“O sofrimento de quem é abusado não acaba”

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Foto: Alvaro Pegoraro / Folha do Mate;
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Quando criança, Maria* foi abusada pelo irmão mais velho e por um tio. Já na adolescência foi estuprada pelo irmão. Embora a triste e trágica história faça parte do seu passado, os reflexos deste trauma fazem parte, até hoje, do seu dia a dia. “O sofrimento da pessoa que foi abusada ou estuprada, não acaba porque as outras pessoas já esqueceram ou acham que faz tempo. A dor continua ali e dói muito ouvir as pessoas cobrarem: tu precisas esquecer, passado é passado.”

A jovem, hoje casada e mãe de um filho, tentou sete vezes o suicídio, teve quatro internações psiquiátricas e há pouco tempo recomeçou um tratamento terapêutico. Todas as ações não foram à toa: ela foi abusada durante 11 anos. A inocência da infância lhe fez não entender muitas coisas e até hoje não tem ideia de como e quando começou. Guarda na memória, apenas tristes lembranças que, segundo ela, são impossíveis de apagar.

Não há uma vida plena depois disso. Se vive, mas as feridas estão ali. Os pesadelos por vezes voltam. A dor de se sentir culpada ao mesmo tempo em que se entende que a criança não escolhe nada.”

Se para muitas pessoas as mulheres são ‘culpadas’ ou possuem determinadas características que instiguem o abuso, Maria contesta: “Eu não morava em favela, não passava fome, tínhamos uma vida muito estável, carro, móveis sob medida, televisão por satélite (naquela época). é importante que se diga que não há um estado de vulnerabilidade. Em qualquer situação o abusador irá agir.”

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“Abusadores não são monstros”

Levantamentos e pesquisas mostram que a maioria das vítimas de estupro são crianças e adolescentes. Em geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo está dentro de casa e que a violência nasce dentro dos lares. é o caso de Maria que teve sua vida ‘despedaçada’ por um irmão e um tio que usaram da ‘bondade’ e da boa conversa para cometer uma crueldade.

Para ela que acabou escolhendo a área da Pedagogia – provavelmente em função disso -, é importante que um perfil dos abusadores seja observado. Segundo ela, na maioria das vezes eles são gentis e educados, o que acaba confundindo as crianças. “Abusadores não são monstros. Tudo começa com brincadeiras e a criança nem percebe. Quando começa a machucar, a sangrar, já é tarde e daí começam as ameaças.”

No caso de Maria, o irmão – que usava drogas – dizia que seus pais iriam se separar se descobrissem o que faziam. Com medo que isso acontecesse por sua culpa, ela começou a se mutilar para suportar a dor emocional. “Desenvolvi um transtorno de personalidade por entender que o prazer do outro está no meu sofrimento”, contou à reportagem na tarde de ontem, pouco antes de ir para mais uma sessão de terapia. Os abusos terminaram, mas a dor e a luta para superar, segue.

AS LEMBRANçAS MAIS CRUéIS:

“Meu tio me abusava numa casinha de bonecas. Na mesa do jantar quando nos convidava para sentar em seu colo. Nos levava para comprar bala no mercadinho da esquina e antes de sair nos levava para fazer xixi”

“Meu irmão me levava para passear de bicicleta pelos potreiros da casa da minha avó e ver as casas em construções e ali me abusava. Na praia, quando meus pais saiam para jantar, eu adormecia e acordava com as calças abaixadas e ele sobre mim.”

“Cheguei a ter uma hemorragia anal, tamanha violência nos períodos mais sérios. Mas o médico não encontrou nada. Meus pais acharam que era problema espiritual e comecei a frequentar casas espíritas.”

 



Alvaro Pegoraro

Alvaro Pegoraro

Atua na redação do jornal Folha do Mate desde 1990, sendo responsável pela editoria de polícia. Participa diariamente no programa Chimarrão com Notícias, com intervenções na área da segurança pública e trânsito.

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