escola deve partir deles. “Temos transporte, alimentação, atendimento de qualidade e queremos os alunos aqui”, afirma. Rosângela menciona que no geral são alunos de 16 e 17 anos que deixam de frequentar, a maioria por começar a trabalhar e a família não cobrar a frequência na escola. “Quando conseguimos falar com as famílias, elas sempre concordam com a gente, aí o aluno volta a comparecer alguns dias e depois as faltas acontecem de novo.”
- Levando em consideração o número de turmas e alunos faltantes, a que tem maior problema é a Escola Frida Reckziegel, com índice de alunos faltantes de 1,66, ou seja, a cada 12 alunos, um está infrequente. Em seguida vêm a Adelina, com índice de 1, sendo que a cada 18 alunos, um falta às aulas; CAJ, com 0,87 e um faltante a cada 33 estudantes e, por último, a Crescer, com 0,71 e infrequência a cada 36 alunos.
Levantamento completo em 2022
Escola – Alunos infrequentes – Matrículas canceladas (18 anos ou mais)
- Adelina Isabela Konzen – 6 – 2
- Cônego Albino Juchem – 20 – 30
- Crescer – 5 – 10
- Frida Reckziegel – 5 – 5
- Mariante – 3 – Não informado
- Monte das Tabocas – 0 – 4
- Sebastião Jubal Junqueira – 4 – 2
- Wolfram Metzler – 0 – 2
- IFSul – 0 – 1
- Importante: Nas duas escolas particulares de Ensino Médio não houve casos de infrequência e cancelamento.
Necessidade de trabalhar e se sustentar
A reportagem da Folha do Mate conversou com uma das alunas do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Crescer, que teve que se afastar dos estudos por motivos de trabalho. A jovem de 17 anos, que prefere não se identificar, mora no Centro de Venâncio Aires e trabalha como vendedora durante o dia. Ela menciona que teve que faltar muitas aulas, em virtude da dificuldade de conciliar o trabalho com os estudos, mas que não pretende desistir de concluir o aprendizado.
Ela explica que ao começar o Ensino Médio, junto se iniciou a pandemia, o que tornou tudo mais difícil por ser no modo remoto. A jovem chegou a concluir o segundo ano, mas já no terceiro, teve que se afastar da escola. “A gente cresce e começar a precisar se virar sozinha né? Tem que caminhar com os próprios pés, mas nem por isso vou desistir dos estudos”, reforça.
A intenção dela é esperar os 18 anos para então cancelar sua matrícula na Escola Crescer e se matricular no EAD EJA do Sesc. “Este método vai facilitar muito a minha vida, já que eu trabalho o dia todo.” O sonho da vendedora é conseguir concluir o curso técnico de Contabilidade que iniciou neste ano e cursar a graduação de Pedagogia no futuro.
40 Ficais no Ministério Público
• O Conselho Tutelar de Venâncio Aires confirma que a evasão escolar no município ainda é alta, quando comparada ao fim do ano letivo de 2021. E, por vezes, o processo se repete com os mesmos alunos.
• De fevereiro até o momento, já foram cerca de 100 Fichas de Comunicação e Aluno Infrequente (Ficais) que chegaram até o CT. Deste número, 30 são evasões, ou seja, alunos que não retornaram. Outras 40 foram encaminhadas ao Ministério Público e 30 ainda estão em processo de tentativa de contato com as famílias.
• Segundo a coordenadora do local, Bárbara Luciane Fischer, ela e os outros quatro conselheiros, no momento, recebem mais demandas de adolescentes entre os 16 e 17 anos que deixam de estudar para ingressar no mercado de trabalho. No dia 9 de agosto, o Conselho Tutelar está organizando uma reunião com todos os orientadores das escolas para falar sobre as Ficais.
• O responsável pela 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Luiz Ricardo Pinho de Moura, menciona que a evasão escolar acaba acontecendo no decorrer do ano letivo de forma constante, mas que ações de busca ativa são feitas sem interrupção pela orientação das escolas em parceria também com a Brigada Militar, agentes de saúde e instrutores de tabaco que visitam áreas rurais.
• “Estas parcerias acabam sendo de muita importância, aproximam ainda mais a escola da comunidade, fornecem informações dos motivos da infrequência, qual a questão problema da família e orientam sobre a responsabilidade do aluno ir para a escola.”
Processo
1 As primeiras tentativas sempre partem das escolas, com o trabalho da orientação escolar, professores e equipe diretiva. Com cinco faltas seguidas ou 20% de infrequência em 30 dias, a orientação da escola já entra em ação. Após as primeiras tentativas, busca-se auxílio do Cras/Creas, unidades de saúde e tenta-se visitas domiciliar para uma busca ativa deste aluno.
3 Não tendo sucesso nos dois primeiros passos, é encaminhada a Ficha de Comunicação e Aluno Infrequente (Ficai) ao Conselho Tutelar do município, que passa a assumir o caso. Os conselheiros tutelares tentam novamente métodos de aproximação com cada família e aluno.
4 Se novamente não se consegue ou se nega o contato, e ainda, não se tem evidências de motivos e explicações da infrequência, e principalmente, o aluno não volta a frequentar a escola, o caso é encaminhado ao Ministério Público Educacional (MPEduc), que dá seguimento jurídico ao caso, com base no artigo 98 da Lei 8.069/1990, que dispõe que “medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável ou em razão de sua conduta.”