Quando o investimento público e privado reverte em infraestrutura

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Ao longo da história, nos processos de formação de um país ou um estado e suas respectivas leis consolidadas, estabeleceu-se que um governo é o grande responsável pela população. Mas, e quando ele não dá conta? Ou, pior, passa a impressão de que literalmente esqueceu das suas ‘crias’?

No Rio Grande do Sul, nas últimas décadas, o consenso é que alguns serviços são decadentes. A opinião passa pela falta ou, no mínimo, pelo atraso de recursos para escolas, hospitais e estradas, por exemplo. Só na Capital do Chimarrão, o venâncio-airense aponta corriqueiramente alguns gargalos, entre eles a falta de manutenção em rodovias, como a VRS-816 e a ERS-422.

Na sua ‘mea culpa’, o Estado tem reconhecido uma incapacidade para garantir muitas questões e, recentemente, se tem visto alternativas de tentar dividir a responsabilidade. Um exemplo é a concessão, à iniciativa privada, da RSC-287, por 30 anos, além da, ainda discutida, privatização da Corsan. Mas, além disso, há questões menores, às vezes demanda de uma pequena localidade que, se resolvidas, vão fazer uma grande diferença. E aqui, novamente, é contando com a mão do setor privado que alguns projetos têm recebido um ‘empurrão’ para fora do papel.

“Seria muito cômodo ficar reclamando e esperando. Mas queremos fazer parte da solução e, se todos os setores tiverem interesse, a parceria público-privada funciona.” A opinião é do empresário Junior Haas, proprietário da Haas Madeiras, localizada em Linha Brasil, à margem da ERS-422.

Em dezembro passado, a empresa aderiu ao Programa de Incentivo ao Acesso Asfáltico (PIAA/RS) que estimula empresas e cooperativas a executar obras em estradas estaduais. Em contrapartida, têm o valor investido na obra abatido do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O projeto cadastrado é para construir uma nova ponte sobre o popular arroio Madalena, a poucos metros da empresa. “Articulamos com o Daer, pagamos o projeto técnico e parte do ICMS será para a obra. Como o valor não chega, a Prefeitura também vai entrar com o financeiro”, explica Haas.

Orçada em R$ 700 mil, a obra ainda depende de aprovação do Estado. Depois, a execução tende a ser rápida e a nova ponte terá 12 metros de comprimento e 10 de largura.

Descentralização

Regulamentadas no Brasil, em 2004, as parcerias público-privadas (PPPs) concedem a entidades privadas o dever da prestação de serviços públicos. O assunto é complexo e está atrelado a prazos, modelos e valores, os quais, muitas vezes, se tornam inviáveis no orçamento de um município. Para se ter uma ideia, o valor mínimo previsto é de R$ 10 milhões.

Para o empresário Junior Haas, que também é vice-presidente da Indústria da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Venâncio Aires (Caciva), a ideia precisa ser descentralizada. “Com ajuda de empresas ou cooperativas, elas poderiam sugerir às Prefeituras onde elas acham que seria um local potencial para o setor de avicultura, por exemplo. Naquela região, se pensa um projeto estratégico, feito por partes, onde se criam ramais que, futuramente, vão se interligando.”

Para isso, Haas entende que os municípios deveriam ter mais autonomia legal e contar com a maior fatia tributária. “Tudo que se puder resolver e solucionar dentro do município vai ser mais rápido, então ele precisa poder legislar sobre obras e projetos. Quanto ao financeiro, a distribuição deveria ser diferente. O Município deveria levar a maior parte do recurso, ao invés de ser o último e receber as migalhas dos impostos.”

O empresário avalia que, se houvesse essa reorganização administrativa, as PPPs poderiam seguir como um caminho viável para melhorias em infraestrutura. “Acho que as PPPs, hoje, são uma alternativa, enquanto os governos se organizam. Se houver uma reorganização na carga tributária, as parcerias podem ser permanentes, porque não seriam os municípios a pedir ajuda e sim, eles que seriam solicitados pelo Estado e União.”

“A grande beneficiada deve ser a população”

Além de boas estradas, outra área tem se mostrado cada vez mais essencial para o desenvolvimento: internet. Em Venâncio Aires, onde há 12 provedoras, é a fibra óptica que tem avançado e só a FBNet mantém 3 mil quilômetros de cabeamento na cidade e no interior.

Junior Bohn, da FBNet, avalia que os setores públicos precisam se modernizar (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Segundo o proprietário da empresa, Junior Bohn, o ramo da internet requer muitos equipamentos, o que tende a ser uma exigência ainda maior com a futura implantação do sinal 5G. Para ele, ainda que no conceito formal a ideia não seja exatamente uma PPP, a Prefeitura ceder espaços para as empresas é uma parceria importante.

“Todos querem um bom sinal de telefone e internet. Uma alternativa que vejo é a Prefeitura disponibilizar a estrutura de postos de saúde e escolas do interior para a alguma empresa instalar uma torre ou um equipamento. Seria bom para todos. Para mim, uma parceria pode ser alguém ceder e outro investir, mas que a grande beneficiada seja a população.”

Bohn cita o exemplo de Porto Alegre, que aprovou uma lei municipal para que empresas de telecom usem placas turísticas e as sinaleiras para instalar equipamentos de internet.

Modernização

Para o empresário, além de autonomia para legislar sobre projetos e obras, os governos municipais deveriam se ‘modernizar’ para se aproximar, em certos aspectos, do setor privado. “Já existe uma lei federal de que tudo nas Prefeituras, Estado e União deve ter prazo, porque assim os governos podem ser cobrados ou vão pagar por uma omissão. Tem que ser como uma empresa que vai realizar um serviço: se ela não cumpre o prazo prometido, vai ser cobrada.”

Junior Bohn entende ainda que, o ideal seria o poder público se preocupar apenas com a legislação e a regulação, e que a gestão de determinados serviços, inclusive a saúde, deveria ser privada.

Simplificar

O empresário, ainda em 2022, espera concluir um outro prédio para comportar todo o suporte técnico da FBNet. Segundo ele, o espaço vai dar conta de um crescimento estimado para os próximos 15 anos. “Há quem pense que o setor privado só quer enriquecer ou guardar dinheiro. Na verdade ele vai continuar investindo e todo investimento vai reverter em mais serviços e mais empregos, o que vai movimentar outros setores. Todos ganham.”

Para Junior Bohn, dentro da Prefeitura de Venâncio Aires deveria ter um setor especializado para orientar empresários sobre programas e parcerias. “Se tivesse um setor ou bastava duas pessoas que conheçam essas leis específicas, para orientar e propor projetos, acredito que muitos processos seriam simplificados. Infelizmente o setor público, no geral, tem uma burocracia extremamente lenta e prefeituras, Estado e Governo Federal precisam se modernizar para agilizar as coisas.”

Outras parcerias

O prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa, explica que hoje, devido às determinações legais em torno da lei das PPPs, como tempo de duração de um contrato e valores, o porte orçamentário foge da capacidade municipal.

“Geralmente pelo tamanho não se vislumbra que isso possa acontecer, mas tem possibilidade de se formatar. O que temos, cada vez mais, são parcerias com entidades e empresas, além da terceirização.” Entre serviços contratados, está a coleta de lixo, limpeza de postos e escolas e aquisição de horas-máquina para a agricultura.

O mesmo vale para instituições de ensino. Um exemplo é a gestão compartilhada na educação infantil. O modelo de administração foi implementado na Emei Vó Helma, do bairro Brands, em 2019. Embora não tenha seguido, devido a dificuldades em encontrar interessados, a ideia da Prefeitura é que a gestão compartilhada seja o formato administrativo da futura Emei Xangrilá.

Para o prefeito Jarbas, as parcerias com o setor privado são importantes. “Isso é importante para o setor público na medida que pode trazer mais rapidez para obras de infraestrutura, como pavimentação, energia, água e saneamento. Quando bem formatada, tem o potencial de avançar essas obras. Então em vários municípios grande do país, as PPPs são eficientes sim.”

Painel

Infraestrutura e parcerias público-privadas é o tema do quinto debate Gente & Negócios e ocorre na próxima terça-feira, 30, a partir das 20h. O painel é promovido pela Folha do Mate e rádio Terra FM e poderá ser acompanhado ao vivo pelo 105.1 ou em vídeo pelo Facebook dos dois veículos.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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