Nas redes sociais, existe uma ‘hashtag’ muito usada para legendar fotos de passeios ou encontros: #colecionandomomentos. Mas muito antes do Facebook e do Instagram, ‘colecionar’ já era um dos principais verbos na vida de Carlos Knak. Esse senhor que completou 90 anos no último sábado, 24, é um colecionador nato. Revistas, livros, orquídeas, pratos pintados, selos, embalagens de sabonete. Mas também viagens e passagens por empresas de tabaco, seja como funcionário, seja como liderança – é um dos fundadores da CTA. Com tanta experiência de vida, seu Knak, como é conhecido por muitos em Venâncio Aires, acabou virando um colecionador de memórias e de emoções e parte dessa trajetória a Folha do Mate resgata nesta reportagem.
Da igreja no Grüner Jäger ao ‘prezada senhora’
Ernesto Knak (1905-1975) era um tropeiro de Santa Cruz do Sul, mas também um excelente pedreiro e por isso acabou cruzando o arroio Castelhano para ajudar numa obra especial para uma pequena comunidade do interior de Venâncio Aires. Ernesto ainda não sabia, mas o que ele ajudaria a construir também marcaria a própria vida.
Foi em 1929, durante a construção da Igreja Evangélica Luterana da então localidade de Grüner Jäger, atual Linha Marechal Floriano, que Ernesto conheceu Hilda Pauline Henn (1908-1991), moradora dos arredores. Foi naquele templo recém-erguido que eles casaram, em 1930. “Não é comum alguém construir a igreja para casar”, comenta, entre risos, Carlos Knak. É assim que começa a história dele, que completou 90 anos no último 24 de julho.

Seu Knak, como é conhecido por muitos em Venâncio Aires, nasceu em Monte Alverne, em Santa Cruz do Sul. Aos 7 anos, foi matriculado no internato do então Colégio Synodal (atual Mauá, em Santa Cruz), onde também estudou o único irmão, Arlindo, hoje com 87 anos. Foi lá que fez o ginásio e o Técnico em Contabilidade (é formando das primeiras turmas). Os estudos foram custeados pelo trabalho na mãe, já que Hilda era padeira e lavadeira na escola. O próprio Carlos, sempre quando tinha um tempo livre nos estudos, ajudava a mãe nas tarefas.
Ainda estudante, o jovem começou a trabalhar com 15 anos (essa história merece um espaço à parte). Em 1950, serviu ao Exército, onde precisou ficar apenas meio ano já que, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ele teve treinamento militar porque os quartéis iam às escolas.
Os sins
Em 1951, com 20 anos, Carlos já tinha começado a pesquisar as próprias origens. O gosto pela genealogia, aliás, é uma das coleções diversas que têm na vida. Sabendo dessa busca por nomes conhecidos, que um colega observou uma assinatura em uma nota após comprar iogurtes em Taquara, hoje município de Gramado. A pronúncia era a mesma, mas a grafia diferente: ‘Knaack’ e quem assinava era uma tal Gerta. Curioso, Carlos decidiu escrever para ela.
“Comecei a carta com um ‘prezada senhora’ e disse que gostaria de saber mais da família e se poderia pesquisar. Ela respondeu que sim, mas que não era senhora.” A pequena gafe de Carlos foi inevitável, afinal ele não tinha como saber que Gerta era apenas uma moça de 15 anos. De qualquer forma, isso não impediu que eles continuassem se correspondendo, numa amizade que virou namoro até que Gerta disse outro ‘sim’, dessa vez para o casamento, que aconteceu em 1958.

Participações
- Carlos Knak sempre participou de diversas atividades e em Venâncio Aires viria a ter um grande envolvimento na comunidade, participando da fundação de entidades. Em 1958, ajudou a fundar o Lions Clube Venâncio Aires, sendo o primeiro presidente.
- Também foi sócio-fundador do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) em 1962 e fundou o Clube de Bolão do Grêmio Sete de Setembro, em 1959, do qual foi o primeiro presidente.
- Em 1992, o que já era uma paixão dele e da esposa Gerta, também dá início a outra entidade. Knak ajudou a fundar o Núcleo de Orquidófilos de Venâncio Aires (Nova), que hoje também abrange Mato Leitão e Passo do Sobrado.
- As orquídeas estão em boa parte da casa de Knak. Seja dentro da estufa, onde cultiva cerca de 10 tipos da flor (incluindo a micro orquídea, sua favorita), seja em fotos, pinturas e prêmios de exposições. Como ele mesmo definiu, é uma de suas emoções: guarda e cultiva tudo com carinho.
Quase 75 anos em meio ao tabaco
Carlos Knak ainda estudava quando começou a trabalhar na Companhia Brasileira de Fumo em Folha (CBFF), a Souza Cruz, em Santa Cruz, onde assinou a Carteira de Trabalho em 27 de dezembro de 1946, com apenas 15 anos. “Com meu primeiro ordenado, que na verdade foram só cinco dias daquele mês, fui na cantina do colégio e comprei uns chocolates Neugebauer”, revelou. O gosto por chocolates segue até hoje (os filhos também adoram) e geralmente é o presente dado pelos netos.
Dentro da fábrica, aprendeu todos os processos que envolvem o beneficiamento de tabaco. No início da década de 1950, ele trocava correspondências para adquirir selos estrangeiros e uma das cartas parou nas mãos do chefe. Foi assim que perceberam que o jovem falava em inglês (além de alemão, francês e latim, aprendidos no colégio).
A fluência com outra língua fez dele o primeiro brasileiro do ramo tabacaleiro a estagiar fora do país. Isso aconteceu em 1954, nos Estados Unidos, onde durante quatro meses aprendeu sobre os processos com o tabaco Virgínia, que nem era cultivado na região de Venâncio, e o Burley. Até então, o que se tinha em estufa era o chamado ‘fumo amarelinho’ e o ‘comum de galpão’.
Na volta para o Brasil, foi para Santa Catarina supervisionar a fábrica de Blumenau e ser o responsável pela construção da unidade da Souza Cruz de Tubarão. Lá, permaneceu até 1956, quando voltou ao Rio Grande do Sul e começou sua história no ramo tabacaleiro de Venâncio Aires.

Venâncio
Na Capital do Chimarrão, Knak recebeu uma proposta para trabalhar na empresa Rio Grande Tabacos (RGT). Ela ocupava todo o quarteirão onde hoje está o Super Lenz da rua Tiradentes. À frente, na quadra do Banrisul, também havia alguns galpões da empresa. Na RGT, Knak participou da construção dos três novos prédios para compra de fumo, em um campo na rua Emilio Selbach (hoje pertencente à empresa Alliance One).
Foram 10 anos e, em 1966, começou a trabalhar na Flórida. O prédio foi demolido há alguns meses (ficava na esquina das ruas Assis Brasil com General Osório). Na Flórida também permaneceu por uma década, até 1976, quando iniciou sua trajetória dentro da Fumossul.
O começo de uma empresa ‘continental’
Carlos Knak trabalhava na Fumossul em 1992 quando ela foi comprada pela norte-americana Universal Leaf Tabacos e viveu aquelas semanas de incerteza em 1993, quando foi anunciado o fechamento da unidade em Venâncio e a transferência do parque industrial para Santa Cruz do Sul.
Depois de uma mobilização histórica, que envolveu políticos, lideranças e milhares de famílias que tinham sua renda atrelada à empresa, a direção da Universal anunciou que ficaria.

Mas, em 1994, alguns diretores, entre eles Allan Kardec Nunes Bichinho e Carlos Knak, optaram por começar uma outra história. Saíram da Fumossul e fundaram a Continental Tobaccos Alliance (CTA). “Pensamos num nome para abranger os continentes. Começamos a trabalhar em cima do pórtico do Parque do Chimarrão e a visitar plantadores de fumo”, lembra Knak.
Ele conta que na primeira safra, o prédio da CTA ainda não estava pronto e a estrutura da Brasfumo foi usada para beneficiar as primeiras folhas. Quando a empresa já contava com um prédio próprio, começou com uma linha de processamento e cerca de 200 funcionários. Ninguém imaginava que anos depois se chegaria a até duas mil pessoas trabalhando no auge da safra.
Knak é acionista da CTA e trabalhava todo dia. Estaria indo até hoje, se não fosse a pandemia de Covid-19.
42 – é o número de países que Knak conheceu em viagens. Praticamente toda a América do Sul, Estados Unidos, Canadá, além de parte da Europa, África e Ásia. Um dos principais destinos foi a China, para onde também viajou não só a trabalho, mas para aproveitar com a esposa Gerta.
Curiosidade
Na década de 1970, Knak decidiu voltar a estudar e cursou Direito. Chegou a advogar, mas o trabalho nas fumageiras sempre foi o principal. Além disso, também foi professor e deu aulas de inglês nos colégios Gaspar Silveira Martins e Oliveira Castilhos.

Sobre coleções e orgulhos
No início desta matéria se disse que Carlos Knak é um colecionador nato. Isso porque ainda era um rapaz de escola quando começou sua coleção das figurinhas Eucalol – um sabonete de eucalipto verde, que vinha com estampas de diversas histórias, lendas, uniformes, pessoas e animais. A coleção está guardada até hoje.

Além dela, seu Knak coleciona selos, orquídeas, pratos pintados de países visitados, porcelanas e quadros (muitos pintados pela mulher, Gerta, falecida em 2014, aos 79 anos) e carteiras de cigarro (mas não fuma!). Leitor voraz, tem centenas de livros e coleções inteiras de revistas, como da National Geographic. Como pesquisador de genealogia, já chegou até o século 16, tanto do lado dele, quanto da esposa.
Carlos não esconde a satisfação ao falar e mostrar suas coleções, mas diz que seu maior orgulho é a família e os valores passados. “Procurei sempre ser correto, com tudo e com todos.”

“O setor fumageiro vai continuar ajudando no crescimento de Venâncio. Muito do progresso nas últimas décadas se deve ao tabaco, um fator econômico de grande incentivo para o município.”
CARLOS KNAK
Sorte na vida
A entrevista com Carlos Knak foi acompanhada por dois de seus filhos, Ingrid e Dieter, que gentilmente me receberam na manhã da última quinta-feira, 29. Depois de ouvir tantas histórias, seu Knak me convidou para conhecer a casa e mostrar suas coleções, além do quintal, com pés de laranja, bergamota, milho, nozes, café e até uma plantação de trevos de quatro folhas. Sim, o mesmo associado à boa sorte. Confesso que foi uma grata surpresa (eu nunca tinha visto!) e mais surpresa ainda fiquei ao receber um galhinho de presente do seu Knak. “Dizem que para a gente ter sorte, precisamos receber, não pegar. E eu gostaria de te dar um.”

Feliz da vida, colhi alguns e dei para pessoas queridas. Se eu acredito? Aqui compartilho da opinião do seu Knak. “Sorte vem com muito trabalho”, afirmou. No meu caso, foi com minha profissão que tive a oportunidade de conhecê-lo e ouvir boa parte de uma história de vida de 90 anos, mas que também se confunde com parte da trajetória da cidade.
Mais uma entrevista cheia de surpresas e ensinamentos. E eu, que já me considerava sortuda pelas oportunidades que o Jornalismo proporciona, ainda ganhei um trevo de quatro folhas! Sorte e trabalho (né, seu Knak?) nunca são demais.