Da perda do pé à readaptação: a nova vida de Cristina Baumgarten

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Cristina Beatris Baumgarten, 44 anos, tem muito orgulho de todas ‘as partes’ de sua vida. Marido, filhos, familiares, vizinhos, amigos e conhecidos. Todos, de alguma forma, preenchem seus dias e tornaram tudo mais ameno depois do dia 10 de outubro de 2017, quando ela acabou perdendo uma parte do próprio corpo, num acidente de trânsito.

Há cinco anos, ela voltava do trabalho de moto quando acabou sendo atingida por um carro, em Linha Travessa, no interior de Venâncio Aires. Com a batida, os membros do lado direito ficaram seriamente feridos. Quebrou o braço, teve fratura exposta na perna e o pé foi decepado com a violência do choque.

Os primeiros dias no hospital nem foram de preocupação com a parte do corpo que não existia mais. Isso porque, durante muito tempo, Cristina não conseguia falar. “Mesmo com capacete, bati a cabeça muito forte e me disseram que afetou o nervo da fala. Levei meses até conseguir falar direito. Até hoje tenho um pouco de dificuldade na pronúncia”, relata a moradora do bairro Morsch.

Foram 10 dias de internação e, depois, meses de recuperação e adaptação dentro de casa. “Felizmente, tenho um marido maravilhoso [Daniel, 48] e filhos também [Vinício, 18, e Bruno, 13]. Assim como vários familiares, os vizinhos, amigos, colegas e conhecidos. Todos me ajudaram de alguma forma. Para dar um banho, fazer uma refeição, compras, limpeza da casa e na própria companhia, nas conversas. Tenho muita sorte de ter tanta gente especial ao meu lado.”

Cristina participou de um pedal, em Mato Leitão, no mês de outubro (Foto: Márcia da Luz/Divulgação)

Entre o caminhar e o pedalar

Além de toda ajuda das pessoas próximas, Cristina recebeu visitas domiciliares de profissionais da Secretaria de Saúde e fez fisioterapia por um ano e meio. Com muletas adaptadas por causa do braço quebrado, durante meses ela também ficou em cadeira de rodas, até que surgiu a oportunidade de receber uma prótese, através do Serviço de Reabilitação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Desde então, ela precisou reaprender a caminhar com o membro artificial.

“Mesmo com todo apoio, durante muito tempo dependi de antidepressivos, porque não foi fácil. Mas o que eu vi na Unisc, de pessoas com situações muito mais graves, vi que meu problema era muito pequeno perto daquelas histórias. Então decidi que precisava ser diferente.”

A prótese pesa 1,7 quilo e, por muitos meses, Cristina percorreu o Acesso Grão-Pará a pé. “Eu precisava me adaptar e o jeito foi ir, passo a passo. Mas o remédio encontrei em outro lugar.”

Andar de bicicleta não fazia parte da rotina de Cristina antes do acidente. Mas, as dores na perna e a necessidade de fazer algum exercício, a levaram a se aproximar de uma ‘magrela’. Começou devagarinho, nas quadras próximas de casa. Depois, ganhou a parceria de uma amiga e, desde então, os percursos são muito maiores. “Andamos por todo interior, fui até Passo do Sobrado. Já cheguei a fazer 56 quilômetros. Estou me sentindo muito bem, a bicicleta é um remédio para mim”, relata. As pedaladas ocorrem de duas a três vezes por semana.

Num passeio de família, com o marido Daniel e os filhos Vinício e Bruno (Foto: Arquivo pessoal)

“Eu perdi um pé, mas entendi que a vida continuava sendo um passo de cada vez”

Cristina trabalhou em indústrias desde os 14 anos, passando por fábrica de calçados, metalúrgica e fábrica de móveis. Conta que sempre gostou da correira, do serviço mais ‘bruto’, conforme as próprias palavras, e, por isso, esses anos de parada têm sido difíceis.

“Nunca fui de ficar parada e tenho muita vontade de voltar a trabalhar. Sei que provavelmente não poderei mais fazer o que já fiz um dia, mas algum serviço vou conseguir”, projeta. Por causa de uma exigência do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) para seguir com o benefício do auxílio-doença e ser realocada no mercado de trabalho, Cristina voltou a estudar.

Em 2022, terminou o 6º e 7º anos do Ensino Fundamental na Educação de Jovens e Adultos (EJA), da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Dois Irmãos. “A gente também tem Educação Física e precisamos registrar o que fazemos. As professoras sempre dizem que eu sou o exemplo, porque estou sempre em movimento”, conta, orgulhosa.

Cristina sempre adorou cozinhar e fazer doces e bolachas é um dos maiores prazeres. Neste registro, está a produção de bolachas de Natal de 2022 (Foto: Arquivo pessoal)

Hoje, Cristina diz que tem uma vida normal, dentro das adaptações que foram necessárias, desde a instalação de corrimões no banheiro, o uso da prótese, guiar um carro ou lembrar que não é o pé direito que deve apoiar quando sai da cama. “Durante muito tempo não toquei minha perna e até tive vergonha de mostrar. Mas tenho tanto orgulho do que superei, sempre com a ajuda das pessoas. Continua não sendo fácil, pois eu perdi um pé. Mas entendi que a vida continuava sendo um passo de cada vez e se a gente quer, a gente consegue.”

“Me falta o pé, mas não falta vontade. Posso dizer que, pela minha família e por tantas pessoas maravilhosas que me ajudam e já ajudaram, eu tenho uma vida completa, com todas as partes.”



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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