A luta da transexual Mayara para voltar ao mercado de trabalho depois do cárcere

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O dia 22 de abril de 2011 ficará marcado na história da transexual Mayara Christiny Cruz. Naquela noite ela acabou presa em flagrante por ter cometido um homicídio e foi direto para a cadeia. Condenada a 14 anos de reclusão, cumpriu nove e desde abril deste ano está em liberdade condicional. Costureira de profissão, trabalhou nas seis casas prisionais por onde passou e agora quer retomar a sua vida e voltar ao mercado de trabalho. “Quero me tornar um exemplo de cidadã, mas para isso eu preciso de uma nova oportunidade”, resume ela.

Aos 35 anos, Mayara aguarda uma trâmite judicial para retificar a sua certidão de nascimento. Nascida Maicon Diego Ferreira, garante que sempre trabalhou e que não tinha na prostituição a sua maior fonte de renda. Em liberdade, voltou a morar com a mãe, de 62 anos, que tem problemas de saúde. “Fiquei muito tempo longe dela e ela precisa de mim”, menciona a transexual, que viveu alguns dramas atrás das grades.

Dois deles quase lhe custaram a vida. Ela conta que no dia em que foi presa, foi encaminhada ao Presídio Regional de Santa Cruz do Sul. Como não havia cela separada para o público LGBT, foi colocada junto com condenados por estupro. “Numa noite, um cara que havia estuprado os dois filhos tentou abusar de mim e não aceitei. No outro dia, no pátio, ele me deu 11 facadas”, relembra.

Mayara sobreviveu e foi transferida para o Presídio Central (hoje Cadeia Pública), em Porto Alegre. O ano era 2012 e depois de muita luta, ela e mais duas colegas conseguiram criar a primeira galeria para trans do estado. “Recebi as chaves da galeria do então secretário de Segurança, Airton Michels. Foi uma conquista”, observa. Nesta época, trabalhou na alfaiataria do Central e, entre outras atividades, fazia e consertava as fardas que eram usadas pelos brigadianos da guarda.

Oportunidades

Ainda em 2012, um dos responsáveis pela casa prisional de Porto Alegre, vendo seu potencial, lhe ofereceu uma oportunidade que poderia melhorar sua situação dentro da cadeia. “Me deram a oportunidade para me transferir para uma cadeia nova, no Paraná, mas assim ficaria muito longe da minha mãe e então decidi escolher a segunda opção, que era a penitenciária de Osório. Fiquei lá por cinco anos”, conta.

Na casa prisional do Litoral, onde faltava uma costureira, foi desenvolvido um projeto para confeccionar artesanatos e roupas para serem vendidas durante a Festa do Peixe, que existe anualmente. “E também tinha a liberdade de fazer outros artesanatos para a minha subsistência e assim comprava meu material de higiene, entre outras coisas”, explica.

Em 2017, Mayara teve direito à progressão de regime e foi para o semiaberto. Mas para isso, teria que arrumar um emprego. “Um traficante que conheci na cadeia disse que ia me ajudar, com um emprego em Tramandaí. Pagaria minha passagem diariamente, mas em troca teria que trazer alguns pacotes quando retornasse à cadeia. Se fizesse aquilo, poderia estar presa até hoje”.

Mayara não aceitou e pediu para retornar ao regime fechado. Falou com o pessoal da guarda e um deles disse que a maneira mais fácil era se ela foragisse. “Então sai caminhando pelo portão, vim para Venâncio visitar minha mãe, fui presa novamente e fiquei 19 dias na Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva), antes de voltar para a penitenciária de Osório”, relembra.

De lá ela foi transferida para a Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), onde permaneceu um ano e meio, quando recebeu a oportunidade para se transferir para a recém-inaugurada Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan). Lá, ganhou um setor de trabalho e era responsável por fazer e reformar os uniformes dos presos. “Pedi e tive o direito de fazer um uniforme diferente para nós. Enquanto que para os homens era uma calça laranja, uma camiseta branca e cuecas, para nós fiz um macacão laranja e uma blusinha branca. E tivemos o direito de usar calcinhas”, lembra.

Como a maior parte da massa carcerária tem restrições às pessoas que trabalham e principalmente ao público LGBT, Mayara foi vítima de uma nova tentativa de homicídio, no pátio, mas desta vez escapou sem ferimentos graves. Então, foi transferida para a Penitenciária Estadual de Porto Alegre (Pepoa), onde permaneceu até o dia 20 de abril deste ano e foi para a condicional.

Preciso trabalhar

Costureira, Mayara não conseguiu emprego em sua área e trabalhou três meses em uma fumageira. Desempregada novamente, passa os dias mantendo contatos com empresas que precisam de profissionais da sua área, mas as portas teimam em se fechar para ela.
A maior dificuldade, além de ser uma pessoa trans, assegura, é por conta do seu passado. “Eu não sou uma pessoa ruim. Aquilo que aconteceu foi um momento de fúria, depois de uma injusta provocação. Eu preciso e quero trabalhar. Vejo que há vagas no mercado de trabalho. Eu só quero mais uma chance”, pediu.

Ao relembrar sua trajetória dentro do sistema prisional, Mayara se emociona e cita três pessoas que foram fundamentais. “Quando cheguei no presídio de Santa Cruz, a dona Fabi e a dona Daiana foram fundamentais. Eu poderia pegar um vidrinho e ir vender droga no pátio ou trabalhar. Escolhi a segunda opção e por isso estou aqui, em busca de uma nova opção”.

Mayara se refere à psicóloga Daiane Fabi Heck e a assistente social Daiana dos Santos. A terceira pessoa que a ajudou era o então diretor da casa prisional, Bruno Alencastro. “Elas plantaram esta sementinha dentro de mim e o Bruno a regou”, menciona, sem esquecer de agradecer a todas as profissionais que a auxiliaram. “Tem psicóloga que ainda fala comigo hoje”, diz.

A versão de Mayara para o crime

Consciente do que fez e de não poder dar a sua versão na época dos fatos, pois estava presa, Mayara disse que o que foi relatado após ela ir para a cadeia, não foi realmente o que aconteceu. Ao contrário do que se falou, ela não matou o homem devido a um desacerto após um programa. “Eu nem o conhecia. Só entrei naquele bar (que existia em frente à sede da comunidade Santa Rita de Cássia, no bairro Gressler) para pegar uma cerveja e ele começou a me ofender, me chamar de tudo. Então eu disse que aquele local era frequentado por pessoas que nem eu e que se ele não gostasse, que saísse de lá. Então ele começou a me agredir com socos e peguei uma cadeira para me defender. Bati muito nele mesmo. Foi o que aconteceu”, garante Mayara. Após este fato ela foi embora e momentos depois, uma guarnição da Brigada Militar foi até a sua casa. “Me perguntaram se eu tinha brigado na rua e disse que sim. Então me avisaram que eu tinha matado o homem e fui presa”.



Alvaro Pegoraro

Alvaro Pegoraro

Atua na redação do jornal Folha do Mate desde 1990, sendo responsável pela editoria de polícia. Participa diariamente no programa Chimarrão com Notícias, com intervenções na área da segurança pública e trânsito.

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