
Um dia de cada vez. é assim que, há quase 30 anos, Norberto*, encara o alcoolismo. Foi assim, evitando o primeiro gole de álcool a cada 24 horas, que ele retomou a vida, reconquistou amigos e familiares e voltou a ser protagonista da própria história.
Quase três décadas depois de pisar em uma reunião do grupo Alcoólicos Anônimos (AA) pela primeira vez, Norberto, 72 anos, se orgulha de ser “o vovô da turma”. “Sou um alcoolista em recuperação e estou mais um dia sem beber”, frisa, ao iniciar seu depoimento na reunião aberta do AA Sempre Unidos e do grupo familiar Amizade de Al-Anon, realizada na segunda-feira, 30 de janeiro.
O encontro de número 3.972 tem a participação de cerca de 20 pessoas, entre alcoólatras e familiares, de diferentes idades e classes sociais. Depois da Oração da Serenidade, de 30 segundos de meditação e da leitura da mensagem do dia, integrantes do grupo Sempre Unidos falam de sua luta na recuperação do alcoolismo. A troca de experiências é um dos pilares do trabalho do AA, em encontros nos quais prevalece o respeito, o silêncio e o anonimato.
Por meio de vozes, às vezes tímidas, às vezes embargadas, as histórias de sofrimento, dificuldade e superação se espalham pelo espaço de paredes brancas e chão de assoalho, em uma das salas anexas à Igreja São Sebastião Mártir. Depoimentos, sobrenomes e fatos relatados pelos companheiros, durante os encontros, não saem dali. “Quem você vê aqui, o que você ouve aqui, quando você sair daqui, deixe que fique aqui”, diz uma placa na mesa principal da sala.
“O AA é estranho para todos que chegam de primeira. Quando participei da primeira reunião, em 11 de março de 1987, ficava pensando: ‘o que estão achando de mim, um professor bêbado.’” Norberto, membro do grupo de AA Sempre Unidos.
Aos poucos, porém, a vergonha cedeu espaço à confiança, alicerçada no exemplo de outros alcoólicos em recuperação. Os passos trôpegos de Norberto foram substituídos por um andar firme, ao encontro de uma vida sóbria. “Vi que realmente valia a pena não beber, que o vinho era bom, mas a vida era muito melhor.” Para ele, os 12 passos do programa de recuperação foram e são fundamentais no processo de recuperação. “é só tomar o primeiro gole e tudo poderá ruir. Por isso é importante permanecer no grupo. Tudo o que conquistei foi pelo AA”, garante. “Mais 24 horas para todos nós”, deseja, ao encerrar a sua fala.
“A palavra-chave é persistência”
Na reunião realizada na segunda-feira, Getúlio*, 58 anos, também fez questão de falar aos colegas alcoolistas. Para ele, embora seja difícil, sair da escravidão do álcool não é impossível – e o apoio da irmandade AA é uma ferramenta fundamental nesse processo.
“Aqui ninguém ensina nem julga ninguém, só sugere. Para mim, foi sugerido que persistisse nas reuniões.” Ele aceitou o conselho e, hoje, já soma 13 anos como integrante do grupo de AA Sempre Unidos. “A palavra-chave é persistência.”
Além da perseverança, a aceitação do alcoolismo como doença, a crença em um poder superior e a busca por mais calma nas ações estão entre os aspectos que formam a base do trabalho do AA.
“Aqui, descobri que a felicidade não é a quantidade de risadas nem o barulho que encontrava nos locais que eu frequentava, mas a serenidade que pedimos em nossa oração, o silêncio, a possibilidade de ser ouvido. Encontrei paz de espírito no AA, no último lugar em que imaginei encontrá-la.” Integrante do grupo de AA Sempre Unidos.

Al-Anon: apoio para as famílias
Paralelamente ao trabalho do grupo Sempre Unidos de Alcoólicos Anônimos, o grupo Amizade de Al-Anon oferece apoio a familiares de alcoólatras, em Venâncio Aires. As reuniões ocorrem no mesmo horário das do AA, em outra sala anexa à Igreja Matriz São Sebastião Mártir, com acesso pela rua Tiradentes. Maria* relata a importância do trabalho em busca do bem-estar dos familiares.
“Quando participei do grupo pela primeira vez, sai muito contente por ver que não estava sozinha, que havia outras pessoas passando pela mesma situação.” Maria, integrante do Al-Anon Amizade.
A exemplo do AA, o Al-Anon possui literatura própria que serve de base ao trabalho, com orientações aos integrantes. Cônjuges, filhos e parentes de alcoólatras podem, inclusive, buscar o apoio do grupo, mesmo que seu familiar não tenha ingressado no AA.
“Quando viemos, achamos que é pelos nossos doentes, mas depois vemos que nós também precisamos de ajuda. Muitos familiares adoecem pela presença do alcoolismo na família”, comenta Maria. “Mesmo que hoje nosso familiar esteja bem, continuamos participando, pois temos gratidão. Queremos manter o grupo com as portas abertas.”
A irmandade
O Alcoólicos Anônimos é uma irmandade mundial de homens e mulheres que se ajudam, mutuamente, a permanecerem sóbrios e se recuperarem do alcoolismo. A instituição está presente em cerca de 180 países, e não está ligada a nenhuma religião. Em Venâncio Aires, já são quase 40 anos de atividades.
No entendimento do grupo, não há “antigo alcoólico” ou um “ex-alcoólico”, mas um alcoólico sóbrio ou em recuperação. Os grupos utilizam uma literatura própria, com um programa de recuperação voltado, especialmente, ao autoconhecimento do dependente químico.
Em geral, integrantes do AA preferem a utilização dos termos “alcoolista” ou “alcoólatra”, em vez de “alcoólatra” – considerado mais pejorativo.
Procure ajudaCom cerca de vinte membros ativos, o AA de Venâncio Aires trabalha para ampliar a participação. “A Organização Mundial de Saúde estima que 3% da população brasileira seja alcoólatra. Seguindo essa estatística, Venâncio Aires tem pelo menos 2,1 mil alcoólatras. Essas pessoas poderiam estar buscando ajuda, aqui”, observa Altemir*, 55 anos.
Para participar do AA é preciso, apenas, comparecer em uma reunião do grupo, das 20h às 22h de alguma segunda-feira, mesmo em feriados. Não há cobrança de taxa, apenas contribuições espontâneas, e não é necessário se identificar, nem mesmo falar, nos primeiros encontros.
*Seguindo a linha de anonimato adotado pelo AA, a reportagem optou por preservar a identidade das fontes.