Nos 85 anos da Câmara de Vereadores de Venâncio Aires, 206 candidatos disputaram as eleições deste ano para o cargo Legislativo, entre eles, pela primeira vez na história da cidade, uma candidata travesti.
Embora não tenha sido eleito, Fabrício da Silva da Rosa, 38 anos, ou Nízia Puerto, como é conhecida, fez 111 votos e se diz satisfeita, denominando-se como a primeira candidata travesti no município, conforme pesquisa que ela mesmo fez, antes de se registrar no Tribunal Superior Eleitoral. “Foram 111 votos para entrar para a história. Me senti honrada e privilegiada. Foi uma experiência incrível e vou levar para o resto da vida, pois me fez entender que as pessoas precisam de representatividade e precisam ser ouvidas”, avalia a candidata.
A moradora do bairro Bela Vista destaca que a caminhada no período que antecedeu as eleições foi tranquila, virtual, pacífica, ao encontro da comunidade, em especial a LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais). “Eu pude mostrar para os jovens, nos bairros e na periferia, que todos nós podemos ocupar nosso espaço, sermos pessoas políticas e lutarmos.” Nízia diz que aprendeu muito com o partido Cidadania, pelo qual concorreu, ouvindo os candidatos mais experientes, aprendendo como chegar nas pessoas e como respeitar o espaço de cada um.
Os 111 votos
“Foram votos para entrar na história”, ressalta a travesti, acrescentando que não criou expectativa de números de votação. Segundo Nízia, mais de uma centena de votos computados, mostra que as pessoas estão em evolução. “Foram de pessoas que realmente acreditam na mudança e que possa haver oportunidades iguais para todos. São 111 votos de pessoas que evoluíram, tem hétero, jovens, terceira idade que estão em um grau de evolução incrível.

Nízia disse que tentou representar a todas as categorias, mas acredita que nem toda a comunidade LGBT lhe apoiou com o voto. “Nossa comunidade LGBT é grande, mas não há números de quantos residem no município, mas mesmo assim, em quatro anos, a atual administração municipal não se manifestou em nada. Em junho deste ano foi entregue documento para o secretário, para a Criação de um Conselho Municipal para discutir políticas públicas no município, mas não recebemos nenhum retorno”, disse.
LGBT e o novo Governo
Como representante LGBT Nízia disse que não existe acordo com a nova administração municipal que assume em janeiro de 2021, mas que há no Plano de Governo, apresentado pelo prefeito eleito Jarbas da Rosa algumas propostas para comunidade LGBT. “No ano que vem, vamos sentar com ele e construir um projeto que inclua a comunidade LGBT em todos os meios públicos e privados. Um projeto de participação e inclusão”, frisa.
Segundo Nízia, atualmente, a maior demanda é o emprego. A qualificação da mão de obra e o incentivo para a volta aos estudos e sala de aula, que muitos abandonam pelo preconceito.
“No momento que se cria uma rede de proteção, as pessoas se sentem acolhidas. Este processo de se aceitar é lento, por mais que a família saiba, encarar a sociedade, querendo ou não, é um desafio”, lamenta. Nízia, que tem a profissão de costureira e é estudante do curso de Assistência Social, diz que a questão do preconceito com a classe LGBT se intensificou nos últimos tempos, apoiada pelo presidente Bolsonaro, que colocou em evidência a liberdade de atacar a minoria.
“O reflexo é esse preconceito e ataque deixados claros, tanto que o presidente extinguiu os conselhos nacionais. Isso nos fez regredir. Os ataques ofensivos abertos pelo presidente te colocam à beiro do lixo”, lamenta e se posiciona: “Com as declarações do presidente ficou mais evidente e em ‘carne viva’ este preconceito.”
Nízia candidata
Durante os 45 dias de campanha eleitoral Nízia diz que a palavra de apoio que mais ouviu foi ‘coragem’. “E é preciso ter coragem, pois no momento que tu te coloca ali, está disposto a qualquer tipo de ataque. Muitos me questionaram se eu entraria neste mundo ‘sujo’ que é a política, mas se alguém não entrar pra tentar mudar não se terá política limpa, igualitária e com inovação. Tem que ter coragem, sim.” Conta que foi bem recebida nas famílias por onde passou nos bairros. “Também tive apoio do meu partido. Deixei claro que quero falar, quero ter voz.
Se está errado, vou falar.” Ela reforça que tem vontade de continuar na política, mas que a partir de agora vai buscar dedicar-se à oficialização e melhor articulação do grupo “Somos um” que é um movimento social de inclusão de pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de gênero e que representa o LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais,Transexuais,Travestis ou Transgêneros, Queer, Intersexo e Assexual. O sinal de mais (+) abriga as mais diversas orientações sexuais e diversidades de gênero.