Nove meses após a enchente, casas prometidas em Venâncio ainda seguem no papel

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Expectativa maior é pela construção das 72 residências, em Vila Estância Nova, para famílias atingidas pela enchente do rio Taquari.

“É meu sonho. Ter uma casa própria e onde não pega enchente.” Nilda Maria Rosa Schwingel Bergenthal, 70 anos, está entre os milhares de gaúchos atingidos pela catástrofe climática de maio de 2024 e que ainda esperam. Esperam para ter novamente uma casa para chamar de sua e que seja em lugar seguro. A venâncio-airense, que viu o rio Taquari levar embora os bens materiais e trazer problemas de saúde e angústia, se emociona até hoje ao lembrar do que precisou abandonar em Linha Chafariz, localidade de Vila Mariante, no interior de Venâncio Aires. Mas sabe que para lá não dá para voltar.

Nove meses depois, os dias de espera seguem e, assim como muitos, ela lamenta que as coisas não andam conforme o prometido. “Por que demora tanto?”, questiona. Para tentar responder à pergunta de Nilda e de tantos outros, a Folha do Mate contatou os governos municipal, estadual e federal.

Depois de terraplenagem, área do IPM deve ter demarcação de ruas e lotes

Em Venâncio Aires, uma das maiores expectativas em termos de obras pós-enchente é o novo loteamento na área de 5,7 hectares do antigo Instituto Penal de Mariante (IPM), em Vila Estância Nova, onde serão erguidas 72 casas. Em junho passado, durante visita de uma comitiva liderada pelo próprio governador Eduardo Leite, o secretário estadual de Habitação e Regularização Fundiária, Carlos Gomes, afirmou que as primeiras 40 casas previstas para o local deveriam ser concluídas até setembro, no máximo em outubro de 2024.

Passados quatro meses do prazo previsto, foi apenas na semana passada que a Prefeitura conseguiu concluir o trabalho de limpeza dos entulhos (da demolição do prédio do antigo IPM realizada em julho de 2024) e a terraplenagem. “Foram muitas semanas dedicadas, porque havia muito por fazer. Dezenas de cargas de material retiradas, corte de árvores, cobrir enormes buracos de tocos das árvores. Tinha muito volume de material e depois fazer toda a terraplenagem”, explica o secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sisp), Sid Ferreira. Segundo ele, para os próximos dias, o objetivo é seguir para a segunda fase da infraestrutura, que é a demarcação de quatro ruas, onde entre elas serão separados os lotes.

Em paralelo

A construção das casas caberá ao Estado, mas a infraestrutura é de responsabilidade do Município. A secretária de Planejamento e Urbanismo, Deizimara Souza, destaca que já está contratada uma empresa para o projeto urbanístico. Em paralelo, deverão ser licitadas as obras de água, luz e pavimentação. “Já temos documentação junto à Corsan, RGE e Sacyr, para fazer um acesso pela RSC-287. Entendo que a infraestrutura não precisa estar totalmente pronta para o Estado vir e começar a construir as casas. O Município pode trabalhar em paralelo à construção.”

Perguntada se há algo travando a agilidade do processo, Deizimara diz que não há entraves. “Acho que não está travando em nenhum lugar. Claro que tem a questão das famílias, de quem quer voltar para uma casa própria. Mas falando em obras, de uma experiência de 20 anos que tenho [no setor público], posso dizer que, do que é possível fazer, o processo está andando. É um loteamento que será feito completamente do zero.”

Secretários de Infraestrutura e Serviços Públicos e de Planejamento e Urbanismo, Sid Ferreira e Deizimara Souza: “Prioridade número 1 é o restabelecimento de moradias.” (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Os outros projetos habitacionais que podem ser destinados para famílias vítimas da enchente

  • As 30 casas no bairro Brands: o projeto é pelo Minha Casa Minha Vida – Calamidade e integra o pacote anunciado pelo Governo Federal em março de 2024 como alternativa à população de Vila Mariante atingida pela enchente do rio Taquari em setembro de 2023. A construção das casas e toda a infraestrutura do espaço serão responsabilidade da empresa venâncio-airense ALM Engenharia. “Já tínhamos entrado com projeto das casas e orçamento, mas como lá não tem infraestrutura de pavimentação e a Prefeitura não tinha licitado a ‘infra’, foi sugerido que a construtora fizesse o projeto total. O Minha Casa Minha Vida já é um processo longo, todos os projetos que estamos para assinar do faixa 1, por exemplo, estamos há um ano trabalhando. A burocracia é grande. De qualquer forma, todos os processos estão atrasados, porque é muito demanda e houve prorrogações. Se a Caixa agilizar a análise, a obra podemos fazer bem rápido”, afirma o diretor da ALM, Luiz Paulo Assmann Júnior.
  • Morada das Lavandas: o residencial no bairro Aviação terá 112 apartamentos e também está a cargo da ALM. A obra começou em julho de 2024 e o prazo é de 18 meses para conclusão. Segundo Junior Assmann, 39% estão concluídos. Trata-se de um projeto do Minha Casa Minha Vida, mas não tem a ver com a calamidade. Mesmo que a origem não seja essa, a Prefeitura já declarou outras vezes que o residencial pode, sim, se precisar, atender as famílias vítimas das enchentes que ainda não tenham sido contempladas pelas casas no antigo IPM ou pelo Compra Assistida.
  • As 52 casas no bairro Battisti: assim como as 72 unidades no antigo IPM, as casas no Battisti são de projeto do Governo do Estado. Ambos pelo A Casa é Sua, mas é em Vila Estância Nova que a origem foi a situação de calamidade. Ainda assim, a Prefeitura também já disse que, para o bairro Battisti, serão priorizadas as pessoas que estão no aluguel social por conta da enchente. A responsável pela obra é a empresa MTX Construtora. Segundo a secretária Deizimara Souza, já foi feita a sondagem do terreno e o contrato prevê 180 dias para conclusão das obras.
No bairro Battisti, estão previstas 52 casas pelo Estado. Embora não seja projeto de situação de calamidade, Prefeitura diz que serão priorizadas pessoas que estão no aluguel social (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

“Não sabemos quantas famílias serão beneficiadas pelo Compra Assistida”

Na semana passada, durante capacitação promovida pelo Governo Federal em Porto Alegre, foram detalhadas regras do programa federal Compra Assistida, voltado às famílias vítimas da enchente de maio de 2024. As secretárias de Habitação e Desenvolvimento Social, Camilla Capelão, e de Planejamento e Urbanismo, Deizimara Souza, participaram.
Segundo Camilla, inicialmente Venâncio teve uma lista de 21 famílias contempladas da zona urbana e três famílias da zona rural. “Aguardamos para que mais famílias sejam contempladas, já que o Município enviou, em um primeiro momento, 309 nomes. Posteriormente, foram enviadas mais 30 famílias que tiveram suas casas destruídas ou interditadas definitivamente pela enchente.”

Ainda conforme a secretária, dos 24 elegíveis, três já confirmaram a compra da casa. Ela ressalta ainda que a divulgação das listas das famílias elegíveis é de responsabilidade da Caixa. “Os dados das famílias serão analisados e, caso se enquadrem nos critérios do governo, serão divulgados pelo próprio banco. Portanto, não sabemos ao certo a quantidade de famílias que serão beneficiadas nem quando as listas serão divulgadas. Esperamos que todas sejam beneficiadas.”

Prazos e valores

Camilla destaca que as famílias autorizadas pelo Compra Assistida, mas que até o prazo de 60 dias após a autorização não fizerem a aquisição da residência, serão incluídas no sistema nacional de habitação, que em Venâncio está com projetos em andamento nos bairros Brands e Aviação.

Quem optar pela compra na região urbana terá R$ 200 mil custeados pelo Governo Federal. Com isso, o terreno atingido, se for na região urbana, deverá ser repassado pelo proprietário ao Município e, se for no interior, poderá ser utilizado pela família apenas para produção agrícola. Para quem optar por participar do programa, mas comprando área no interior, o valor repassado será de R$ 86 mil. Para ambas as áreas, a compra não poderá ser em áreas atingidas pela enchente.

Aluguel social devido à enchente

  • A secretária de Habitação e Desenvolvimento Social, Camilla Capelão, explica que Venâncio Aires já tinha regulamentado o benefício eventual do aluguel social para pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica.
  • Com as enchentes, foi regulamentado por decreto o benefício eventual por calamidade. Então, nesse caso, não foi necessária avaliação por critério de renda, apenas o fato de ter a casa destruída ou inabitável. O contrato é de seis meses e, quando próximo do vencimento, os moradores são chamados para reavaliação/renovação por mais seis meses, podendo chegar, no máximo, a 18 meses.
  • Considerando esse prazo, os contratos encerrariam em novembro de 2025. Mas, como não há previsão imediata de casas construídas ou andamento do Compra Assistida, Camilla afirma que cada situação será analisada. “Esperamos que neste tempo as pessoas já tenham sido atendidas, seja pela Compra Assistida, seja pelos projetos habitacionais. E nos próximos meses vamos intensificar isso, ver a situação de cada família.”

Além da casa, espera pelo Auxílio Reconstrução

Nilda Maria Rosa Schwingel Bergenthal, 70 anos, mencionada no início dessa matéria, está entre as atuais 237 famílias que recebem o aluguel social pela Prefeitura. Sabe que não poderá voltar para Linha Chafariz, mas tem esperança de ter uma casa própria novamente, já que a dela foi condenada. Até o fim de abril de 2024, ela morava na localidade de Vila Mariante e o filho e o neto residiam na mesma propriedade, mas em outra casa.

Desde junho, os três moram no bairro Cidade Alta, numa casa geminada semimobiliada. Roupas e outros utensílios chegaram através de doações. Antes disso, foram 35 dias no abrigo em Linha Mangueirão. Do que salvaram da enchente de 2024, eles têm o carro, que nem estava em casa, e Amarelo, um dos cachorros da família, que sobreviveu após ficar 10 dias sobre um roupeiro, no segundo andar da casa onde morava o filho de Nilda.

Dura lembrança

A aposentada morava em Chafariz há 13 anos e diz que jamais imaginou viver uma enchente como a que a mãe dela contava. “Cresci em Picada Mariante e a mãe falava de 1941 e achei que isso nunca ia acontecer. Mas deu em setembro e em novembro de 2023. Lá já perdemos tudo, inclusive nove cabeças de gado. Fiquei cardíaca depois disso. Mas o que aconteceu em 2024 foi ainda pior.”

Nilda lembra que eles saíram de casa ao meio-dia do dia 30 de abril. “Foi tudo embora com o rio.” As casas ficaram de pé, mas estão condenadas, por isso, ela não vê a hora de ter novamente o próprio lar. Enquanto isso, ela também vive outra espera: os R$ 5,1 mil da União, referentes ao Auxílio Reconstrução. “Ainda não recebi. A Prefeitura já entrou com recurso de novo. Estou esperando.”

Nilda Bergenthal, 70 anos, morava em Linha Chafariz. Desde junho está no aluguel social e sonha com uma casa própria (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Atingidos pela enchente: 490 em análise

De acordo com a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social, até o dia 31 de janeiro, 2.547 pessoas foram habilitadas, ou seja, já receberam ou podem receber o Auxílio Reconstrução. Destes, 2.473 foram confirmados pelo responsável familiar (que deram aceite no gov.br) e receberam o valor e 74 aguardam a confirmação do responsável familiar (já estão habilitados, mas precisam dar o ‘ok’ no gov.br, para ser liberado o dinheiro).

Aguardando avaliação do Governo Federal, são 490 pessoas: 269 em análise pelo sistema do Auxilio Reconstrução e 221 pelo SEI, que é um sistema de peticionamento eletrônico, onde ainda foram solicitadas reconsiderações. São casos negados, em que a Prefeitura solicitou a reavaliação, pois estão dentro dos critérios.

Edição da Folha do Mate de 13 de junho de 2024, com expectativa do Estado sobre entrega das primeiras casas

O que dizem Estado e União

  • A reportagem da Folha do Mate contatou a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária do Rio Grande do Sul para saber há alguma previsão por parte do Estado de começar a construir as casas na área do antigo IPM e se há algum entrave em relação ao projeto.
  • Através da coordenação de Comunicação da pasta, foi informado: “Não há entrave algum, está tudo dentro do cronograma. Só falta a Prefeitura terminar a preparação do terreno. Assim que o terreno for entregue, pronto, as obras iniciam no mesmo dia.”
  • Quanto à União, a Folha contatou o coordenador do escritório do Governo Federal no Rio Grande do Sul, Maneco Hassen, perguntando sobre o andamento do Compra Assistida, do Auxílio Reconstrução e dos projetos do Minha Casa Minha Vida Calamidade. Hassen respondeu sobre o auxílio e informou que “Em dezembro, encerrou o prazo para os recursos e todos serão analisados. Já são 419 mil famílias contempladas, sendo 2 mil delas em Venâncio Aires.”
  • Além disso, Maneco também compartilhou um relatório com dados de ações do Governo Federal em Venâncio. Segundo o documento, o total de transferências e investimentos no município já chegou a R$ 303 milhões. São R$ 99,2 milhões no cuidado com as pessoas, R$ 177,6 milhões de apoio às empresas e R$ 26,1 milhões de medidas para o Município.


Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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